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Os Muitos Lixos na Nossa Vida

É muito bem-vinda a notícia de que o Brasil acaba de adotar um projeto comum com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep, na sigla em inglês) e o Global Environment Facility (GEF) para pesquisar o ciclo do mercúrio e a capacitação do País em gerenciar os riscos desse tipo de substância metálica. Pode ser um passo muito importante para o controle/eliminação desse tipo de lixo tóxico no País – e talvez abra caminho para outros resíduos tóxicos. Também pode facilitar a homologação, pelo País, da Convenção de Minamata, que o Brasil assinou (ela só foi homologada por 13 países dos 50 necessários para entrar em vigor). 

O tratado fixou normas para essa área e estabeleceu que até 2020 o mercúrio deve ser eliminado de pilhas, baterias, lâmpadas, cosméticos, pesticidas e outros materiais, tendo em vista os riscos que implica para a saúde humana (danos à tireoide e à função hepática, tremores, irritabilidade, perda de memória, problemas cardiovasculares e na visão). Os riscos podem estar no consumo de pescado, em amálgamas dentais, na exposição no trabalho, em muitas formas. Envenenamento agudo pode levar à morte em uma semana. 

O Brasil, segundo a Associação Brasileira da Indústria Química, é a sétima maior economia no setor químico. Mas tem dificuldade em implantar estratégias para controle e redução do mercúrio, por falta de dados. Também tem pouca experiência na coleta e no armazenamento separado de mercúrio e de seus resíduos, como o encontrado em lâmpadas (das quais o País consome 300 milhões por ano – só 16 milhões são recicladas e têm destinação correta). O custo do projeto agora acordado será de US$ 2,5 milhões. 

O mercúrio é apenas um dos vários tóxicos perigosos. Ainda há pouco tempo divulgou-se que uma pesquisa da engenheira ambiental Bruna Fernanda Faria (Unicamp) encontrou, num aterro sanitário para onde vai todo o lixo de Campinas (SP), alta concentração de metais pesados, inclusive em águas superficiais e subterrâneas – chumbo, cromo, níquel, zinco e cobre. Em dois outros aterros desativados há mais de 20 anos também se registrou a presença de metais tóxicos. 

Em Paracatu (MG), relatório aponta concentrações de arsênio até 200 vezes mais altas que as permitidas. O arsênio é liberado na atmosfera pela explosão de rochas para retirar ouro da maior mina a céu aberto no mundo (US$ 3,4 bilhões/ano), operada por uma empresa canadense (25% da produção nacional do minério). E contamina a água e o solo. Em um córrego foi encontrada concentração de arsênio 252 vezes mais alta que a admitida pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). 

No final do ano passado, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, assinou com entidades do setor de lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista um acordo setorial que estabeleceu a logística reversa desses produtos, prevista na lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010. Fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes desse tipo de produto que possa prejudicar o meio ambiente ou a saúde humana devem criar um sistema de recolhimento e destinação final, independentemente dos sistemas públicos de limpeza urbana. Ele garante o retorno dos resíduos à indústria, para reaproveitamento. 

Outro tipo de resíduo muito problemático é o eletroeletrônico, que pode envenenar pessoas e gerar doenças crônicas. É bastante provável que, a partir do ano que vem, cresça bastante o volume de lixo eletrônico no Brasil, porque começa a ser desligado o sinal analógico para a televisão aberta. Os donos de casas podem implantar antenas adequadas para o novo sistema. Mas é provável que boa parte prefira comprar novos aparelhos e descartar os antigos. 

Há países que resolvem por outros caminhos – muito contestados – os problemas nesta área. Os Estados Unidos, por exemplo, até recentemente exportavam 80% dos seus resíduos eletrônicos, principalmente para países mais pobres da África, onde eram parcialmente recolhidos pela população mais pobre e reaproveitados – uma prática chamada de "colonialismo da miséria". A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também exportou da Europa enormes quantidades. 

No Brasil, é difícil de ser otimista nesta área, tendo em vista o desolador panorama mostrado há poucas semanas na área do lixo, com base em números de 2014. Praticamente nada mudou, por exemplo, na questão dos lixões, para onde continuavam a ir 41,6% dos resíduos nacionais (eram 42,4% em 2013) – apesar dos muitos pronunciamentos do Ministério do Meio Ambiente. Ouvidos moucos, o Senado Federal aprovou no início de julho projeto que prorroga até 2018 o prazo para eliminação dos lixões, que uma lei de 2010 previa para 2014. 

Agora, se a Câmara também aprovar, as capitais e municípios de regiões metropolitanas terão prazo até 31 de julho de 2018; municípios de fronteira e com mais de 100 mil pessoas terão um ano além desse limite; e os de 50 mil a 100 mil habitantes, até julho de 2020. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, até 2014 só 9% os eliminaram. Mais de metade das cidades consultadas nem sequer tinha planos para a eliminação. 

Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza e Resíduos Especiais (Abrelpe), serão necessários R$ 11,6 bilhões até 2031 só para implantar a infraestrutura indispensável para a destinação final adequada de resíduos; e R$ 15,59 bilhões anuais para controle de aterros, coleta seletiva, reciclagem e aproveitamento para biogás. A quem se espantar, a associação lembra que serão apenas R$ 6,50 por pessoa a cada mês para ter os recursos. 

No mundo, dizem a ONU e o Banco Mundial, a geração de lixo urbano em três décadas cresceu três vezes mais que a população. Está em 1,4 bilhão de toneladas/ano e chegará, em dez anos, a 2,2 bilhões de toneladas/ano. Perto de 250 kg anuais por habitante. Não consola saber.

Por: Washington Novaes (O Estado de S. Paulo).

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