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Crise Socioambiental e Sustentabilidade: Estado da Arte

INTRODUÇÃO

Segundo Newson (1995), ao se pensar na crise ambiental contemporânea, deve-se levar em consideração os aspectos históricos, sociológicos, filosóficos e antropológicos do fenômeno, e não apenas os fatores propriamente ambientais. É necessário buscar entender o processo a partir da análise da relação do homem com a natureza e seus desdobramentos, enfatizando muito mais as condições humanas do que as naturais do meio ambiente.

Antes de mais nada, vale uma retomada histórica do caminho até a emergência e instauração do que atualmente é definido por crise ambiental, que é consenso entre pesquisadores e grandes instituições que tratam da temática, como é o caso da Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2012 inclusive, em relatório divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a ONU apontou que a crise ambiental no planeta é grave e carece de esforços e cooperação internacional para sua solução. Mas, como se chegou a essa situação? 

A busca pelo desenvolvimento e pelo progresso, por intermédio da evolução das tecnologias, sempre fizeram parte da história da humanidade. Desde as primeiras grandes embarcações e navegações europeias rumo ao Novo Mundo, até a emergência da máquina a vapor e posterior Revolução Industrial, o que marca a história das sociedades ocidentais é a busca pelo desenvolvimento e consequente crescimento econômico. Ser uma potência, um país de grande notoriedade e poder internacional, estava diretamente relacionado à capacidade econômica e de controle das nações do velho continente. Por este motivo, a corrida desenvolvimentista sempre foi algo latente nas grandes nações da Europa

A POLARIZAÇÃO MUNDIAL E A BUSCA PELO DESENVOLVIMENTO 

A busca pelo poder e controle internacional ganha grande destaque com as duas grandes guerras mundiais, que são marcadas pela tentativa de conquista e soberania de um império – do período conhecido por Imperialismo, no qual as nações europeias controlavam outros países, de menor expressão internacional, como era o caso das nações africanas e asiáticas da época – frente ao outro. Do ponto de vista ambiental, os dois grandes conflitos mundiais causaram grande devastação e poluição ao planeta. Do ponto de vista econômico, ao final da Segunda Guerra, dois novos atores internacionais ganham destaque e tomam para si a atenção, dado seu poderio econômico e militar evidentes após o conflito: os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Duas nações poderosas, porém distintas em termos políticos, econômicos e ideológicos. 

Imediatamente um novo embate se faz emergir, mas agora não em um conflito militar, mas ideológico. É a chamada Guerra Fria, que dividiu o mundo em dois grandes blocos: o bloco capitalista, liderado pelos EUA, e o bloco socialista, liderado pela URSS. A partir daí, uma corrida desenvolvimentista desenfreada e desregulada passou a compor o cenário mundial, no qual dois modelos político-econômicos disputavam e tentavam mostrar para o mundo qual era o melhor. 

Com o passar do tempo, a Guerra Fria foi responsável tanto por grande desenvolvimento tecnológico quanto pelos mais altos índices de tensões militares entre países após o fim das duas grandes guerras mundiais, afinal ao passo em que EUA e URSS se desenvolviam, também se armavam, resguardando-se para um possível confronto bélico e para demonstrar força e capacidade de controle no cenário internacional. 

Desta forma, diante do embate entre capitalismo (EUA) versus socialismo (URSS), o desenvolvimento econômico se tornou o principal fator de demonstração hegemônica. Desenvolver e progredir era necessário a todo e qualquer custo. A expansão de mercados e do comércio, além de sinônimo de geração de riquezas, era também uma forma de se implantar o capitalismo em países que eventualmente poderiam se tornar adeptos do socialismo soviético. 

O avanço do capitalismo ocidental e da industrialização trouxeram graves consequências ao meio ambiente. Novas empresas eram fundadas, sem qualquer regulamentação de cunho ambiental, visando o lucro máximo através da exploração dos recursos naturais. 

O comércio mundial se expandiu e com a tecnologia em constante evolução, novas formas de produção e negociação se desenvolveram. Planos de incentivo à mundialização do mercado viabilizaram gradativamente um comércio cada vez mais rápido, lucrativo e de ampla concorrência, culminando em um fenômeno atualmente conhecido por Globalização

Com o advento do capitalismo global, o sistema socialista ruiu, culminando na consequente falência da URSS. Desta forma, o caminho ficou livre e o sistema capitalista se alastrou pelo mundo. Com todas as liberdades de atuação absolutamente garantidas ao mercado e com economias privadas cada vez maiores, a economia mundial se deparou com um horizonte permeado por boas perspectivas expansionistas. Como decorrência da livre acumulação de capitais surgiu também a livre concorrência. Nestes termos era permitido todo tipo de desenvolvimento e alta produção, tendo como objetivo a garantia de maiores vantagens e benefícios à sociedade e, em decorrência, às pessoas. O que aconteceu a partir daí foi um estrondo produtivo em muitas partes do mundo. As empresas passaram buscar a qualquer custo novas e melhores formas de se angariar lucros. Suas economias internas se tornaram volumosas. Surgiram empresas que estenderam sua atuação para além de seus "países natais", as chamadas multinacionais. 

Vale uma ressalva para a reconstrução histórica até aqui empreendida, dado que em nenhum momento falou-se em Sustentabilidade ou Desenvolvimento Sustentável. O que o mundo buscava era o desenvolvimento econômico a qualquer custo, sem a preocupação com os impactos causados ao meio ambiente. Uma das áreas de maior incidência da atuação irresponsável e desrespeitosa frente à sociedade e legislação, muitas vezes inexistente, é sem sombra de dúvidas a ambiental. Algumas nações atualmente encontram-se frente ao caos natural, com recursos ambientais altamente poluídos e degradados, urgindo pela minimização e reparo de tais danos. É a crise de que fala o relatório do PNUMA citado no início deste artigo. 

Para as empresas multinacionais era praticamente imperioso a instalação de atividades poluidoras, causadoras de grandes danos ambientais e sociais, sobretudo nos países do chamado "terceiro mundo", onde a legislação e aplicabilidade da lei tendiam a ser menos eficientes. Aos países desenvolvidos, onde se encontravam as empresas matrizes, restavam as "atividades limpas" de gestão, tecnologia e coordenação da produção, sobretudo depois do início da formação da chamada "consciência ambiental", com a emergência de movimentos ambientalistas e de grandes conferências internacionais entre países para debater a respeito dos impactos das atividades humanas sobre o meio ambiente, especialmente a partir da década de 1960, por exemplo com a publicação do relatório Os Limites do Crescimento, do Clube de Roma, e da fundação da WWF, importante organização que atua em prol da defesa do meio ambiente. 

Desta forma, destaca-se o que Newson (1995) abordou como crise socioambiental humana, dado que a crise é muito mais do ser humano em si do que ambiental. Todos os modelos políticos e econômicos de desenvolvimento adotados pelo homem até então levaram-no até a crise. Primeiro com as duas grandes guerras e suas consequências, depois com a Guerra Fria e por último com o desenvolvimento econômico fundamentado no capitalismo global. O autor ainda destaca que essa é uma crise de valores, de identidade, de cunho filosófico e ideológico, dado que o homem sempre se enxergou como o administrador supremo dos recursos naturais, sem se preocupar com sua importância para a manutenção da vida na terra. No entanto, com a tomada de consciência ambiental, motivada sobretudo pela acentuação das mazelas e desigualdades sociais, o homem tomou consciência também que estava em crise. Havia falhado como administrador supremo da natureza, os recursos estavam por se esgotar e as disparidades só aumentavam. 

Um cenário de pessimismo tomou conta da humanidade, sobretudo a partir do relatório Os Limites do Crescimento, que fazia análises pouco esperançosas para o futuro da humanidade em relação à sua qualidade de vida no mundo. O relatório afirmava que se não houvessem mudanças significativas nas relações físicas, econômicas e sociais até então observadas, a produção industrial e a população cresceriam rapidamente para então sofrer grande decadência. A produção decresceria devido à diminuição dos recursos naturais e o número de viventes entraria em queda em decorrência da elevada taxa de mortalidade provocada pela escassez de alimentos e serviços. Os autores do relatório ressaltam ainda que, mesmo com a duplicação dos recursos naturais, o colapso populacional não seria impedido, pois o elevado crescimento industrial decorrente da maior oferta de recursos elevaria o nível da população para além da capacidade de assimilação ambiental, o que aumentaria a taxa de mortalidade e reduziria a produção de alimentos. 

A EMERGÊNCIA DE UMA NOVA FORMA DE DESENVOLVIMENTO: O ADVENTO DA SUSTENTABILIDADE 

A partir do Clube de Roma e dos impactos causados pelo relatório Os Limites do Crescimento, a questão ambiental passou a ser considerada relevante e compor a agenda política dos atores internacionais. Em 1972, em Estocolmo, foi realizada a I Conferência Mundial Sobre o Meio Ambiente, onde se buscou modificar a visão antropocêntrica de que o homem seria o senhor dominante e o mais importante ser sobre o planeta, devendo explorá-lo e dominá-lo a qualquer custo. No evento, foram apresentadas diversas preocupações acerca da qualidade futura do meio ambiente, principalmente pelos países desenvolvidos, os quais defenderam o início imediato de medidas efetivas objetivando a alteração da realidade atual e futura que se apresentavam. 

A Conferência reconheceu a importância do gerenciamento ambiental e o uso da avaliação ambiental como ferramentas de gestão e representou um grande passo à elaboração do conceito de desenvolvimento sustentável. Foi responsável pelo início da busca pela coexistência entre meio ambiente e desenvolvimento, deixando claro que os rumos do desenvolvimento econômico deveriam sofrer mudanças, iniciando a crítica ambientalista ao modo de vida atual. Claro estava a necessidade de uma forma diferente de desenvolvimento. Não bastava apenas mais crescer economicamente, mas sim garantir que tal crescimento e desenvolvimento se dessem com compromisso ambiental, dado que impactaria diretamente na manutenção da qualidade de vida e existência do homem no planeta. 

Surgiu-se então os conceitos de Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável, apresentados no Relatório Brundtland. Em 1987, a Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Comissão Brundtland, foi criada pela ONU e tornou-se responsável pela elaboração de um documento intitulado Nosso Futuro Comum. Este documento apresentou a proposta de integrar a questão ambiental ao desenvolvimento econômico, surgindo não apenas um novo termo, mas uma nova forma de crescer e se desenvolver. Portanto, o Relatório Brundtland indicou algumas medidas a serem tomadas pelos governos nacionais, como controle populacional, preservação da biodiversidade e ecossistemas, diminuição do consumo de energia e promoção do desenvolvimento de tecnologias que admitam o uso de fontes energéticas renováveis, entre outros; além de apresentar o conceito de Desenvolvimento Sustentável como sendo: 

O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades. Significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico e de realização humana e cultural, fazendo ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais. (ONU, "Relatório Brundtland: Nosso Futuro Comum"; 2ª edição, 1991). 

A partir de então, a Sustentabilidade passou oficialmente a ser um aspecto de relevância e clamor global. Conferências, como a Eco 92 e a Rio +20, e diretrizes da ONU, como a Agenda 21 e as Metas de Desenvolvimento do Milênio, caracterizam todo o esforço empreendido em prol da mudança do homem se relacionar com o meio ambiente. 

No entanto, no périplo desta reconstrução histórica, a análise do conceito de Desenvolvimento Sustentável apresentada deságua uma vez mais na análise de Newson (1995) a respeito da crise ambiental atual. Quando o conceito apresenta os termos realização humana e cultural, remete a um estado de bem estar e preocupação da humanidade muito mais interno, sobre ela mesma, do que externo. 

Desta forma, o conceito está muito mais ligado a atender uma necessidade do homem do que ambiental, bem como justificar a continuidade do desenvolvimento econômico e dos padrões de vida até então adotados. O Desenvolvimento Sustentável e a Sustentabilidade passaram a ser um importante discurso para justificar as ações das nações e suas empresas, muito mais do que foram efetivados em práticas que de fato se preocupassem em melhorar a qualidade de vida ambiental no planeta. Tanto que, conforme apresentado no início, em 2012 o relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente classificou a situação ambiental do planeta como grave. 

O avanço tecnológico, a produção, o consumo e a proporcional degradação ambiental continuam a crescer, ora pelos atores responsáveis apostarem na ineficiência punitiva do Estado, assumindo o risco, ora por crerem ser a afronta legal um risco inerente à atividade lucrativa. Não se pode negar que houve melhoras ao longo dos anos, mas estas são anuladas pelo agigantamento das violações degradantes ao meio ambiente. 

A realidade atual demonstra a persistente necessidade por mudanças socioeconômicas, dos padrões de vida, hábitos e cultura do homem, para que se possa falar efetivamente em preservação ambiental e garantia satisfatória da qualidade de vida desta e das futuras gerações, conforme reza o conceito de Sustentabilidade. Antes de mais nada, a mudança deve ser do próprio homem em si, de forma interna, em seus valores, crenças, imaginário e filosofia, para depois se refletir em mudanças externas, em sua relação com o meio ambiente. 

EPÍLOGO 

Diante deste cenário, o que se encontra é um enraizamento dos problemas energéticos mundiais e a previsão que se faz é que em pouco tempo estes irão se manifestar de forma mais acentuada. Apesar de muito se falar sobre fontes energéticas alternativas e renováveis, o petróleo continua sendo a força motriz que move a economia mundial. No entanto, o recurso é finito e escasso, a cada dia menos se tem. A água, outro elemento utilizado para geração de energia, também é um recurso finito e que encontra-se em processo de diminuição. Outra fonte energética alternativa é a nuclear, mas a gravidade de acidentes ocorridos em usinas trouxe a este tipo de produção o estigma de suja, perigosa e muito impactante, o que não deixa de ter sua veracidade. 

Neste contexto, portanto, a energia eólica ganha notoriedade e destaque, assumindo o status de forma energética sustentável e limpa, dado sua disponibilidade e capacidade de renovação inerente à força dos ventos. Sua relevância fica ainda mais evidente quando se analisa o discurso dos três principais candidatos à Presidência da República no Brasil nas eleições de 2014. Tanto Dilma Rousseff, candidata reeleita, quanto Aécio Neves e Marina Silva, destacaram em seus discursos a importância em se diversificar a matriz energética brasileira, sobretudo investindo em produção de energia eólica. Tema de diversos debates, a energia eólica fundamentou a fala e posicionamentos dos candidatos, que em consenso assumiram a relevância em se investir em parques de geração de energia eólica e linhas de transmissão de energia, sobretudo com o objetivo de diminuir a dependência do país na geração de energia por hidrelétricas, o que tem também como pano de fundo a atual crise da água experimentada mundialmente, inclusive no Brasil, país onde o recurso é – ou deveria ser - abundante. 

Referências Bibliográficas 

• Carlos, A. F. A; 1996. O Lugar no/do Mundo. São Paulo: Editora Hucitec. 150 páginas. 

• Claval, P; 1999. A Geografia Cultural. Tradução: Luís F. Pimenta e Margareth C. A. Pimenta. Florianópolis: Editora UFSC. 453 páginas. 

• Cosgrove, D. A Geografia Está em Toda a Parte: Cultura e Simbolismo nas Paisagens Humanas. 1998. In: R. L. Côrrea; Z. Rosendahl. Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro: Editora UERJ; Páginas: 92-122. 

• Harvey, D; 1992. Condição Pós-Moderna: Uma Pesquisa Sobre as Origens da Mudança Cultural. São Paulo: Edições Loyola. 349 páginas. 

• Lima, G. C. O Debate da Sustentabilidade na Sociedade Insustentável. Disponível em: http://www.cefetsp.br/edu/eso/debatesustentabilidade.html. 

• Newson, M. Introduction: Managing the Natural Environment – Why and How. 1995. In: Malcolm N. Managing the Human Impact on the Natural Environment – Patterns and Processes. John Wiley & Sons. 

• Organização das Nações Unidas (ONU). Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. 1991. Relatório Brundtland: Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas; 2ª edição. 

• Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) / Organização das Nações Unidas (ONU). 2012. Panorama Ambiental Global (Geo-5). Disponível em: http://www.pnuma.org.br/publicacoes_detalhar.php?id_publi=97

Por: José Dias Neto. Sociólogo e cientista social.

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