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O Princípio da Liberdade Como Vetor da Sustentabilidade Social

Uma questão primordial para entender o desenvolvimento sustentável se refere à liberdade humana. Imagine, por exemplo, que tivéssemos condições dignas de saúde, educação, lazer, cultura – entre outras -, mas ao mesmo tempo não conseguíssemos exercer o nosso direito de ir e vir livremente no país. Num cenário como este, nossa liberdade de locomoção estaria tolhida, e consequentemente também nossa dignidade enquanto seres singulares. 

A partir deste raciocínio, a seguinte questão emerge: seria a liberdade um dos focos para concretizar o Desenvolvimento Sustentável? Entendo que sim, haja vista que este principio é fundamental para conseguirmos compreender a real natureza do pilar social da sustentabilidade. 

Para elucidação da amplitude do principio da liberdade, se faz necessário buscar um aporte teórico na ciência jurídica. Só assim é possível compreender a magnitude do pilar social do Desenvolvimento Sustentável, o qual luta por um dos direitos mais singelos e inerentes ao homem: a sua liberdade! 

Do pensamento de Kelsen (1991) pode-se extrair, por meio de um prisma reducionista do principio da liberdade, que o comportamento do cidadão é condicionado pela existência de normas. Assim, caso estas não impeçam uma determinada conduta humana, o homem tem plena liberdade de realizá-la. 

O direito a liberdade, por meio de uma vontade divina, provém do livre arbítrio de que são dotados os homens para poderem escolher as suas ações, submetendo-se ao julgamento de Deus no juízo final (AGRA, 2010). 

Segundo Montesquieu, a liberdade é fruto do direito de fazer tudo o que as leis permitem. Conforme seu pensamento, não haveria liberdade se um cidadão pudesse afrontar as leis, haja vista que os demais cidadãos teriam igualmente este poder (MONTESQUIEU, 2012). 

A paixão, o ódio e a obsessão são condições que desviam o homem da tomada de decisões com base na razão, consoante o pensamento racionalista. Um determinado individuo submetido apenas às paixões ou interesses não o faz mais livre do que submetido aos interesses e desígnios de outrem. Desta forma, a liberdade é dependente da resistência aos desejos e às paixões que levam à auto-anulação individual. 

Por conseguinte, a resistência, enquanto forma de emancipação da pessoa humana se torna um fator de liberdade, isto é, em que a consciência está acima da vontade. Na concepção de Kant, o homem livre não é escravo de suas paixões, mas sim o que segue as leis derivadas da razão. A liberdade, portanto, não resulta da experiência, mas de leis da razão vinculadas a proposições lógicas a priori, as quais podem ser adotadas como lei universal – tais são os imperativos categóricos. A capacidade de autocontenção deriva da liberdade (CARVALHO, 2009). 

Segundo Agra (2010), por ser um standard burguês, a liberdade foi o principio que assumiu maior relevância nos primeiros Textos Constitucionais. Segundo expõe o autor, este não foi considerado como um direito ofertado pelos entes estatais, por meio de postulados jusnaturalistas, mas como um direito que era anterior ao Estado e por isso devia por ele ser respeitado. Desta forma, a liberdade assumiu um status superior frente às normas positivadas, não podendo ser suprimida pelas leis impostas pelo homem. 

Em sentido geral, liberdade consiste em não sofrer restrições ou imposições de outrem, tendo, juridicamente um sentido negativo, isto é, quer dizer que à pessoa não são vedadas alternativas de ação (CARVALHO, 2009). 

Consoante o pensamento de Hobbes, liberdade é algo, primeiramente, da ordem da Natureza, independente, portanto, da existência humana. Ela estrutura o cosmos; é seu elemento constitutivo. Onde há movimento, necessariamente, há também liberdade daquele corpo que mantém seu estado dinâmico, seja este uma pedra, seja este um indivíduo. E a ausência de impedimentos, requisito necessário, de acordo com o princípio da inércia, para se manter o estado dinâmico de um corpo, acaba sendo aquilo que constitui o caráter negativo desta liberdade que estrutura o cosmo (CONTI, 2010, p. 21). 

Os direitos à liberdade religiosa, à liberdade de expressão, de pensamento, e à propriedade que – para os constitucionalistas liberais – é entendida como uma extensão da liberdade dos cidadãos, defluíram do direito à liberdade (AGRA, 2010). 

Há uma intrínseca ligação entre liberdade e dignidade, haja vista que liberdade, e, por conseguinte, também o reconhecimento e a garantida de direitos de liberdade – e dos direitos fundamentais de modo geral – constituem uma das principais exigências da dignidade da pessoa humana. Opor a liberdade à dignidade é não compreender o homem em sua totalidade, tendo uma concepção fracionada deste. Uma liberdade alienada seria aquela compreendida sem a responsabilidade, assim como a dignidade que não compreendesse a liberdade do homem seria uma dignidade truncada (SARLET, 2009). 

Partindo-se da perspectiva da pessoa humana como ser em busca de auto-realização e responsável pela escolha dos meios aptos a concretizar suas potencialidades, as liberdades são proclamadas. Através de medidas que assegurem maior igualdade entre todos, prevenindo que as liberdades se tornem meramente formais, se justifica o Estado democrático. Desta forma, a efetividade das liberdades presta serviço a este, na medida em que viabilizam a participação mais intensa dos interessados nas decisões politicas fundamentais (MENDES; BRANCO, 2011). 

Afirma Carvalho (2009) que a liberdade, desta forma, é inerente à pessoa humana, sendo sua condição de individualidade. Completa o autor que esta é o espaço social para o ser perseguir seus próprios fins, se distanciando do outro e disponibilizando a si mesmo as regras e normas de sua ação. 

A liberdade exprime, por fim, a faculdade de pensar como se entende, de ir e vir a qualquer atividade, de fazer ou não fazer o que se quer, tudo conforme a livre determinação da pessoa, quando não se institua principio restritivo ao exercício da atividade ou não haja regra proibitiva para a prática do ato (DE PLÁCIDO E SILVA, 1987). 

Referências 

• AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 

• CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: Teoria do Estado e da Constituição & Direito Constitucional Positivo. 15ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. 

• CONTI, Rafael Augusto De. Liberdade Para Além do Estado em 'Thomas Hobbes: o rei nú em busca da equidade soberana (ou do homem à máquina e da máquina ao homem: a liberdade como reino da ética)'. 2010. 207 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. 

• DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. 

• KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 3ª ed. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 1991. 

• MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 

• MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. 1748.

• SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.


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