Translate / Traduzir

Por Que Alergias Estão Ficando Piores Com Mudanças Climáticas?


O aumento das temperaturas globais faz com que o pólen das plantas fique suspenso no ar em maior quantidade e por mais tempo, aumentando os casos de alergia. 

Sempre podemos observar as tempestades, mas não conseguimos ver o que acontece dentro delas. 

Durante a formação da tormenta, trilhões de partículas de pólen são sugadas para as nuvens. E, quando ela acontece, a chuva, os raios e a umidade dividem todo esse pólen em fragmentos cada vez menores, que são lançados para a Terra e atingem o sistema respiratório das pessoas. 

No dia 21 de novembro de 2016, por volta das seis horas da tarde, o ar adquiriu características mortais em Melbourne, na Austrália. 

Os telefones de emergência começaram a tocar. Pessoas com dificuldade de respirar começaram a procurar os hospitais em grandes números. A demanda por ambulâncias foi tão grande que os veículos não conseguiam retirar as pessoas imobilizadas em suas casas. 

Os serviços de pronto atendimento atenderam oito vezes mais pessoas com problemas respiratórios do que o normal. E as internações hospitalares de pessoas asmáticas foram cerca de 10 vezes mais altas do que o habitual. 

Ao todo, 10 pessoas morreram, incluindo uma estudante de direito com 20 anos de idade, que morreu no gramado de casa, aguardando a ambulância, enquanto sua família tentava ressuscitá-la. 

Um sobrevivente contou que respirava normalmente e, em questão de 30 minutos, ficou ofegante em busca de ar. "Foi absurdo", declarou ele aos repórteres, no seu leito hospitalar. 

O professor e cientista especializado em saúde ambiental Paul Beggs, da Universidade Macquarie em Sydney, na Austrália, relembra bem o incidente.

"Foi um evento de massa absoluto. Sem precedentes. Catastrófico", descreve ele. "As pessoas em Melbourne, os médicos, enfermeiros e as pessoas nas farmácias – ninguém sabia o que estava acontecendo." 

Logo ficou claro que aquele foi um caso massivo de "asma de tempestade". Ela ocorre quando certos tipos de tempestades decompõem as partículas de pólen no ar, liberando proteínas e as lançando sobre as pessoas sobre a superfície, sem que elas saibam. 

Essas proteínas dispersas de forma generalizada podem causar reações alérgicas em algumas pessoas, mesmo as que não sofreram de asma anteriormente. 

Eventos como a asma de tempestade que atingiu Melbourne são um exemplo extremo de como o pólen das plantas e as alergias que ele causa são dramaticamente alterados pelas mudanças climáticas. 

Com o aumento das temperaturas, muitas regiões (especialmente os Estados Unidos, a Europa e a Austrália) vêm observando que as alergias sazonais, agora, afetam uma parcela maior da população, por períodos mais longos e com sintomas mais graves, segundo os cientistas. 

Neste ano, previsões indicam que os níveis de pólen em 39 Estados americanos ficarão acima da média histórica da estação. E os especialistas alertam que esta situação provavelmente só irá se agravar nos próximos anos. 

O pólen é uma parte essencial e onipresente do nosso mundo. Suas partículas microscópicas passam por entre as plantas e permitem a sua reprodução. 

Enquanto algumas plantas espalham seu pólen com a ajuda dos insetos, outras dependem do vento. Elas emitem imensas quantidades da substância em pó pelo ar. 

Muitas espécies de árvores, gramas e ervas dependem da dispersão do pólen pelo vento. São estas as maiores causadoras das alergias sazonais – a chamada febre do feno. 

A alergia ocorre quando o nosso sistema imunológico, por erro, identifica o pólen como uma substância nociva. Ele, então, aciona uma reação normalmente reservada para vírus ou bactérias patogênicas. Os sintomas comuns podem incluir coriza, irritação nos olhos e espirros. 

Em alguns casos, as alergias sazonais podem causar dificuldades respiratórias. Isso ocorre quando a inflamação das vias aéreas causa inchaço, o que dificulta a chegada de ar suficiente aos pulmões. 

Melbourne passou a ser o infeliz epicentro da asma de tempestade. Foram sete eventos significativos registrados desde 1984. 

Mas incidentes similares já ocorreram em todo o mundo, desde Birmingham, no Reino Unido, até Atlanta, no Estado americano da Geórgia. 

Estes eventos ainda são raros, mas as mudanças climáticas podem estar aumentando a probabilidade de incidência da asma de tempestade. 

Um dos motivos é o aumento da temporada do pólen, além da maior frequência dos eventos climáticos extremos, incluindo as tempestades. 

Não é possível determinar a influência exata das mudanças climáticas sobre o caso de asma de tempestade de 2016 em Melbourne. Mas Beggs tem "razoável certeza" de que houve algum impacto. 

"Sabemos que as mudanças climáticas geram aumento da quantidade de pólen na atmosfera", explica ele. "Elas estão mudando a sazonalidade do pólen. Estão alterando os tipos de pólen a que somos expostos." 

Beggs pesquisa extensamente a asma de tempestade e publicou um estudo em 2024, examinando as relações entre este fenômeno e as mudanças climáticas. 

As tempestades alimentam o pólen 

Ainda não conhecemos a forma exata em que as tempestades ativam ou exacerbam a asma. 

A principal teoria é que as correntes de ar frio descendentes que ocorrem nos sistemas meteorológicos durante as tempestades geram fortes ventos cruzados que sopram na superfície, carregando os grãos de pólen e esporos fúngicos das gramas e de outras plantas. 

Eles são levados para grandes altitudes pelas correntes de ar ascendentes, até o sistema de tempestade. Lá chegando, a umidade das nuvens faz com que eles se expandam e se dividam em fragmentos menores, aumentando massivamente a quantidade de partículas alergênicas no ar. 

O forte campo elétrico que se desenvolve durante as tempestades também pode intensificar a desintegração do pólen. 

Quando os ventos cruzados frios transportam os fragmentos de pólen de volta para a superfície da Terra, o menor tamanho das partículas facilita sua entrada nas vias respiratórias. 

Estudos do fenômeno indicam que os níveis de pólen parecem atingir seu pico nos primeiros 20-30 minutos de tempestade. E o pólen parece afetar particularmente os mais jovens. 

O aumento da temporada de pólen 

Felizmente, os grandes eventos de asma de tempestade ainda são raros. Mas as mudanças climáticas estão aumentando o risco de exposição das pessoas ao pólen por outras vias. 

De um lado, o aumento das temperaturas significa que as temporadas de pólen – a época do ano em que as plantas emitem as partículas, tipicamente na primavera e no verão – agora começam mais cedo e duram mais tempo, segundo a cientista de saúde pública Elaine Fuertes. Ela é especialista em meio ambiente e doenças alérgicas do Instituto Nacional do Pulmão e Coração do Imperial College, no Reino Unido. 

"Você terá pessoas apresentando sintomas mais cedo ao longo do ano, por um período de tempo maior", explica ela. 

Em algumas partes do mundo, como a Europa e os Estados Unidos, um dos principais culpados é a ambrósia, um vasto grupo de plantas produtoras de flores, que muitas pessoas consideram ervas daninhas. 

Existem diversas espécies de ambrósia espalhadas pelo mundo, que podem produzir quantidades alucinantes de pólen. Uma única planta é capaz de emitir um bilhão de grãos de pólen. 

A ambrósia cresce nos jardins e nas fazendas, além de cantos e fendas nos ambientes urbanos. E as alergias causadas pelo pólen da ambrósia já afetam cerca de 50 milhões de pessoas, somente nos Estados Unidos. 

Um estudo analisou dados de 11 locais na América do Norte entre 1995 e 2015 e concluiu que 10 deles apresentam temporadas mais longas de pólen de ambrósia – alguns deles, muito mais longas. 

Naquele período de 20 anos, a temporada aumentou em 25 dias em Winnipeg (Manitoba, Canadá), 21 dias em Fargo (Dakota do Norte, EUA) e 18 dias em Mineápolis (Minnesota, EUA). 

"O inverno se aquece, a primavera começa mais cedo e o outono se atrasa. Por isso, o tempo que você passa em ambiente externo, em contato com o pólen alérgico, certamente está aumentando", afirma o professor de ciências da saúde ambiental Lewis Ziska, da Universidade Columbia em Nova York, nos Estados Unidos. Ele participou dos estudos sobre a temporada do pólen de ambrósia. 

Estas mudanças são mais drásticas no norte da América do Norte, Europa e Ásia, segundo Ziska, além da Austrália e do sul da África e da América do Sul. E, se não houver reduções imediatas das emissões de gases do efeito estufa, o efeito provavelmente só irá se agravar. 

Um estudo de 2022, por exemplo, estimou que, até o final do século, as temporadas de pólen irão começar até 40 dias antes e terminar até 15 dias depois do período atual. Isso potencialmente indica que haverá dois meses a mais de sintomas por ano, entre as pessoas que sofrem da febre do feno. 

Mas não é apenas o tempo de exposição das pessoas aos alérgenos que está aumentando. A quantidade de alérgenos no ar também está crescendo em muitas partes do planeta. 

Nos anos 2000, a temporada do pólen na área continental dos Estados Unidos começou três dias antes do verificado na década de 1990. E a quantidade de pólen no ar também foi 46% maior. 

Isso ocorreu, em parte, porque os níveis de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera estão aumentando, devido às emissões causadas pelas atividades humanas. E muitas das plantas que causam maior prejuízo para as pessoas que sofrem da febre do feno se multiplicam na presença de CO₂. 

Em um estudo, pesquisadores cultivaram um certo tipo de grama sob diferentes concentrações de CO₂. 

Eles concluíram que as flores de plantas cultivadas em atmosfera contendo 800 partes por milhão (ppm) de CO₂ produziram cerca de 50% mais pólen do que aquelas cultivadas em ar contendo 400 ppm (o nível atual de CO₂ na atmosfera da Terra). 

De forma similar, outros cientistas também testaram o cultivo de diferentes tipos de carvalho, cujo pólen costuma causar febre do feno em países como a Coreia do Sul. 

Em um cenário de 720 ppm de CO₂, eles concluíram que cada carvalho apresenta contagem média de pólen 13 vezes maior do que as árvores expostas a 400 ppm. E, mesmo a 560 ppm, a produção de pólen foi 3,5 vezes maior do que os níveis atuais. 

Espécies invasoras 

Ziska é o autor do livro Greenhouse Planet ("Planeta estufa", em tradução livre), publicado em 2022. Ele realizou experimentos similares com a ambrósia e seus resultados confirmam os de outros pesquisadores. 

"Sempre que aumentamos o dióxido de carbono, a ambrósia reage", ele conta. "Ela cresce mais. Ela produz mais pólen." 

"E houve algumas evidências de que ela produz uma forma mais alergênica do pólen, que pode induzir nosso sistema imunológico a reagir ainda mais que no passado", segundo Ziska. 

A difusão de espécies invasoras em outras partes do mundo também aciona reações alérgicas em outras populações humanas. A ambrósia, por exemplo, é originária da América do Norte, mas ela se espalhou pela Europa, Austrália, Ásia e América do Sul. 

Atualmente, cerca de 60% das pessoas da Hungria, 20% da Dinamarca e 15% da Holanda já manifestam sensibilidade ao pólen deste prolífico grupo de plantas. 

Isso é especialmente preocupante porque se estima que, até 2050, a concentração de pólen de ambrósia no ar seja cerca de quatro vezes maior do que a atual. 

Até mesmo em partes da Europa onde o pólen de ambrósia é virtualmente ausente hoje em dia, como o sul do Reino Unido e a Alemanha, "os níveis de pólen passam a ser substanciais", em cenários climáticos moderados ou mais altos, segundo os pesquisadores no estudo de 2015. 

Os cientistas indicam que cerca de um terço do aumento se deve à contínua expansão das espécies invasoras. Os dois terços restantes são especificamente causados pelas mudanças climáticas, incluindo a extensão da temporada de crescimento, com o aumento das temperaturas. 

"Será, portanto, uma temporada mais longa, que começa mais cedo e mais intensa para quem sofre de sintomas alérgicos", explica Fuertes, "e, com isso, aumenta o risco de nova sensibilização para populações anteriormente não expostas." 

Nem todas as regiões do mundo observarão aumento da produção de pólen. 

Alguns pesquisadores concluíram, por exemplo, que o sul da Califórnia irá enfrentar temporadas de pólen que começarão mais cedo, mas serão menos produtivas. O motivo, em grande parte, é a redução das chuvas. 

Mas estas previsões não consideram todos os possíveis efeitos das mudanças climáticas sobre os alérgenos suspensos no ar. 

Pode também haver, por exemplo, consequências à saúde devido à maior probabilidade de incêndios florestais, o que aumenta o risco dos sintomas de asma e alergia. 

Em termos relativos, Fuertes indica que a quantidade de pólen suspensa no ar ainda irá variar de um ano para outro. Mas isso pode não auxiliar muito as pessoas que sofrem da febre do feno. 

"Quando você tem sensibilidade e desenvolve sintomas alérgicos, provavelmente irá apresentar sintomas nos anos em que os níveis de pólen estejam abaixo da média", explica ela. "Você irá reagir ao pólen que está à sua volta." 

O que as pessoas podem fazer a respeito?

Reduzir as emissões de carbono ajudaria a evitar alguns dos impactos climáticos mais sérios e outras estratégias também poderão reduzir o problema. E talvez também seja possível fazer intervenções diretas mais drásticas. 

Um século atrás, algumas cidades americanas chegaram a formar comitês para combater a ambrósia. "Chicago emprega 1.350 pessoas no combate à febre do feno", anuncia uma manchete de 1932. 

A reportagem explica que os homens, antes desempregados devido à Grande Depressão, recebiam o equivalente a uma semana de alimentação e moradia (e "25 centavos em dinheiro") por dia passado cortando a planta. 

A medida pode parecer curiosa, mas fez diferença. Um estudo de 1956 sobre a Operação Ambrósia na cidade de Nova York estimou que o corte das plantas pela multidão reduziu a produção de pólen em cerca de 50%. 

Atualmente, podemos encontrar ações coordenadas em andamento na Europa. 

Em Berlim, na Alemanha, trabalhadores foram destacados para encontrar e eliminar a ambrósia em toda a cidade. Já a Suíça proibiu a importação ou venda da planta em 2024 e formou grupos de voluntários para patrulhar os parques públicos para arrancá-la. 

Outras soluções exigem design urbano mais inteligente. 

"Precisamos definitivamente tornar nossas cidades verdes", afirma Elaine Fuertes. "Mas precisamos fazer isso criteriosamente." 

O plantio de espécies exóticas, por exemplo, pode causar novas alergias. 

O chamado "sexismo botânico" – a escolha de árvores machos produtoras de pólen em algumas espécies, em vez das fêmeas produtoras de frutos e sementes, de manejo complicado – também pode aumentar os níveis de pólen em áreas urbanas. Mas estudos demonstraram que o efeito deste viés é relativamente pequeno em grandes cidades, como Nova York. 

Também é importante monitorar e prever os níveis de pólen, segundo os cientistas. 

"Precisamos saber o que estamos respirando", explica Paul Beggs. "É algo bastante fundamental em termos da nossa saúde." 

Ele destaca que a maioria das pessoas sabe que pode conseguir informações válidas, confiáveis e em tempo real sobre índices como a temperatura ou os níveis de chuva na sua região. Mas relativamente poucos podem dizer o mesmo sobre os alérgenos suspensos no ar. 

Mas mesmo os serviços que apresentam modelos de contagem de pólen de forma abrangente e detalhada, como o Instituto Meteorológico Finlandês, não monitoram nem elaboram modelos dos níveis de alérgenos suspensos no ar com mais precisão. Afinal, cada grão de pólen pode liberar diferentes quantidades de alérgenos, que podem variar de acordo com as condições meteorológicas. 

Fuertes destaca que esta é uma medição diferente, mais relacionada aos sintomas alérgicos. 

"Ninguém mede os níveis de alérgenos regularmente", afirma ela. "Nós deveríamos estar desenvolvendo isso." 

De forma geral, os especialistas afirmam que a ciência é clara. Sem ações concretas e coordenadas, as mudanças climáticas continuarão a agravar a febre do feno em muitas regiões do planeta. 

Isso poderá incluir eventos mortais mais dramáticos, como a asma de tempestade. Mas também pode significar mais pessoas fungando e sofrendo, por mais tempo, todos os anos. 

"Temos, agora, os estudos que demonstram os impactos sobre a saúde humana", afirma Beggs. "E ainda há mais vindo por aí."



Por: Amanda Ruggeri. Fonte: BBC Future.

Menos de 10% do Plástico no Mundo é Reciclado, revela estudo


Produção ainda é dominada pelo uso de combustíveis fósseis. Até 2050, produção global de plásticos deverá dobrar e chegar a 800 milhões de toneladas por ano. Pesquisadores alertam para desafio ambiental e climático. 

Apenas 9,5% do plástico mundial é produzido a partir de material reciclado, estimou um novo estudo divulgado no dia 10 de abril. O restante é quase totalmente produzido a partir da extração de combustíveis fósseis, predominantemente petróleo e gás. 

Os pesquisadores da Universidade de Tsinghua, na China, alertam que a reciclagem insuficiente impõe desafios ambientais e climáticos cada vez maiores, uma vez que a produção de plástico continua a crescer. 

O estudo se baseia em dados de 2022, quando foram produzidos 400 milhões de toneladas de plástico, em comparação a dois milhões em 1950. A previsão é que o volume chegue a 800 milhões de toneladas em 2050. 

"A taxa de reciclagem global permaneceu estagnada, refletindo pouca melhora em relação aos anos anteriores”, escreveram os autores na revista Communications Earth & Environment, do grupo Nature. "A alta dependência de matérias-primas de combustíveis fósseis para a produção de plásticos comprometerá ainda mais os esforços globais para mitigar as mudanças climáticas.” 

Para alcançar estas conclusões, os estudiosos usaram estatísticas nacionais, relatórios da indústria e bases de dados internacionais, a fim de criar a primeira análise global detalhada do setor de plásticos, incluindo as fases de produção, uso e descarte. 

Problemas da produção ao consumo

Os obstáculos técnicos que ainda dificultam a reciclagem incluem a contaminação do plástico por comida e embalagens e a presença de aditivos complexos e diversos ao material. 

Entretanto, outro impeditivo é puramente econômico: é muitas vezes mais barato produzir plástico novo ou "virgem” do que reciclar. 

"Essa barreira econômica desestimula o investimento em infraestrutura e tecnologia de reciclagem, perpetuando o ciclo de baixas taxas de reciclagem”, escreveram os autores. 

Os Estados Unidos, o maior consumidor de plástico per capita, tem uma das menores taxas de reciclagem, com apenas 5% de reutilização. Um americano consome, em média, 216 quilos de plástico ao ano. Já a China foi o país com o maior consumo absoluto, de 80 milhões de toneladas ao ano. 

Cada vez mais incineração 

Os pesquisadores do estudo chinês também observaram uma "mudança significativa” no descarte global de resíduos, com declínio do uso de aterros sanitários e o aumento da incineração. 

Cerca de um terço dos resíduos plásticos foram incinerados em 2022, com a China, o Japão e a União Europeia tendo a maior taxa de incineração. Enquanto isso, 40% do plástico vai parar em aterros, que ainda são o maior destino do material, apesar de o índice ter caído em comparação aos 79% registrados entre 1950 e 2015. 

Em setembro de 2024, um estudo separado publicado na Nature por pesquisadores da Universidade de Leeds concluiu que a queima de plástico em lixões e fogueiras era um problema tão grande para o planeta quanto o acúmulo de lixo. 

A queima informal de plástico, principalmente em países mais pobres onde não existem alternativas, espalha o plástico no meio ambiente, piora a qualidade do ar e expõe os trabalhadores a produtos químicos tóxicos, argumentou a pesquisa. 

Negociações internacionais 

Para a Ethel Eljarrat, Diretora do Instituto de Diagnóstico Ambiental e Estudos da Água (IDAEA-CSIC) na Espanha, é urgente chegar a acordos internacionais para conter a poluição plástica com medidas variadas. Dentre elas, estão incluídas a imposição de um teto para a produção global de plástico virgem, a promoção de ajuda para a implementação de bioplásticos, a regulamentação ou a proibição do uso de aditivos tóxicos e melhorias nos sistemas de reciclagem mecânica e química. 

"Materiais alternativos mais biodegradáveis não estão encontrando seu lugar no mercado, talvez devido às barreiras econômicas e tecnológicas para seu uso em larga escala. Também não conseguimos eliminar a presença de aditivos tóxicos nos plásticos, e a capacidade de reciclagem de material plástico ainda é insuficiente”, disse a especialista. 

As descobertas dos pesquisadores da China vêm num momento em que os países se preparam para mais uma vez negociar um tratado sobre a poluição por plástico. A última rodada falhou em chegar a um acordo, e as conversas deverão ser retomadas em Genebra em agosto.



Fonte(s): DW / AFP / RFI

A Computação Quântica Pode Mudar A Ciência Para Sempre (se funcionar!)


Big techs acreditam que a computação quântica vai turbinar a IA. Mas antes, precisam resolver seu maior problema: escalar qubits. 

A inteligência artificial já transformou a forma como empresas processam dados e tomam decisões. Mas os maiores nomes do Vale do Silício estão de olho no que pode ser o próximo grande avanço tecnológico: a computação quântica, celebrada no dia 14/04.

A data do Dia da Computação Quântica foi escolhida em referência a um dos pilares da física quântica, a constante de Planck – aproximadamente 4,14 x 10⁻¹⁵ eV·s (lembrando que, na grafia de datas em inglês, o mês vem antes do dia, por isso 4/14). 

Diferente da IA, que acelera processos existentes, a computação quântica promete desbloquear capacidades totalmente novas – desde simulações de moléculas para a descoberta de medicamentos até a resolução de problemas que estão muito além do alcance dos supercomputadores mais rápidos de hoje. Segundo a consultoria McKinsey, o setor deve atingir US$ 2 trilhões até 2035. 

Gigantes da tecnologia como Microsoft, Amazon, Google e Nvidia estão desenvolvendo suas próprias tecnologias quânticas, explorando como integrá-las a modelos de IA para criar uma infraestrutura pronta para o futuro. Mas há um grande obstáculo: escalar os qubits. 

Qubits – as unidades fundamentais de dados quânticos – precisam ser escalados para milhares para que a computação quântica ultrapasse as capacidades da IA. Diferente dos bits clássicos, que existem como 0 ou 1, os qubits podem existir em múltiplos estados simultaneamente, permitindo um processamento exponencialmente mais rápido de cálculos complexos. 

Para enfrentar esse desafio, a Atom Computing, sediada na Califórnia, está trabalhando com a Microsoft. Em setembro de 2024, a Microsoft anunciou uma colaboração com a Atom para construir a máquina quântica mais poderosa do mundo, oferecendo um sistema comercial escalável disponível para encomenda. 

Em novembro de 2024, as empresas haviam entrelaçado 24 qubits lógicos e executado com sucesso um algoritmo quântico com 28 qubits lógicos. Em 2025, o sistema da Atom baseado em átomos neutros conta com 1.180 qubits. Mas será que a tecnologia já está pronta para casos de uso complexos no mundo real? 

“Não existe um número único e concreto de qubits lógicos com métricas de desempenho associadas que, de repente, desbloqueiem todas as aplicações possíveis”, diz Remy Notermans, diretor de planejamento estratégico da Atom Computing. 

“Com cerca de 100 qubits lógicos já é possível explorar certas aplicações científicas que vão muito além das capacidades da computação clássica. Aplicações economicamente viáveis devem se tornar acessíveis com cerca de mil qubits lógicos.” 

Os sistemas da Atom Computing utilizam átomos neutros presos como qubits – uma abordagem proprietária que permite controle preciso. Diferente dos átomos ionizados, os átomos neutros mantêm todos os seus elétrons. 

A empresa também utiliza resfriamento a laser e pinças ópticas para prender e manipular átomos individualmente. Outras empresas de computação quântica – como D-Wave, Phasecraft, Zapata Computing e Algorithmiq – também estão desenvolvendo infraestrutura e algoritmos para otimizar o hardware quântico atual. 

Investidores apostam na integração da computação espacial com IA 

Além do desafio de escalar qubits, a computação quântica exige quantidades imensas de capital. “Tecnologia quântica prática não deve ser avaliada com as mesmas expectativas de cronograma da indústria de software”, afirma Justin Ging, diretor de produtos da Atom Computing. 

Embora a computação quântica ainda esteja evoluindo rumo à viabilidade comercial, as grandes empresas de tecnologia estão apostando no seu potencial para melhorar o desempenho dos modelos de IA. Esses modelos exigem quantidades massivas de energia, mas a integração com a computação quântica pode aumentar a eficiência e ampliar as capacidades de raciocínio. 

Um avanço notável no setor de IA quântica é o chip Willow, do Google, que resolveu um problema de amostragem aleatória de circuitos em apenas cinco minutos – uma tarefa que, segundo a própria empresa, levaria 10 septilhões de anos para ser completada pelo supercomputador mais rápido do mundo. 

“Os modelos de IA atuais são treinados com conjuntos massivos de dados, baseados principalmente na experiência humana”, explica Notermans. “Se um modelo de IA for usado sozinho para responder uma pergunta relacionada à descoberta de medicamentos, haverá uma incerteza significativa quanto à confiabilidade dessa resposta.” 

Ele afirma que computadores quânticos podem ser usados em conjunto com a IA para gerar dados baseados em física quântica, enriquecendo os conjuntos de dados de treinamento e tornando o desempenho geral dos modelos de IA mais preciso. 

Se uma nova e poderosa forma de computação vai surgir da combinação entre os paradigmas clássico e quântico para transformar a IA, é algo que só o tempo dirá.



Por: Victor Dey. Fonte: Fast Company Brasil.

K2-18b: O Que Se Sabe Sobre Descoberta Além da Terra?


Foram detectadas na atmosfera desse planeta impressões químicas de gases que, na Terra, são produzidos apenas por processos biológicos. 

Com a ajuda do telescópio espacial James Webb, cientistas anunciaram uma descoberta que pode revolucionar a busca pela vida fora da Terra: foram detectados, na atmosfera de outro planeta, gases que, no nosso planeta, só são produzidos por processos biológicos. 

Segundo os pesquisadores, esses são sinais mais fortes até agora de possível vida além do nosso sistema solar. 

Confira abaixo perguntas e respostas com o resumo sobre o que se sabe até agora sobre a descoberta: 

1. O que os pesquisadores anunciaram objetivamente? 

Os cientistas que conduziram a pesquisa anunciaram que foram detectadas na atmosfera de um planeta alienígena as impressões químicas de gases que, na Terra, são produzidos apenas por processos biológicos. 

Os dois gases — dimetil sulfeto (DMS) e dissulfeto de dimetila (DMDS) — observados no planeta chamado K2-18b, são gerados na Terra por organismos vivos, principalmente por vida microbiana como o fitoplâncton marinho (algas). 

2. Quem conduziu a pesquisa e onde foi publicada? 

A pesquisa foi conduzida por uma equipe de cientistas da Universidade de Cambridge, nos Estados Unidos. O estudo tem como principal autor o astrônomo da universidade, Nikku Madhusudhan. 

Os resultados foram publicados na revista científica Astrophysical Journal

3. A descoberta é uma prova de vida alienígena? 

Ainda não. De acordo com os cientistas, a descoberta sugere que o planeta pode estar repleto de vida microbiana, segundo os pesquisadores. 

No entanto, eles enfatizaram que não estão anunciando a descoberta de organismos vivos, mas sim de uma possível bioassinatura — um indicativo de processo biológico — e que os achados devem ser vistos com cautela. 

Ainda assim, eles demonstram entusiasmo. “Esses são os primeiros indícios de um mundo alienígena possivelmente habitado”, disse o astrofísico Nikku Madhusudhan. 

Segundo os pesquisadores, nesse planeta, caso exista, é de se esperar vida microbiana, possivelmente semelhante à encontrada nos oceanos da Terra. Os oceanos desses planetas seriam mais quentes. 

Quanto à possibilidade de organismos multicelulares ou vida inteligente, Madhusudhan é cauteloso: “Não podemos responder essa pergunta neste estágio. A suposição básica é de vida microbiana simples.” 

4. Já é uma prova definitiva ou mais observações são necessárias? 

Apesar de verem a descoberta com muito otimismo e entusiasmo, os cientistas admitem que ainda são necessários mais estudos e observações. 

“Primeiro, precisamos repetir as observações duas ou três vezes para garantir que o sinal é real e aumentar a significância da detecção, até que a probabilidade de erro estatístico seja menor que uma em um milhão”, disse Madhusudhan. 

Ele ainda afirmou que é preciso realizar mais estudos teóricos e experimentais para garantir se não há um mecanismo abiótico (sem envolver vida) que possa produzir DMS ou DMDS em uma atmosfera como a do K2-18b. 

5. Quais os anúncios anteriores mais relevantes? 

Desde os anos 1990, cerca de 5.800 exoplanetas (planetas fora do nosso sistema solar) foram descobertos. Cientistas têm criado hipóteses sobre a existência dos chamados mundos hycean — cobertos por oceanos de água líquida habitáveis por microrganismos, com atmosfera rica em hidrogênio. 

Observações anteriores do Webb, que foi lançado em 2021 e entrou em operação em 2022, já haviam identificado metano e dióxido de carbono na atmosfera de K2-18b — a primeira vez que moléculas baseadas em carbono foram detectadas na atmosfera de um exoplaneta na zona habitável de uma estrela. 

6. Os seres humanos vão poder habitar esse planeta? 

É impossível afirmar isso ainda. Ainda que a descoberta seja um avanço na busca por vida em outros planetas e seja extremamente relevante, é cedo para concluir quais serão os próximos passos dessa descoberta. 

É uma pista. Mas ainda não podemos concluir que seja habitável", afirmou o cientista planetário da Universidade Johns Hopkins, Stephen Schmidt, ao jornal The New York Times. 

Isso porque primeiro é preciso descobrir se realmente há vida nesse planeta para, só então, entender as condições que permitem que esses organismos sobrevivam. 

7. Quais as características desse planeta que pode abrigar vida? 

K2-18b é 8,6 vezes mais massivo que a Terra e tem um diâmetro cerca de 2,6 vezes maior. Ele orbita na “zona habitável” — uma distância de sua estrela onde a água líquida pode existir na superfície — de uma anã vermelha menor e menos luminosa que o Sol, localizada a cerca de 124 anos-luz da Terra, na constelação de Leão. 

Ele pertence à classe de planetas “sub-Netuno”, com diâmetro maior que o da Terra, mas menor que o de Netuno (o menor gigante gasoso do nosso sistema solar). 

Um “mundo hycean”
 

“O único cenário que atualmente explica todos os dados obtidos até agora pelo JWST, incluindo as observações passadas e atuais, é aquele onde K2-18b é um mundo hycean repleto de vida”, disse Madhusudhan. “No entanto, precisamos estar abertos e continuar explorando outros cenários.” 

Segundo ele, nesses mundos, caso existam, é de se esperar vida microbiana, possivelmente semelhante à encontrada nos oceanos da Terra. Os oceanos desses planetas seriam mais quentes. Quanto à possibilidade de organismos multicelulares ou vida inteligente, Madhusudhan foi cauteloso: “Não podemos responder essa pergunta neste estágio. A suposição básica é de vida microbiana simples.” 

Os gases DMS e DMDS, pertencentes à mesma família química, têm sido apontados como importantes bioassinaturas em exoplanetas. O telescópio detectou a presença de um ou outro (ou ambos) na atmosfera do planeta com 99,7% de confiança estatística, o que ainda deixa uma chance de 0,3% de ser um erro ou ruído estatístico. 

Eles foram detectados em concentrações atmosféricas superiores a 10 partes por milhão em volume. 

“Para comparação, isso é milhares de vezes maior do que suas concentrações na atmosfera da Terra, e não pode ser explicado sem atividade biológica, segundo o conhecimento atual”, afirmou Madhusudhan. 

Cientistas que não participaram do estudo recomendaram cautela. 

“Os dados de K2-18b são riquíssimos, tornando-o um mundo fascinante”, disse Christopher Glein, cientista do Southwest Research Institute, no Texas. “Esses novos dados são uma contribuição valiosa, mas devemos testá-los o máximo possível. Espero ver mais análises independentes já na próxima semana.” 

Método de trânsito 

K2-18b pertence à classe de planetas “sub-Netuno”, com diâmetro maior do que o da Terra, mas menor do que o de Netuno (o menor gigante gasoso do nosso sistema solar). 

Para determinar a composição química da atmosfera de um exoplaneta, os astrônomos analisam a luz de sua estrela enquanto o planeta passa na frente dela do ponto de vista da Terra — isso é chamado de método de trânsito. Durante esse trânsito, parte da luz da estrela atravessa a atmosfera do planeta e, ao ser captada pelo telescópio, permite determinar os gases presentes. 

As observações anteriores do Webb já haviam sugerido a presença de DMS. As novas observações usaram um instrumento diferente e outra faixa de luz para confirmação. 

“O Santo Graal da ciência de exoplanetas”, disse Madhusudhan, “é encontrar evidências de vida em um planeta parecido com a Terra, fora do nosso sistema solar.” 

Madhusudhan disse que a humanidade se pergunta há milênios se estamos sozinhos no universo, e que agora talvez estejamos a apenas alguns anos de descobrir possível vida alienígena em um mundo hycean

Mas ele ainda pediu prudência: 

“Primeiro, precisamos repetir as observações duas ou três vezes para garantir que o sinal é real e aumentar a significância da detecção, até que a probabilidade de erro estatístico seja menor que uma em um milhão”, disse. 

“Segundo, precisamos de mais estudos teóricos e experimentais para garantir se não há um mecanismo abiótico (sem envolver vida) que possa produzir DMS ou DMDS em uma atmosfera como a de K2-18b.” 

Apesar de estudos anteriores já considerarem esses gases como bioassinaturas confiáveis, inclusive nesse planeta, Madhusudhan conclui: 

“É um grande 'se' os dados estarem mesmo apontando para vida. E não interessa a ninguém afirmar prematuramente que detectamos vida.”



Por: Júlia Carvalho. Fonte: G1.

Mortes Por Poluição do Ar Expõem Desafios da Indústria no Brasil


Concentração industrial aumenta mortalidade, reforçando a urgência de mais monitoramento e ações para reduzir emissões.

Os municípios brasileiros com algumas das maiores taxas de mortalidade relacionadas à poluição do ar estão em regiões de intensa atividade industrial. É o que mostra um levantamento do Dialogue.Earth com base em dados do Painel Vigiar, plataforma lançada em 2024 pelo governo federal para monitorar a poluição e seus impactos no país. 

Diversas cidades com forte atividade industrial no estado de São Paulo, o mais desenvolvido do país, figuram no topo do ranking. Por exemplo, São Caetano do Sul, no polo industrial do ABC Paulista, registrou 320 mortes atribuídas à poluição do ar para cada 100 mil habitantes entre 2021 e 2023 — a média brasileira no período foi de 83 por 100 mil habitantes. Outros destaques incluem Osasco, Guarulhos e a capital São Paulo, que também figuram entre as cidades mais poluídas do país, segundo a plataforma World Air Quality

No Brasil, os maiores emissores de gases do efeito estufa são as atividades agropecuárias e as mudanças no uso da terra, que incluem os incêndios florestais relacionados ao desmatamento da Amazônia — ambos representando quase 80% das emissões domésticas. Porém, os dados do Painel Vigiar destacam o maior impacto da poluição causada pelas indústrias na saúde humana. Outros fatores, como as emissões dos transportes, também podem influenciar os resultados. 

“Diria que os dois tipos de poluição [de queimadas e indústrias] são ruins, mas a poluição industrializada e de transporte têm efeito de longo prazo, é contínua”, disse Ethel Maciel, secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente no Ministério da Saúde, responsável pelo lançamento do painel. 

Indústria pesada está associada a taxas elevadas de mortalidade por poluição do ar 

Os 10 municípios brasileiros com as maiores taxas de mortalidade atribuíveis à poluição do ar entre 2021-2023, estimadas a cada 100 mil habitantes. 
Cidades com alta atividade industrial estão em vermelho [clique no gráfico para ampliar].

Nota: as cidades com alta atividade industrial foram identificadas com base em dados oficiais sobre a participação da indústria no valor agregado bruto do município, bem como na classificação dos cem municípios com maior valor agregado bruto na indústria. Fonte de dados: Painel Vigiar, IBGE • Gráfico: Dialogue Earth. 

O Painel Vigiar contabiliza mortes associadas à poluição atmosférica, incluindo casos de câncer de pulmão, doenças pulmonares que afetam os sistemas circulatório e respiratório, além de infecções nas vias aéreas inferiores. Entre outros fatores, essas condições estão relacionadas à exposição ao material particulado fino (MP2.5), liberado por veículos, processos industriais, incêndios florestais e outras atividades humanas. 

Até o ano passado, o Brasil não contava com uma política para enfrentar o problema. Após 35 anos de debates, o país finalmente instituiu em maio a Política Nacional da Qualidade do Ar, que inclui iniciativas como o lançamento do painel. 

“O monitoramento permite a criação de políticas públicas”, afirmou Maciel, destacando como exemplo a cidade de Paris, que adota medidas como a restrição da circulação de veículos quando os níveis de poluição atingem valores críticos. “Tudo isso [deve ser] debatido com a sociedade e implementado por meio de leis”, acrescentou. 

Mortes por poluição e o desafio da descarbonização 

Um estudo publicado no periódico Lancet mostrou que a poluição atmosférica provocou 6,7 milhões de mortes no mundo em 2019. 

Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e especialista em poluição atmosférica, explica que a exposição prolongada à poluição pode causar danos severos à saúde. Segundo ele, a fuligem acumulada no organismo atua como uma “tatuagem pulmonar”, espalhando-se pelos tecidos e desencadeando uma inflamação crônica. “Isso faz nosso tempo biológico correr mais depressa”, disse. 

Mesmo com os avanços do setor industrial para reduzir suas emissões, a contaminação ainda é grande. Indústrias de cimento, aço, vidro, química, alumínio, papel e celulose encontram mais dificuldades, pois dependem de altas temperaturas em seus processos, exigindo maior consumo de energia e gerando mais emissões. 

“Tem setores que já investiram bastante em descarbonização, como, por exemplo, o do cimento; e outros ainda precisam evoluir”, disse Davi Bomtempo, superintendente de meio ambiente e sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI). 

Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicado em 2017, revelou que a poluição do ar ultrapassa os limites da legislação brasileira em Volta Redonda, cidade que sedia a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a maior do setor no país. Os índices foram estabelecidos em 1990 pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), responsável pela normatização da política ambiental no Brasil. 

Autora do estudo, a engenheira ambiental Náthaly Tonon afirmou que, sete anos após sua publicação, não houve avanços significativos em Volta Redonda: “É visível um recrudescimento nas questões da qualidade do ar, visto que a poluição agora tem alcançado bairros mais afastados”. 

De acordo com Tonon, a CSN tinha até setembro de 2024 para atender ao termo de ajustamento de conduta que exigia a modernização de seus equipamentos para reduzir a emissão de poluentes. No entanto, as medidas foram cumpridas apenas parcialmente, levando o governo estadual a estender o prazo para 2026. 

Tonon ressalta que os poluentes industriais causam tantos impactos à saúde quanto ao meio ambiente. As condições de saúde vão desde as monitoradas pelo Painel Vigiar como asma, bronquite crônica, enfisema pulmonar e outras. Na área ambiental, a poluição do ar está associada à chuva ácida, danos à biodiversidade e intensificação das mudanças climáticas. 

“A poluição cria ilhas urbanas de calor, além de afetar a circulação do vento e os padrões de precipitação local”, explicou a engenheira ambiental. 

Eficiência reduz poluição 

Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base, comenta que, para reduzir a poluição do ar provocada pelas indústrias, é fundamental aumentar a eficiência do setor — o que vem ocorrendo a partir de inovação digital e inteligência artificial. Porém, isso pode trazer um efeito colateral: maior demanda de eletricidade. 

“Quanto mais você aumenta a capacidade de automação e eficiência da sua indústria, maior o consumo de energia pelos servidores”, explica Tadini. 

Ele explicou que é possível melhorar a eficiência de uma siderúrgica com a adoção de novos fornos ou a modernização da estrutura de laminação, por exemplo. No entanto, essas mudanças demandam mais energia das centrais de processamento de dados. 

Impulsionado pelos setores de inteligência artificial e criptomoedas, a demanda de energia das centrais de dados pode dobrar até 2026, segundo um relatório da Agência Internacional de Energia do ano passado. 

Bomtempo, da CNI, ressalta que, para atender a esse aumento de demanda por eletricidade, o Brasil precisa planejar a expansão de sua capacidade instalada, evitando o uso de usinas térmicas que dependem de fontes fósseis para gerar energia. 

A maioria dos servidores de dados está localizada nos Estados Unidos e na Europa. Isso significa que, para as indústrias brasileiras se tornarem mais verdes, elas também precisam considerar o consumo de energia desses servidores internacionais, que geralmente é fornecida por fontes fósseis

Logística industrial também polui 

A logística tanto no entorno de parques industriais quanto do transporte de cargas traz outros desafios ao setor. Um relatório com dados de 2019 do Fórum Econômico Mundial aponta que o Brasil ocupa o 85º lugar no ranking de qualidade da infraestrutura de transportes, entre 141 países. Essa posição reflete as dificuldades na modernização dos modais logísticos, comprometendo os esforços para reduzir a pegada de carbono. 

Cerca de 65% do transporte de cargas no Brasil é realizado por rodovias, e a maioria dos caminhões é abastecida por combustíveis fósseis. 

O governo brasileiro tenta diminuir as emissões dos transportes a partir da Lei do Combustível do Futuro, que entrou em vigor em outubro de 2024. Ela visa aumentar para 20% o índice de biodiesel — derivado de óleos vegetais — no diesel até 2030; esta mistura obrigatória está fixada em 15% para 2025. Enquanto isso, o Brasil enfrenta dificuldades na expansão da malha ferroviária, predominantemente utilizada para o transporte de minério de ferro.

O especialista João Victor Marques, do centro de pesquisa FGV Energia, considera que a lei é um passo importante para diminuir as emissões do país: “Há tempos não tínhamos uma política tão ambiciosa para o mercado de biocombustíveis. Sem dúvidas há melhorias na inserção de novas alternativas verdes. No geral, vejo que é uma política positiva para reduzir as emissões na matriz de transporte brasileiro”. 

Em 1989, o Conama instituiu um programa voltado ao controle da qualidade do ar no Brasil. O plano previa a criação de uma rede de monitoramento da poluição do ar, com equipamentos para medições, além de estratégias para enfrentar episódios críticos. Mas o monitoramento ainda não abrange todo o território nacional. O estado do Rio de Janeiro tem mais de 120 estações, seguido por São Paulo, com quase 80 pontos. No entanto, na região Norte, que abriga o bioma amazônico, não há nenhuma estação. 

“No Norte do Brasil e em alguns outros estados, não há monitoramento oficial; só o monitoramento que a gente chama de baixo custo”, disse Helen Sousa, pesquisadora do Instituto Energia e Meio Ambiente. 

Outro grande problema é que a qualidade do ar não é devidamente avaliada durante o processo de licenciamento de novas indústrias. “Muitas vezes, não se leva em consideração que a área já pode estar saturada com altas concentrações de poluentes”, disse Sousa. 

As emissões e os planos de descarbonização do Brasil provavelmente atrairão a atenção global este ano, com o país definido para sediar a cúpula climática COP30 em Belém do Pará. O Brasil foi um dos primeiros a submeter suas metas climáticas, as NDCs, como parte do Acordo de Paris – embora tenha recebido críticas de ambientalistas pelo baixo nível de ambição e pelos planos do país de aumentar a produção de petróleo e gás.



Por: Thiago Lima. Fonte: Dialogue.Earth.

Coleta de Neblina: Água do Ar no Combate à Seca

A coleta de neblina tem enorme potencial no mundo todo, especialmente nas áreas costeiras.

A neblina é uma fonte barata e abundante de água doce, especialmente em regiões remotas e áridas. Mas ela também oferece um grande potencial para as cidades. Como funciona sua coleta e onde ela já está sendo aplicada? 

Às margens do deserto do Saara, em Aït Baamrane, no Marrocos, chove muito pouco — pouco para quem vive lá. Mas durante seis meses paira sobre a região montanhosa uma espessa neblina vinda do Atlântico. E agora chegou a hora de sua "colheita": as minúsculas gotículas de água do ar são coletadas usando redes com uma área total de 1,7 mil metros quadrados. É a maior instalação de coleta de neblina do mundo. 

O funcionamento é simples: o vapor de água presente no ar é empurrado pelo vento através de redes verticais, onde se condensa em pequenas gotas de água. Essas gotas escorrem então pela rede e a água é coletada em grandes recipientes. Dessa forma, as redes conseguem coletar cerca de 35 mil litros de água por dia. Isso basta para cobrir as necessidades de mais de mil pessoas, além de servir para irrigar plantações. 


Captura de gotas do ar: condensada nas redes, a água é coletada e depois redistribuída. 

A coleta de neblina é uma prática observada não apenas nas montanhas do Marrocos, mas também em Gana, na Eritreia, na Etiópia, no Chile, no estado americano da Califórnia e na África do Sul. Seu potencial global é enorme. Locais propícios podem ser encontrados em quase todos os lugares, especialmente em regiões litorâneas. 

A depender da localização, uma rede de neblina de 40 metros quadrados é capaz de fornecer cerca de 200 litros de água por dia, ao custo de aproximadamente US$ 1.500 (cerca de R$ 8,5 mil). 

Novo estudo vê potencial também em cidades 

Até agora, a coleta de neblina tem sido empregada sobretudo como uma solução para áreas rurais remotas, onde se tem pouco acesso à rede elétrica ou à infraestrutura pública. 

No entanto, um estudo publicado recentemente na revista científica Frontiers in Environmental Science mostra que as cidades também podem se beneficiar da tecnologia. 

Com menos de um milímetro de chuva por ano, o Deserto do Atacama, no norte do Chile, é uma das regiões mais secas do mundo. A fonte de água mais importante para as cidades da região é atualmente a água subterrânea profunda, que se encheu pela última vez de 17 mil a 10 mil anos atrás. Tais antigos abastecimentos de água não são inesgotáveis e demoram muito tempo para serem reabastecidos. É por isso que é importante usar outras fontes de água – como a extração da água do ar. 

A cidade de Alto Hospicio está localizada na orla do deserto. Muitos dos cerca de 10 mil habitantes vivem na pobreza e não estão conectados à rede pública de água, com o abastecimento sendo feito através de caminhões. Para saber se a coleta de neblina poderia ajudar a combater a escassez de água na cidade, os pesquisadores montaram redes coletoras de umidade tanto na área urbana quanto nas colinas ao redor. 

Eles constataram então que, com a ajuda de coletores de névoa, foi possível coletar até 10 litros de água por metro quadrado em apenas alguns dias — o suficiente para atender a demanda de água para consumo, irrigação e agricultura. 


Coletores de neblina já são utilizados no mundo todo, inclusive em Cabo Verde: esta comunidade na ilha Brava produz mais de 700 litros por dia.


Coleta de neblina para abastecer favelas 

Segundo os pesquisadores, seria possível coletar em média 2,5 litros de água por dia e por metro quadrado. Ou seja, uma rede de 17 mil metros quadrados – o tamanho de cerca de dois campos e meio de futebol – atenderia toda a demanda de água das favelas de Alto Hospicio. 

Já uma rede de 110 metros quadrados seria suficiente para irrigar todas as áreas verdes da cidade durante todo o ano. 

A água obtida dessa forma poderia ser transportada por meio de canos ou caminhões. Entretanto, como a neblina só fornece água durante alguns meses do ano, ainda há necessidade de outras fontes no verão.



Por: Tim Shauenberg. Fonte: Deutsche Welle.

Bagaço de Cana Vira Embalagem Ecológica Para Equipamentos Eletrônicos


Promessa é de segurança sem comprometer o meio ambiente.

Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) desenvolveram uma nova embalagem antiestática e sustentável, feita a partir do bagaço da cana-de-açúcar e de negro de fumo, material produzido pela combustão incompleta de matéria vegetal, como carvão e alcatrão de carvão, ou produtos petrolíferos. 

O material promete aumentar a segurança e reduzir danos por descargas eletrostáticas de dispositivos eletrônicos sensíveis, como chips, semicondutores e outros componentes eletrônicos. Com alto valor, estes itens estão presentes em computadores, celulares, TVs e até automóveis. 

Chamado de criogel condutivo, o produto, além de garantir segurança, não compromete o meio ambiente. A ideia é a que o criogel condutivo substitua o produto plástico, altamente poluente. 

“Nosso objetivo é oferecer uma alternativa sustentável para a indústria de embalagens de produtos eletrônicos sensíveis, substituindo materiais plásticos por opções menos poluentes e de alto desempenho”, explica a coordenadora do estudo, Juliana Bernardes

A pesquisa do CNPEM que resultou no produto, publicada na revista Advanced Sustainable Systems, foi financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Além de Juliana, o estudo é assinado pelas pesquisadoras Gabriele Polezi, Elisa Ferreira, e pelo pesquisador Diego Nascimento, todos do Laboratório Nacional de Nanotecnologia do CNPEM. 

O produto não tem similares no mercado e já teve a patente depositada. O CNPEM buscará, por meio de Assessoria de Inovação, parcerias com empresas dispostas a investir na produção em escala industrial. 

Segundo a pesquisadora, o material tem estrutura leve e porosa, com alta resistência mecânica e propriedades que dificultam a propagação de chamas. 

“Sua capacidade de conduzir eletricidade pode ser ajustada conforme a necessidade: em baixas concentrações de negro de fumo (1% a 5%), dissipa cargas eletrostáticas lentamente; em concentrações mais altas (acima de 10%), torna-se um condutor eficiente e pode ser usado em aplicações mais avançadas para proteger equipamentos eletrônicos altamente sensíveis”. 

De acordo com os pesquisadores, os custos de produção ainda não foram precificados, mas o criogel condutivo traz uma série de vantagens ambientais e competitivas, como a maior resistência ao fogo, versatilidade e o uso de matérias-primas abundantes. 

“A celulose, por exemplo, pode ser obtida do bagaço de cana e outros resíduos agroindustriais, como palha de milho e cavacos de eucaliptos. O negro de fumo é usado na produção de pneus e na indústria - chineses e egípcios antigos já usavam o pó preto para pinturas de murais e impressão”.



Por: Flávia Albuquerque. Fonte: Agência Brasil.

Paixão de Cristo: Como Foi a Morte de Jesus, segundo a ciência


Religiosidade à parte, poucos duvidam que tenha vivido há 2 mil anos um homem chamado Jesus, em parte do que hoje é Israel. 

E que ele foi um judeu dissidente que acabou liderando um grupo de seguidores. Sua atuação acabou incomodando o Império Romano. E, às vésperas da Páscoa judaica, ele acabou condenado, torturado e morto por crucificação — uma prática de pena capital comum na época. 

Depois de sua morte, seguidores se encarregaram de espalhar seus ensinamentos. Terminava a história e começava o mito, a religião, a teologia. 

Essa transição ocorreu principalmente graças a um profícuo escritor da época, pioneiro da Igreja Cristã e autor de muitos textos que hoje estão na Bíblia: Paulo de Tarso (c. 5-67). Na década de 50 do primeiro século da nossa era, cerca de 20 anos depois da morte de Jesus, ele produziu sete cartas cujos textos sobreviveram ao tempo. 

"Nessas cartas reparamos que há uma mudança de enfoque. Paulo não mais trabalha com o Jesus histórico, ele trabalha com o Jesus da fé", explica o historiador André Leonardo Chevitarese, autor de, entre outros, Jesus de Nazaré: Uma Outra História, e professor do Programa de Pós-Graduação em História Comparada do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Diante disso, a primeira conclusão é que, desconsiderando a religiosidade decorrente da figura de Jesus, ele foi um condenado político. 

"Jesus histórico conheceu uma morte política. Religião e política são coisas muito unidas, principalmente quando estamos tratando de uma liderança popular", acrescenta Chevitarese. 

"Não há como separar as andanças [de Jesus] como algo só político ou só religioso. As fronteiras são muito fluidas. E isso acaba sendo chave para compreender o movimento de Jesus com Jesus [ainda vivo] e o movimento de Jesus sem Jesus [depois da morte dele, com as pregações dos primeiros seguidores]." 

Paixão e morte

A morte na cruz, cujo simbolismo acabou se confundindo com a própria religiosidade cristã, não era um acontecimento raro naquela época. 

"A crucificação era a pena de morte usada pelos romanos desde o ano 217 a.C. para escravos e todos aqueles que não eram cidadãos do Império", explica o cientista político, historiador especializado em Oriente Médio e escritor italiano Gerardo Ferrara, da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, de Roma. 

"Era uma tortura tão cruel e humilhante que não era reservada a um cidadão romano. Era precedida pelo açoite, infligido com vários instrumentos, conforme a origem e a proveniência social dos condenados." 

"A crucificação não foi invenção romana mas estava amplamente disseminada no Império Romano. Fazia parte de uma rotina dentro dos territórios que hoje chamamos de Israel", pontua Chevitarese. "Mais ou menos uns 40 anos depois da morte de Jesus, quando houve a tomada de Jerusalém, milhares de judeus foram crucificados." 

Os Evangelhos dedicam-se também a narrar as últimas horas de Jesus, detalhando seu sofrimento. De acordo com as escrituras sagradas, ele teria sido levado de uma instância a outra nessas horas de julgamento, com certa hesitação entre as autoridades. Chevitarese diz que historicamente isso não pode ser verdade. 

Isto porque, a julgar pelos relatos, Jesus foi morto na antevéspera da Páscoa judaica. "A festa da Páscoa é uma festa política, pois é quando se celebra a passagem da escravidão para a liberdade, a saída do povo hebreu do Egito para a 'terra onde corre o leite e o mel'", lembra o historiador. 

"Então imaginemos: uma cidade abarrotada de judeus, como a autoridade romana vai botar um judeu para carregar uma cruz pela cidade, no meio de tantos judeus? Seria um convite à rebelião. Com uma pessoa como Jesus ninguém poderia perder tempo. Foi pego e imediatamente crucificado." Para Chevitarese, os relatos que existem dando conta de acontecimentos entre a prisão de Jesus, na madrugada de quinta para sexta, e sua crucificação, horas mais tarde, não são históricos; são teologia. 

Alguns dias antes, no que acabou se eternizando como Domingo de Ramos, Jesus tinha entrado em Jerusalém. Foi uma rara aparição dele em uma grande cidade, o que teria transformado-o em alvo fácil das autoridades. 

Mas por que ele incomodava? Porque liderava um grupo justamente proclamando um novo reino, o Reino dos Céus, ou reino de seu pai. E seu discurso era de um reino diametralmente oposto ao Império Romano, segundo quatro pilares básicos. "Ele se torna messias por conta dessa ideia", defende Chevitarese. 

O primeiro pilar do reino defendido por Jesus era a justiça. Não qualquer justiça, mas a justiça divina. "E ele se referia a Deus como papai, seu pai celestial. Essa justiça tão equilibrada, era claro, se opunha a outro reino, aquele que já estava instalado e que controlava a Judeia: o dos romanos", compara o historiador. "Ele está dizendo: aqui no meu reino tem justiça; o do César é o reino da injustiça." 

O segundo ponto é que Jesus proclamava um reino de paz, também em oposição ao estado bélico do governo imposto pelos romanos, um império que avançava sobre outros povos. 

O terceiro pilar é comensalidade: comida, bebida, fartura na mesa dos pobres, dos camponeses. "O grupo que acompanhava Jesus ouvia sua pregação e, de alguma maneira, achava interessante o que ele estava dizendo", diz Chevitarese. Por fim, Jesus falava de um reino de igualdade, com a coparticipação de todos. "O ministério de Jesus é de homens e mulheres, iguais", nota o historiador. 

"O importante é que [nesses discursos] política, religião, economia, sociedade, tudo isso se inseria num programa messiânico. Não estava claro onde começava a política e terminava a religião, nem onde terminava a religião e começavam as questões sociais. Tudo estava interligado", completa. 

"Jesus morre por causa de um reino, o reino de Deus. Esse é o movimento de Jesus com Jesus. A geração seguinte, o movimento de Jesus sem Jesus, ressignifica a morte dele como uma morte sacrificial, que ganha dimensão estritamente religiosa." 

As autoridades romanas que serviam na região já estavam mapeando os movimentos de Jesus. E encontraram a oportunidade perfeita quando ele resolveu entrar em Jerusalém. "Viram-no criando confusão no templo, às vésperas da Páscoa, com a cidade cheia de judeus vindos das mais diferentes regiões e pensaram: rapidamente esse homem tem de ser preso, crucificado", diz o historiador. 

"Todos os evangelistas concordam em situar a morte de Jesus em uma sexta-feira, dentro do feriado da Páscoa", comenta Ferrara. Autor do livro Vita di Gesù Cristo, o padre, biblista e arqueólogo italiano Giuseppe Ricciotti (1890-1964) reuniu várias informações históricas, cruzou-as e concluiu que o mais provável é que a execução tenha ocorrido no equivalente ao 7 de abril do ano 30. 

A morte na cruz 

Eram três as maneiras de se executar um condenado na Roma antiga. Segundo explica Chevitarese, um objetivo as unia: não permitir a preservação de vestígios de memória — em outras palavras, impossibilitar que restos mortais fossem sepultados. 

Geralmente aos circos romanos eram destinados os condenados por crimes como assassinato, parricídio, crimes contra o Estado e estupros. Na arena, esses criminosos enfrentavam feras até a morte — seus restos eram devorados pelos bichos. Uma segunda forma de execução era a fogueira, que também não deixava muitos resíduos do corpo. 

A crucificação era a pena destinada a escravos que atentavam contra a vida dos seus senhores e aqueles que se envolviam em rebeliões. Além de todos os que não eram cidadãos romanos, caso de Jesus. "Ainda vivos, na cruz, aves de rapina já começavam a comer o condenado. Três ou quatro dias depois, a carne desse indivíduo, apodrecendo, caía da cruz e cães e outros animais terminavam de fazer o serviço", contextualiza Chevitarese. 

No início dos anos 2000, o médico legista norte-americano Frederick Thomas Zugibe (1928-2013), professor da Universidade de Columbia e ex-patologista-chefe do Instituto Médico Legal, fez uma série de experimentos com voluntários para monitorar os efeitos que uma crucificação teria sobre o corpo humano. Os resultados foram publicados no livro The Crucifixion of Jesus: A Forensic Inquiry (A crucificação de Jesus: uma investigação forense, em tradução livre). 

Para seus estudos, ele utilizou uma cruz de madeira com 2,34 metros na vertical e 2 metros na horizontal. Indivíduos — todos adultos jovens, na faixa dos 30 anos — foram suspensos nela e tiveram suas reações monitoradas eletronicamente, com eletrocardiograma, medição de pulsação e aferição de pressão sanguínea. 

Atados assim, os voluntários não conseguiam encostar as costas na cruz e relataram fortes cãibras causadas pelo desconforto da posição, além de formigamentos constantes nas panturrilhas e nas coxas. 

Na época de Jesus diferentes formas de cruz eram utilizadas nas execuções. As principais eram a em forma de T e a em forma de punhal. Não há consenso entre pesquisadores sobre qual teria sido a utilizada por Jesus. Ferrara acredita que teria sido a segunda. 

Para o médico Zugibe, Jesus carregou, em seu caminho até o local da execução, apenas a parte horizontal. Ele escreveu que a estaca vertical costumava ser mantida no local das crucificações, fora da cidade. 

E baseou-se no fato de que a parte horizontal pesava cerca de 22 quilos. A soma de ambas as partes tinha entre 80 e 90 quilos, o que tornaria impossível de ser carregada em uma longa caminhada — que, conforme seus estudos, teria sido de 8 quilômetros no caso de Jesus. 

"Detalhes da punição são confirmados pelo uso romano e por documentos históricos: os condenados eram amarrados ou pregados no patíbulo com os braços estendidos e erguidos no mastro vertical já fixado", esclarece Ferrara. 

"Os pés eram amarrados ou pregados, por outro lado, ao poste vertical, sobre o qual uma espécie de assento de apoio se projetava na altura das nádegas. A morte era lenta, muito lenta, e acompanhada por um sofrimento terrível. A vítima, levantada do solo a não mais de meio metro, estava completamente nua e podia ficar pendurada por horas, senão dias, sacudida por espasmos de dor, náuseas e a impossibilidade de respirar corretamente, já que o sangue nem sequer podia fluir para os membros que estavam tensos a ponto de exaustão." 

O que é um entendimento quase unânime entre os pesquisadores é que as cravas eram pregadas nos pulsos, e não nas palmas das mãos — por conta da compleição óssea, as mãos "se rasgariam" com o peso do corpo. "A estrutura das mãos e a ausência de ossos importantes impediriam o suporte de um peso tão grande e a carne das mãos seria dilacerada", ressalta Ferrara. 

O médico Zugibe concluiu que os pregos tinham 12,5 centímetros de comprimento. Ele defendia que Jesus tinha sido pregado, sim, nas mãos, mas não no centro da palma e sim pouco abaixo do polegar. Já suspenso na cruz, os pés de Jesus também foram fixados com cravas — segundo o médico, um ao lado do outro, e não sobrepostos como o imaginário consagrou. Essas perfurações, por atingirem nervos importantes, teriam sido causadoras de dores insuportáveis e contínuas. 

"Quanto tempo um indivíduo leva para morrer assim? Morre-se de cãibra, que vai atrofiando seus músculos e levando-o a morrer por falta de ar, com muitas dores, dores gigantescas no corpo todo", narra Chevitarese. Ferrara, por sua vez, defende que Jesus tenha morrido por infarto do miocárdio, em decorrência do esforço exaustivo. 

Por meio de seus experimentos, Zugibe analisou as três hipóteses mais aceitas para a morte de Jesus: asfixia, ataque cardíaco e choque hemorrágico. Sua conclusão é que Jesus teve parada cardíaca em virtude da hipovolemia, ou seja, a diminuição considerável do volume sanguíneo depois de toda a tortura e das horas pregado na cruz. Teria morrido, portanto, de choque hemorrágico. 

"[A morte na cruz] é uma morte de violência física absurda. O tempo dependia das condições físicas em que se encontrava o crucificado. Se a tortura anterior tivesse sido muito intensa, isso de certa forma poderia fazer com que ele morresse mais rápido", diz Chevitarese. Ferrara acredita que "a agonia de Jesus não tenha durado mais do que algumas horas, talvez até menos do que duas, provavelmente devido à enorme perda de sangue devido à flagelação [anterior]". 

Torturas 

Se o condenado à morte de cruz era visto pelos romanos como parte de uma "escória", um não cidadão considerado criminoso e oriundo dos estratos sociais mais baixos, é de se supor que os carrascos não poupassem esses indivíduos de toda sorte de agressões. Para tanto, o instrumento utilizado na tortura era um chicote específico chamado de azorrague. 

No caso de Jesus, Ferrara acredita que tenha sido utilizado um com bolas de metal com pontas feitas de osso, capaz de rasgar a pele e arrancar pedaços de carne. "Justamente por ele ser um 'criminoso' de baixa classe social e de origem não nobre, no caso um judeu de pequena província oriental do império", justifica ele. 

De acordo com as pesquisas realizadas pelo médico Zugibe, o modelo de chicote utilizado para o açoitamento de Jesus era feito com três tiras. Condenados assim costumavam receber 39 golpes com o instrumento — na prática, portanto, era como se fossem 117 chibatadas, já que essas pontas feitas de osso de carneiro funcionavam como objetos perfurocortantes. 

Isso, segundo explicações do médico, resultaria em tremores e até desmaios, e um quadro de hemorragias intensas, danos no fígado e no baço e acúmulo de sangue e líquidos nos pulmões. 

No caminho até o local de crucificação, não havia limites para as torturas. Eram espancados, ridicularizados, vítimas de intensa violência. Relatos bíblicos afirmam que, por sarcasmo, uma coroa de espinhos teria sido cravada na cabeça de Jesus. 

Zugibe queria descobrir qual era a planta utilizada para a tal coroa. Depois de entrevistar botânicos e estudiosos de biomas do Oriente Médio, chegou a duas possíveis espécies que seriam capazes de fornecer espinhos grandes o suficiente. Conseguiu as sementes e cultivou ele próprio as árvores para, depois, analisá-las. 

Acabou concluindo que foram utilizados ramos de uma árvore conhecida como espinheiro-de-cristo-sírio. Segundo o legista, os ferimentos causados por esse espinho na cabeça seriam capazes de, mais do que provocar intenso sangramento na face e no couro cabeludo, atingir nervos da cabeça — causando dores imensas. 

Sepultamento 

Chevitarese defende que a crucificação de Jesus, ao contrário do que narra a Bíblia, tenha ocorrido longe de testemunhas oculares, justamente porque tudo teria sido feito rapidamente e de modo a não provocar uma revolta da população. 

E que, também ao contrário do relato religioso, não houve sepultamento de Jesus, tampouco restos mortais preservados. "Crucificados não eram enterrados. Ficavam na cruz e, ainda vivos, aves de rapina já sabiam que eles não podiam se mexer. E comiam olhos, nariz, bochecha, aquilo ficava abarrotado de aves de rapina comendo o corpo ainda vivo", explica ele. 

"[O corpo] passava alguns dias ali, quatro, cinco dias, pendurado. A carne começava a apodrecer. Caía. Despencava. Cães e outros animais se aproveitavam desses restos humanos para fazer seu banquete", relata. 

Para ele, o que prova essa tese é que milhares de escravos foram crucificados no período e não há registros de cemitérios ou mesmo de ossadas descobertas dos mesmos. "Historicamente, crucificado não era enterrado", crava. "Teologicamente, é claro que Jesus precisava ser enterrado — para depois ressuscitar."



Por: Edison Veiga. Fonte: BBC News Brasil.