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Geosmina Estimula Proliferação do 'Aedes aegypti' Mais que Qualquer Substância no Mundo

Coleta de amostras da água na saída do rio dos Poços. Locais onde composto orgânico está presente possuem também micro-organismos dos quais as larvas do mosquito se alimentam.
Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo. 

A geosmina que impregnou a água da Região Metropolitana desde o início de janeiro de 2020 atrai o mosquito Aedes aegypti mais do que qualquer outra substância no mundo. Uma equipe internacional de cientistas ligados à Universidade de Lund, na Suécia, descobriu que a geosmina, tida até agora como inofensiva, não só atrai a fêmea do Aedes como a estimula a colocar ovos, pois, onde a substância está presente, também há micro-organismos dos quais as larvas se alimentam. 

Mesmo que a água tratada pela Cedae deixe de ter cheiro de geosmina, devido à aplicação de carvão ativado, o esgoto que contamina os mananciais de onde ela foi tirada continuará a ser uma fonte em potencial de proliferação do mosquito transmissor de dengue, zika e chicungunha, explica a autora principal do trabalho, a pesquisadora sueca Nadia Melo. 

Ela afirma que, se a água de reservatórios domésticos tiver cheiro de geosmina, atrairá os mosquitos, e qualquer espaço será usado para a colocação de ovos. Estimuladas pela fartura de locais favoráveis a isso, as fêmeas do Aedes saem em busca de pessoas para picar e conseguir mais sangue. 

— É um perigo a água do Rio cheirar à geosmina. As autoridades devem estar atentas a isso. O Aedes é extremamente sensível ao odor dela. Uma concentração muito baixa já é suficiente para atraí-lo. O período em que a água ficou com odor de geosmina deve ter sido favorável à proliferação do mosquito e, enquanto existirem fontes de geosmina, no esgoto, ele continuará a proliferar — explica Nadia. 

Ela e os demais autores do estudo chegaram à conclusão quando buscavam substâncias que pudessem funcionar como armadilhas para as fêmeas, o que ajudaria no controle do mosquito. O resultado foi uma boa notícia para o mundo e péssima para o Rio, cidade que teve a água tomada pela geosmina. 

Impressionada ao ser informada que a substância se difundiu em tamanha proporção no Rio, a cientista sueca alerta que concentrações realmente ínfimas são suficientes para atrair o Aedes e que é impossível saber, hoje, o tamanho do problema: 

— Não sabia que a situação do Rio era essa. É preocupante. É preciso ter muita atenção porque a geosmina é ímã para o mosquito, ele vai preferir um local com a substância a qualquer outro. Um perigo. 

Como a geosmina atrai o mosquito da dengue (I)
A pesquisa, intitulada Geosmin Attracts Aedes aegypti mosquitoes to oviposition sites (“Geosmina atrai o mosquito Aedes aegypti para locais de postura de ovos”, em tradução livre) foi publicada na Current Biology, uma das mais importantes e respeitadas revistas científicas da biologia. Nela, os cientistas descrevem a descoberta de que o Aedes aegypti tem, na antena, um receptor específico para detectar a geosmina. Ao ser captada pelo mosquito, a substância estimula o sistema reprodutivo das fêmeas a colocar ovos. Uma vez que elas fazem a postura, partem em busca de alimento, isso é, de sangue humano, para dar início a um novo ciclo reprodutivo. 

Como a geosmina atrai o mosquito da dengue (II)
Os cientistas testaram diversas substâncias para descobrir quais são as mais atraentes para o Aedes. No estudo, mostram que a geosmina é a mais potente de todas. O mosquito parece ter naturalmente evoluído para se adaptar à geosmina. É sabido que, na natureza, alguns animais são atraídos e outros repelidos por ela. A inofensiva mosca-das-frutas, por exemplo, detesta geosmina. Nadia explica que o ser humano também é particularmente sensível à percepção do odor, que, em excesso, o incomoda. 

Como a geosmina atrai o mosquito da dengue (III)
Por ironia do destino do Rio, à mercê da falta de saneamento e do tratamento de água deficiente, um dos fatores limitantes para o uso de armadilhas de geosmina apontados pelo estudo é o fato que a substância não costuma ser abundante em condições normais. 

Os pesquisadores chegaram a testar, com a participação da Universidade Federal de Alagoas, a casca da beterraba como um chamariz para o mosquito. Isso porque ela tem geosmina, que lhe confere um cheiro característico de terra. Em Miami, a Universidade Internacional da Flórida testou sachês de geosmina sintética. Todas as experiências tiveram sucesso, mas nada como a própria geosmina para atrair o Aedes. A substância natural é ainda melhor, observa Nadia. 

‘Aedes’ gosta de esgoto

A cientista ficou surpresa ao saber que houve uma imensa produção de geosmina nos mananciais onde a Cedae capta água. 

— A fêmea do Aedes prefere água mais suja porque as larvas se alimentam de cianobactérias e outros micro-organismos presentes em ambientes ricos em nutrientes encontrados no esgoto. É um mito achar que o mosquito gosta e precisa de água limpa. Quem gosta de água limpa é o anófeles, o transmissor da malária — explica Nadia. 

A cientista observa que, enquanto houver água e esgoto com micro-organismos produtores de geosmina, haverá Aedes. Para o mosquito da dengue e da chicungunha, o verão da água com geosmina do Rio se tornou uma festa. 

Conhecido por seus estudos sobre o impacto do zika no cérebro e autor de pesquisas sobre os efeitos de toxinas produzidas pelas mesmas cianobactérias da geosmina, o neurocientista Stevens Rehen, professor titular da UFRJ e diretor científico do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, diz que não há conhecimento sobre os efeitos da geosmina combinada a outras condições ambientais ou de saúde. Ele afirma que é preciso investigar, por exemplo, se haveria aumento de toxicidade ou virulência de vírus como dengue, chicungunha e zika em pessoas que consomem cronicamente geosmina.

Por: Ana Lucia Azevedo (O Globo).

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