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Como o Desperdício Desafia a Transição Energética


Quase um quinto da eletricidade gerada na América Latina não chega ao consumidor final. Especialistas cobram mais planejamento, investimento e fiscalização no setor. 

A América Latina deu passos significativos em direção à sua transição energética. A região já gera 60% de sua eletricidade a partir de fontes renováveis, índice que deve seguir aumentando, segundo a Agência Internacional de Energia

No entanto, um fator ainda negligenciado na redução das emissões de carbono do setor de energia é a taxa de perda de energia elétrica — a diferença entre a quantidade de eletricidade gerada e a que de fato chega aos consumidores. Na América Latina, ela atingiu, em média, 17% ao ano nas últimas três décadas, conforme um relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)

O documento observou que esse índice é três vezes superior ao registrado nos países desenvolvidos e, indiretamente, despeja mais de cinco a seis milhões de toneladas de emissões anuais de dióxido de carbono por ano, o equivalente à poluição gerada por 1,3 milhão de carros no mesmo intervalo de tempo.

Alguns especialistas chamam isso de “emissões compensatórias”, pois demandam mais geração elétrica para compensar as perdas. Os países da região com uma matriz elétrica mais dependente de combustíveis fósseis, como Argentina, México e Colômbia, são os principais responsáveis por essas emissões. 

As perdas de energia afetam todos os países latino-americanos e ocorrem por motivos técnicos e não técnicos. Os técnicos envolvem falhas nas linhas de transmissão e distribuição, principalmente devido à falta de investimento e manutenção na infraestrutura. Já os não técnicos correspondem à energia consumida, mas não paga pelos usuários, como as conexões clandestinas (os chamados “gatos de luz”). 

“As perdas de energia podem afetar o cumprimento das metas climáticas”, destacou Ana Lía Rojas, diretora-executiva da Associação Chilena de Energia Renovável e Armazenamento (Acera), ao Dialogue Earth. “Cada unidade de energia perdida representa um aumento na geração para atender à demanda”. 

Perdas de energia elétrica 

A maior parte da eletricidade é produzida em usinas e percorre longas distâncias por linhas de transmissão de alta tensão. Ela chega aos consumidores por meio de redes de distribuição — os postes e fios que abastecem desde casas a estabelecimentos comerciais. Essa infraestrutura pode sofrer vários problemas técnicos que resultam em perdas de energia. 

Alguns casos incluem as perdas provocadas pela resistência do material condutor pelo qual a energia flui, a infraestrutura desgastada e o mau funcionamento de transformadores. Embora esses sejam problemas inerentes à transmissão elétrica, especialistas concordam que há uma falta generalizada de investimento em redes de transmissão e distribuição na América Latina. 

“Os tomadores de decisão priorizam a produção de energia, e a rede de distribuição é deixada em segundo plano. É preciso investir paralelamente na rede e na geração — o sistema precisa ser visto como um todo”, disse Ramón Méndez, ex-diretor de energia do Uruguai, ao Dialogue Earth. “Uma infraestrutura deficiente pode se tornar um grande problema econômico e técnico”. 

Entre 2015 e 2021, o investimento em infraestrutura de distribuição e transmissão na região caiu 40%. Para além das perdas de energia, isso torna as redes vulneráveis a eventos climáticos extremos e pode afetar o fornecimento de eletricidade — sobretudo para as populações marginalizadas. 

Na América Latina, a maioria das perdas de eletricidade ocorre no sistema de distribuição. Isso se deve principalmente a fatores não técnicos, como as conexões clandestinas, explicou Santiago López Cariboni, professor de economia na Universidade da República do Uruguai e coautor do relatório do BID sobre o tema. 

“É energia produzida e transportada, mas não consumida legalmente. As pessoas quebram ou adulteram medidores ou passam um cabo direto da rede elétrica para suas casas ou empresas”, exemplificou López Cariboni. “Mesmo que os governos pudessem cortar a energia de todas essas unidades, eles não o fariam, porque isso criaria um enorme problema socioeconômico”. 

Um usuário que usa eletricidade clandestinamente consome até três vezes mais do que os outros, estimou López Cariboni. Ao não pagar a conta de luz, as pessoas não são pressionadas a controlar o gasto de energia ou adotar tecnologias de baixo consumo. Segundo o relatório do BID, as conexões clandestinas estão relacionadas ao crescimento desordenado das cidades latino-americanas nas últimas décadas. 

Geração renovável mal aproveitada 

Embora não gere emissões significativas, a energia renovável também pode causar um problema de desperdício de energia. Isso aconteceu recentemente no Chile. A participação da energia solar e eólica atingiu um recorde de 40% na matriz elétrica do país em 2024. Porém, à medida que o peso dessas fontes aumenta na capacidade instalada, também cresce outro fenômeno: é o chamado curtailment, ou seja, a restrição deliberada na geração de energia. 

Isso ocorre porque o desenvolvimento de projetos renováveis avança muito mais rapidamente do que a capacidade de transmissão e armazenamento. Como resultado, em 2024, 5,9 mil gigawatts-hora (GWh) de energia foram desperdiçados no Chile, 148% a mais do que em 2023. Esse número representa 20% da energia solar e eólica gerada pelo país, estimou Ana Lía Rojas, da Acera. 

Jorge Leal Saldivia, sócio da empresa chilena de energia renovável LAS Energy, disse que esse desperdício corresponde principalmente à energia solar gerada no norte do país. “A infraestrutura de transmissão não está pronta para levar essa energia ao centro e sul do Chile. As linhas ficam congestionadas e a energia tem que ser descartada”, disse ele ao Dialogue Earth. 

Rodrigo Palma, pesquisador do Centro de Energia da Universidade do Chile, disse que houve atrasos no planejamento energético do país: “O lançamento de projetos de energia solar e eólica não parou, e a capacidade estatal de construção de infraestrutura não acompanhou esse ritmo. Isso pode atrasar a penetração das energias renováveis em nosso sistema energético”. 

Até 2040, todas as usinas elétricas movidas a carvão terão de parar de operar no Chile. Espera-se que isso seja compensado principalmente pela energia renovável. Em abril, o governo abriu uma licitação para oito novos projetos de modernização da rede, somando-se aos 12 projetos lançados no ano passado. Uma das maiores iniciativas, a linha de transmissão Kimal-Lo Aguirre, está sob revisão após pressões de ativistas socioambientais. 

Possíveis soluções 

Metade dos 26 países analisados no relatório do BID sofreu aumento nas perdas de energia nos últimos anos, destacando a urgência de encontrar soluções para o problema. Honduras, Venezuela e República Dominicana perdem mais de 30% de sua energia elétrica, seguidos por mais de 20% na Jamaica, Paraguai e Guiana. O BID também destaca como as redes enfrentam vulnerabilidade e impactos crescentes devido às mudanças climáticas

Os especialistas consultados pelo Dialogue Earth destacam a necessidade de um planejamento abrangente por parte dos governos para lidar com as perdas. Para as técnicas, a incorporação de tecnologia pode ajudar, como medidores inteligentes e armazenamento. Para as não técnicas, é necessário analisar o tema sob uma perspectiva de política social, observou López Cariboni. 

“As sociedades justificam o roubo de energia elétrica como uma forma de atender a uma necessidade básica; elas veem a energia como um direito”, acrescentou. “Para aqueles que podem pagar, você pode trabalhar com sanções e regulamentações. Mas, para aqueles que não podem pagar, o Estado deveria assumir essas perdas e integrá-las em seu orçamento. É mais gasto público, mas é uma despesa que já está sendo feita”. 

Martin Dapelo, membro do conselho de administração da Câmara Argentina de Energias Renováveis, questionou a falta de progresso na região em relação aos medidores inteligentes. “É o primeiro grande passo. Estamos perdendo a possibilidade de medir isso em tempo real”, disse ele ao Dialogue Earth. Enquanto isso, o Chile até agora foi o único país da região a apostar na construção de usinas de armazenamento de energia. 

A geração distribuída — energia gerada em pequena escala pelos próprios consumidores — também está na lista de possíveis soluções para a região. Esses sistemas se baseiam na instalação de placas solares ou turbinas eólicas no local de consumo, como em residências ou indústrias. Isso diminui a necessidade de transporte a energia, reduzindo a sobrecarga da rede. 

“Nós nos acostumamos com a ideia de que mercado decide qual direção tomar no setor de energia. O caso do Chile, com excesso de oferta de energia solar, mas sem redes de transmissão, mostra que esse não é o caso”, disse Méndez. “O sistema ideal é aquele que analisa o todo e determina a melhor combinação”.



Por: Fermín Koop. Fonte: Dialogue.Earth

Cientistas Desenvolvem Simulador Solar Para Produção de Combustíveis

Equipamento reproduz intensidade luminosa de uma a duas mil vezes a radiação do Sol, tendo aplicação em diferentes segmentos de indústrias.

A energia solar é uma das principais apostas para a transição energética: é esperado que, até 2050, essa fonte represente um quarto do total de fontes de energia disponíveis no mundo. No nível laboratorial, apesar de suas vantagens, a energia solar tem suas limitações: os experimentos são dependentes da incidência de radiação, do ciclo diurno e, de maneira geral, das condições atmosféricas no período de testes. Por isso, pesquisadores do Laboratório de Sistemas Energéticos Alternativos (Sisea) da Escola Politécnica (Poli) da USP criaram um equipamento que simula a energia solar dentro do laboratório. 

O equipamento é composto de oito lâmpadas de arco de xenônio de alta temperatura. A iluminação vinda deste elemento permite alcançar alto brilho e intensidade, e se aproxima do espectro solar. A luz emitida em raios colimados – ou seja, quase paralelos – é refletida por um conjunto de espelhos parabólicos e atinge uma pequena câmara negra. 


A câmara negra é revestida por tecidos para evitar o superaquecimento do ambiente - Foto: Marcos Santos/USP Imagens.

A geometria aponta que, em uma parábola, qualquer raio que incide paralelamente ao eixo de simetria, converge para o foco. Os pesquisadores se aproveitaram desse conceito para posicionar a câmara negra no foco dos espelhos parabólicos. Dessa forma, eles garantem que quase 100% da radiação emitida pelas lâmpadas se concentre na região desejada. 


Princípios básicos da geometria e da física orientam a operação do equipamento. Na representação gráfica de uma parábola, existe um ponto conhecido por ‘foco’ (F) que está sempre na mesma distância que a reta diretriz, uma reta perpendicular ao eixo de simetria. Por exemplo, se identificarmos uma parábola na posição 0 com um foco a 2 metros de distância na posição 2m, a diretriz deve estar na posição -2m - Gráfico: Jornal da USP. 

Principais produtos 

A energia térmica concentrada é tão grande que equivale à radiação de mil a 2 mil Sóis: a região da cavidade pode aquecer até 2.000ºC. O professor da Poli José Simões, coordenador do Laboratório Sisea, explica, em entrevista ao Jornal da USP, que essas condições viabilizam experimentos que demandam alta energia de ativação – como a produção de combustíveis. 

O simulador pode ser usado para a produção de hidrogênio verde, gás de síntese (syngas), gás natural e monóxido de carbono. “Além de todas essas produções, também usamos o equipamento para aquecimento de água e produção de vapor nos ciclos térmicos”, comenta Simões. 

O hidrogênio é produzido a partir da oxirredução de metais – processo em que há uma transferência de elétrons entre as substâncias. Já o gás de síntese é feito com a reação do metano (CH4) com vapor d’água (H2O). 

Esses processos, assim como o do gás natural, são essenciais para o funcionamento de diferentes segmentos de indústrias. “O gás de síntese, por exemplo, tem várias utilidades: desde o acionamento de motores e máquinas até a combustão”, explica o professor. 

Protocolo de segurança e diferenciais 

Os engenheiros criaram mecanismos de segurança para prevenir riscos devido ao superaquecimento do sistema – as temperaturas devem ser altas o suficiente para fundir metais. As lâmpadas são revestidas por compartimentos de vidro, para evitar o escape de radiação ultravioleta e para conter os detritos da lâmpada em caso de explosão. Uma placa associada a um sistema de resfriamento também foi introduzida aos compartimentos. Além disso, se qualquer pessoa tentar abrir a porta da sala onde está o simulador, as lâmpadas desligam automaticamente. 

“Todos os cuidados são necessários para a segurança do ambiente e dos envolvidos; houve testes em que até mesmo nossos materiais foram fundidos. É perigoso. Se alguém colocar a mão aqui, ela evapora” – José Roberto Simões. 

Um dos grandes diferenciais deste equipamento é o uso de espelhos parabólicos, ao invés de elipsoidais. As elipses contam com dois focos e, por isso, a dinâmica de reflexão dos raios é diferente da parábola. Nos principais simuladores comuns, a lâmpada é colocada em um dos focos e a câmara negra é posicionada no outro. 

Simões explica que o equipamento construído com espelhos parabólicos simula a radiação solar em um ambiente externo de maneira mais realista, concentrando a luz em um só ponto. Por isso, apesar de ter sido construído para facilitar os experimentos indoor, ele também pode ser usado no ambiente externo – o que não acontece com tanta eficiência nos simuladores comuns. 

O artigo Novel high-flux indoor solar simulator for high temperature thermal processes está disponível on-line. O trabalho recebeu financiamento da Fapesp.



Por: Beatriz La Corte. Fonte: Jornal da USP.

Como O Sabão Mantém Você Limpo?


Milhares de anos atrás, nossos ancestrais descobriram algo que poderia limpar seus corpos e roupas. Reza a lenda que a gordura da refeição de alguém caiu nas cinzas que sobraram de uma fogueira. Eles ficaram surpresos ao descobrir que a mistura de gordura e cinzas formava um material que limpava as coisas. Na época, isso deve ter parecido mágica. 

Essa é a lenda, pelo menos. Seja como for, a descoberta do sabão remonta há aproximadamente 5.000 anos, na antiga cidade da Babilônia, no que era o sul da Mesopotâmia - hoje, o Iraque. 

Com o passar dos séculos, as pessoas em todo o mundo começaram a usar sabão para limpar as coisas que ficavam sujas. Durante os anos 1600, o sabão era um item comum nas colônias americanas, geralmente feito em casa. Em 1791, Nicholas Leblanc, um químico francês, patenteou o primeiro processo de fabricação de sabão. Atualmente, o mundo gasta cerca de US$ 50 bilhões por ano em sabão para banho, cozinha e lavanderia. 

Mas, embora bilhões de pessoas usem sabão todos os dias, a maioria de nós não sabe como ele funciona. Como professor de química, posso explicar a ciência do sabão - e por que você deve ouvir sua mãe quando ela diz para você lavar a louça. 

A química da limpeza 

A água - nome científico: monóxido de di-hidrogênio - é composta de dois átomos de hidrogênio e um átomo de oxigênio. Essa molécula é necessária para toda a vida em nosso planeta. 

Os químicos classificam outras moléculas que são atraídas pela água como hidrofílicas, o que significa que gostam de água. As moléculas hidrofílicas podem se dissolver na água. 

Portanto, se você lavasse as mãos sob uma torneira aberta sem usar sabão, provavelmente eliminaria muitos resíduos hidrofílicas grudados na sua pele. 

Porém, há outra categoria de moléculas que os químicos chamam de hidrofóbicas, que significa que têm medo de água. As moléculas hidrofóbicas não se dissolvem na água.

O óleo é um exemplo de algo que é hidrofóbico. Você provavelmente sabe por experiência própria que óleo e água simplesmente não se misturam. Imagine sacudir um pote de molho vinagrete para salada - o óleo e os outros ingredientes aquosos nunca se misturam. 

Portanto, apenas passar as mãos na água não eliminar as moléculas que temem a água, como óleo ou gordura. 

É aqui que o sabão entra em cena para salvar o dia. 

O sabão, uma molécula complexa, adora e teme a água ao mesmo tempo. Com o formato de um girino, a molécula de sabão tem uma cabeça redonda e uma cauda longa; a cabeça é hidrofílica e a cauda é hidrofóbica. Essa qualidade é uma das razões pelas quais o sabão é escorregadio. 

É também o que dá ao sabão seu superpoder de limpeza. 

Uma visão microscópica 

Para ver o que acontece quando você lava as mãos com água e sabão, vamos dar um zoom. 

Imagine toda a sujeira que você toca durante o dia e que se acumula na sua pele, sujando suas mãos. Talvez haja manchas de alimentos, lama do exterior ou até mesmo suor e oleosidade de sua própria pele. 

Todo esse material é amante da água ou a teme em nível molecular. A sujeira é uma mistura de ambos. A poeira e as células mortas da pele são hidrofílicas; já os óleos naturais são hidrofóbicos; e os detritos ambientais podem ser ambos. 

Se você usar apenas água para limpar as mãos, muita coisa será deixada para trás porque você removerá apenas as partes que gostam de água e que se dissolvem na água. 

Porém, quando você adiciona um pouco de sabão, a história é diferente, graças às suas propriedades de absorver e repelir a água ao mesmo tempo. 

As moléculas de sabão se juntam e envolvem a sujeira em suas mãos, formando o que é conhecido como estrutura micelar. Em um nível molecular, parece quase uma bolha envolvendo a parte hidrofóbica dos detritos. As cabeças das moléculas de sabão, que gostam de água, ficam na superfície, e as caudas, que têm medo de água, o dentro da micela. Essa estrutura retém a sujeira, e a água corrente lava tudo. 

Para obter o efeito completo desse aliado, lave as mãos na pia por pelo menos 20 segundos. Esfregar as mãos ajuda a forçar as moléculas de sabão a penetrar na sujeira existente para quebrá-la e envolvê-la. 

Não se trata apenas de sujeira 

Além da sujeira, seu corpo é coberto por microrganismos - bactérias, vírus e fungos. A maioria é inofensiva e alguns até protegem você de ficar doente. Mas alguns microrganismos, conhecidos como patógenos, podem causar doenças e enfermidades. 

Elas também podem causar mau cheiro se você não tomar banho por algum tempo. Essas bactérias quebram moléculas orgânicas e liberam vapores malcheirosos. 

Embora os microrganismos sejam protegidos por uma barreira - chamada de membrana -, a água e o sabão podem romper a membrana, causando a ruptura do microrganismo. A água então lava os restos do microrganismo, juntamente com o mau cheiro. 

Dizer que o sabonete mudou o curso da civilização é um eufemismo. Por milhares de anos, ele ajudou a manter a saúde de bilhões de pessoas. Pense nisso na próxima vez que sua mãe ou seu pai lhe pedirem para lavar a louça - o que provavelmente acontecerá em breve.



Por: Monica Tarantino. Fonte: The Conversation.

Atlas da Amazônia Brasileira Busca Desconstruir Estereótipos da Região


O Atlas da Amazônia Brasileira foi lançado no dia 05 de maio de 2025 pela Fundação Heinrich Böll no Brasil, e busca desconstruir estereótipos da região com um conteúdo que contribui para uma mudança urgente de perspectiva, para que pessoas do país e do mundo possam conhecer a Amazônia novamente, desta vez sob a perspectiva dos diversos habitantes da região. 

Trata-se de uma publicação inédita com 32 artigos que abordam os desafios, os saberes e as potências da maior floresta tropical do planeta. 

A iniciativa busca ampliar o debate sobre justiça climática e territorial em um ano marcado pela realização da COP30 na Amazônia brasileira. Entre os 58 autores e autoras, estão 19 indígenas, cinco quilombolas e dois ribeirinhos. 

Para o coordenador da área de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll no Brasil e co-organizador do atlas, existe uma visão de que a Amazônia é só floresta, mas existe uma riqueza singular na região que muitas vezes fica invisibilizada. 

“A gente mal sabe que 75% da população da Amazônia é urbana. Tem povos e comunidades que há muito tempo trabalham na relação com a natureza, com formas de proteção e preservação ambiental com a construção de um bem viver cada vez mais sustentável. É preciso colocar quem está nos territórios para ter um papel de protagonista nesses debates.” 

Segundo da Fundação, entre 2019 e 2022, a Amazônia registrou recordes de desmatamento (principalmente para abertura de pastagem para criação de gado); o garimpo ilegal em áreas protegidas (principalmente em terras indígenas da região amazônica) cresceu em 90%; e cidadãos estimulados pelo avanço da extrema direita se armaram – entre 2018 e 2022 o número de pessoas com registro de armas na Amazônia Ocidental aumentou 1.020%. 

Ao mesmo tempo, em 2022 a Amazônia reuniu mais de um quinto dos assassinatos de defensores do meio ambiente em todo o mundo: foram 39 ativistas assassinados na região naquele ano. 

Crises 

Em 2023, o mundo teve acesso às cenas da crise humanitária vivida pelo povo indígena Yanomami, cujo território, nos anos anteriores, foi tomado pela atividade garimpeira ilegal. 

No mesmo ano, a Amazônia foi assolada por uma intensa crise climática, com secas extremas e rios alcançando os mais baixos níveis já registrados, o que, além da morte de animais, impactou sua extensa infraestrutura fluvial, levando à escassez de água potável e alimentos, além da dificuldade de acesso a aparelhos públicos. 

Os danos não foram totalmente superados e outra seca atingiu a região em 2024. No mesmo ano, o bioma amazônico concentrou o maior número de focos de incêndio dos 17 anos anteriores, e o impacto da fumaça na qualidade do ar prejudicou a saúde de milhares de pessoas – sendo transportada pela atmosfera para outros estados das regiões Centro Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. 

Outros biomas que compõem a Amazônia Legal, como o Pantanal e o Cerrado, também atingiram recordes de queimadas. 

Assim, na avaliação da fundação, os últimos anos parecem ter desenhado um futuro sombrio para a Amazônia e sua população, seja pelos impactos do colapso climático na região, seja pelas disputas políticas que ditam não apenas o ritmo da intensificação de crimes ambientais (cada vez mais organizados pelas facções do tráfico de drogas nos territórios), mas os interesses econômicos que orientam grandes projetos para a região. 

“Em contrapartida, a Amazônia é território de uma efervescente mobilização de movimentos sociais, coletivos e organizações socioambientais que têm se tornado linha de frente das discussões envolvendo tanto a gestão territorial regional, quanto a agenda climática global", diz a fundação. 

"Essa mobilização envolve a valorização dos modelos de pensamento dos povos e comunidades, que constroem relações com o território e seus seres bastante distintas daquelas que guiam os setores responsáveis pelo iminente colapso climático.” 

Crime organizado 

No artigo Crime Organizado, os autores Aiala Colares Couto (professor e pesquisador na área de geografia da Universidade do Estado do Pará – UEPA) e Regine Schönenberg (Fundação Heinrich Böll) traçam as dinâmicas das facções criminosas na região amazônica. 

Segundo eles, importantes rotas do tráfico de drogas passam pela Amazônia brasileira e controlar essas rotas e os mercados locais se tornou o objetivo das facções. Com a profissionalização do narcotráfico e sua relação com os crimes ambientais, a região vive um processo de interiorização da violência. 

“Estudos apontam que, desde os anos de 1980, a bacia amazônica é utilizada pelo crime organizado. Na época, como um importante corredor para o escoamento de cocaína que entrava pelas fronteiras do Brasil com os países andinos, principalmente Bolívia, Colômbia e Peru, que até hoje se destacam como os maiores produtores de cocaína do mundo”, dizem os autores. 

De acordo com Aiala e Regine, facções criminosas que antes atuavam na Região Sudeste passaram a ter mais presença na Amazônia, tais como, o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. 

Além disso, facções regionais passaram a se organizar na região instituindo relações de poder e controle dos territórios, a exemplo da Família do Norte (FDN) do Amazonas e Comando Classe A (CCA) do Pará, fazendo alianças e enfrentamento aos grupos faccionais não-regionais, algo que contribuiu de forma significativa para os conflitos violentos na Amazônia. 

Segundo os autores, a relação entre o narcotráfico e os crimes ambientais se dá por meio de atividades ilegais como exploração ilegal de madeira, contrabando de minérios (manganês e cassiterita) e grilagem de terras. 

Essas atividades vêm sendo financiadas pelo crime organizado nos últimos anos, principalmente como estratégia de lavagem de dinheiro. 

“Em relação à ameaça aos territórios indígenas, destacam-se a expansão do garimpo ilegal do ouro e a invasão desses territórios por integrantes de facções criminosas, aliciando jovens indígenas e alterando o cotidiano das comunidades", dizem os pesquisadores, que alertam para o alcance desse impacto. 

"Também se enfatiza a aproximação a esses povos gerada pelos vários meios de transporte das drogas, seja via estradas próximas ou interligadas às Terras Indígenas, pelos rios que se conectam a elas ou pela utilização de aeronaves que pousam em pistas clandestinas construídas ilegalmente nas áreas protegidas.” 

Nascido no quilombo de Menino Jesus de Pitimandeua, no município de Inhangapi, no Pará, o pesquisador Aiala diz que há uma dificuldade na ação do Estado no que diz respeito à agilidade do processo de intervenção no combate ao crime organizado. 

“O crime organizado não passa por processos burocráticos para agir. A agilidade do crime organizado em suas múltiplas conexões acaba se sobrepondo às ações governamentais que dependem de recursos financeiros e da desburocratização por parte do governo”. 

A fundação 

A Fundação Heinrich Böll é uma organização política alemã presente em mais de 42 países. Promover diálogos pela democracia e garantir os direitos humanos; atuar em defesa da justiça socioambiental; defender os direitos das mulheres e se posicionar como antirracista são valores que impulsionam as ideias e ações da fundação. 

No Brasil, a Fundação apoia projetos de diversas organizações da sociedade civil, organiza debates e produz publicações gratuitas. No campo da justiça socioambiental, busca fortalecer o debate público que alie a defesa do meio ambiente à garantia dos direitos dos povos do campo e da floresta. A fundação completa 25 anos de atuação no Brasil.



Por: Ana Cristina Campos. Fonte: Agência Brasil.

Agrotóxicos: 17 Tipos de Venenos São Encontrados em Parques Nacionais


Nos parques nacionais de Itatiaia e da Serra dos Órgãos, situados a mais de 2 mil metros de altitude, foram encontradas concentrações de agrotóxicos banidos ou acima do permitido pela União Europeia. 

Desta vez, os agrotóxicos foram, literalmente, longe demais. Um estudo inédito publicado em março de 2025 na revista científica Environmental Pollution encontrou um combo de 17 tipos diferentes de veneno a mais de 2 mil metros de altitude, nos parques nacionais Itatiaia e Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro. Esses campos, que ficam a quilômetros de distância dos monocultivos do agronegócio, são unidades de conservação de proteção integral. 

Consideradas até então intocadas, essas áreas são vítimas do efeito deriva. Os achados da pesquisa refletem a necessidade urgente de compreender a magnitude deste fenômeno, responsável por transportar os agrotóxicos, por meio das correntes de ar ou das águas subterrâneas, para locais distantes de onde foram aplicados. 

As áreas de contaminação identificadas pela pesquisa estão localizadas acima dos dois mil metros de altitude — um patamar difícil de visualizar no cotidiano. Para efeito de comparação, o Cristo Redentor está a 710 metros acima do nível do mar, enquanto o Pão de Açúcar alcança 396 metros. Ou seja, a presença de agrotóxicos foi detectada em regiões quase três vezes mais elevadas que o principal cartão-postal da capital fluminense. Um ambiente onde a presença humana já é limitada pela natureza, mas onde o impacto químico da atividade agrícola conseguiu chegar. 

A partir da análise de três amostras de sedimentos de cada unidade de conservação foram encontrados, no total, seis herbicidas, sete inseticidas, quatro fungicidas e dois acaricidas. Tiveram destaque nas análises o clorpirifós, diazinon e dissulfoton, inseticidas do grupo dos organofosforados. 

O clorpirifós, além de ter sido o mais abundante em quatro das seis amostras, foi encontrado em concentração 14.589 vezes acima do nível considerado seguro para organismos aquáticos, como microcrustáceos, algas e peixes. O diazinon, embora detectado em menor quantidade, apresentou níveis até 778 vezes superiores ao limite aceitável. Já o dissulfoton apareceu em concentrações até 347 vezes acima do que é considerado seguro para o meio ambiente. 

Cláudio Parente, pesquisador em ecotoxicologia e contaminação ambiental e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), frisa dois aspectos surpreendentes do estudo: a capacidade de locomoção das moléculas e sua persistência no ambiente. 

Para ele, “esses sedimentos, além de estarem distantes, possuem matéria orgânica, microrganismos, então, esperava-se que eles [os microrganismos] fizessem biodegradação desses compostos. Mas não. Além de encontrarmos concentrações significativas, nos deparamos com um coquetel de agrotóxicos”. 

A descoberta nos parques nacionais brasileiros é feita seis décadas depois dos primeiros alertas sobre os riscos do uso de agrotóxicos. Em 1962, a escritora Rachel Carson publicou o livro Primavera Silenciosa, que denunciou, entre outros problemas, a persistência ambiental de substâncias como o DDT, um inseticida de forte aderência à água. 

A obra foi um dos marcos de fundação do movimento ambientalista e motivou o surgimento de uma mobilização global para substituir esses compostos. No Brasil, o uso do DDT foi banido na agricultura em 1985 e no controle de doenças em 2009. 

Desde então, surgiram novas moléculas consideradas menos persistentes no ambiente, embora seu uso contínuo ainda represente sérios riscos ecológicos. “O problema é que, como elas estão sempre sendo lançadas no ambiente, a ocorrência delas é permanente. É o que chamamos de substâncias pseudopersistentes”, define Parente. Essa expressão, pseudopersistentes, significa que, mesmo tendo uma vida curta, os agrotóxicos estão sempre presentes no ambiente por conta do uso contínuo. Essa forte aderência tem relação com a frequência e a intensidade de aplicação, e não com alguma característica de sua composição química. 

O estudo de Parente reforça um alerta que há anos sensibiliza movimentos sociais e pesquisadores. “Não tem mais regiões protegidas dos agrotóxicos no país”, resume a pesquisadora e integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Karen Friedrich. Na visão dela, a presença de pesticidas em parques nacionais localizados a mais de dois mil metros de altitude é a prova mais clara de que a contaminação se tornou sistêmica e invisível, atravessando fronteiras ambientais e sociais. 

“Se em lugares considerados intocados há agrotóxicos, imagine nas regiões onde a exposição é constante e frequente”, adverte Karen. Em territórios agrícolas, onde a pulverização é intensa e cotidiana, os riscos à saúde humana e à biodiversidade se multiplicam, mas a fiscalização ainda é frágil e a vigilância sanitária permanece muito aquém da dimensão real do problema. 

Espécies endêmicas em risco 


O Parque Nacional do Itatiaia, criado em 1937, é o primeiro do Brasil. É uma unidade de conservação de proteção integral, ou seja, bastante restritiva, e teve a sua extensão ampliada, em 1982, de 11.943 para 28.086 hectares. Ele abrange parte do território dos municípios de Itatiaia e Resende, no Rio de Janeiro, e Itamonte e Bocaina de Minas, em Minas Gerais. 

A sua fisionomia é semelhante à dos Andes, situada no Chile, tanto em relação às áreas montanhosas, quanto à presença de grande biodiversidade. O local abriga diversas espécies endêmicas — que só estão presentes em determinada região — de fauna e flora, a exemplo do sapo flamenguinho. Símbolo da biodiversidade da Mata Atlântica, esse anfíbio de dorso preto e barriga vermelha contribui para a cadeia alimentar ao controlar insetos e possui propriedades medicinais nas suas toxinas. 


Criado em 30 de novembro de 1939, o Parque Nacional da Serra dos Órgãos (Parnaso), terceiro mais antigo do país, é uma unidade de conservação destinada a proteger os ecossistemas e a rara biodiversidade da Serra do Mar. Possui 20.024 hectares distribuídos nos municípios serranos de Teresópolis, Petrópolis, Magé e Guapimirim. É importante destacar que algumas das espécies endêmicas desta região sequer foram identificadas. 

Coautor do estudo, o pesquisador e professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rodrigo Ornellas Meires alerta sobre a toxicidade do clorpirifós. Ele reforça que, à primeira vista, o produto pode não “matar os insetos nessas concentrações ambientais, mas pode causar desorientação”. O problema é que, ao longo de anos, a exposição desses insetos aos agrotóxicos é bioacumulativa, o que significa dizer que as substâncias vão aumentando nos organismos e podem levar à extinção. 

Um estudo publicado na revista Environmental Science and Pollution Research revelou que o clorpirifós afeta a capacidade de locomoção de uma larva muito comum em regiões de alta montanha. A substância provoca forte estresse nesses insetos, fazendo com que eles precisem gastar toda a energia tentando combater o mal-estar. Assim, a sua capacidade de deslocamento fica comprometida. 

Outro levantamento, publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health, indica que esse inseticida pode influenciar alterações na população de fungos, bactérias e actinomicetos no solo e inibir a mineralização de nitrogênio. Segundo o documento, apenas 1% do clorpirifós aplicado atinge a planta-alvo: o restante penetra no solo. A pesquisa também destaca que esse agrotóxico é facilmente solúvel na água. 

Luiz Cláudio Meirelles, pesquisador em Saúde Pública do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, afirma que as análises de contaminação da vigilância ambiental são pontuais. “Na área ambiental, eu desconheço programas em âmbito nacional que estejam acontecendo. O que você vai encontrar é o que vimos agora: uma pesquisa da UFRJ, que investiga lá por um período e pronto. O ideal é que se fizesse um monitoramento contínuo, já que esta é a única maneira de fazer o enfrentamento com as empresas que atuam nesse campo”, pondera. 

“Visivelmente ninguém adoece de repente, a não ser aquele agricultor que recebeu uma carga, uma dose alta de veneno num determinado momento da aplicação, mas a gente está preocupado com a questão crônica.” Em resumo, os efeitos a longo prazo são ignorados. 

Para se ter uma ideia, o incentivo ao uso de agrotóxicos no Brasil iniciou na década de 60 e ganhou ênfase nos anos 70, no embalo da “Revolução Verde”. Contudo, apenas em 2012 foi criada a Política Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos (PNVSPA). Essa iniciativa tem o objetivo de proteger as populações dos riscos e danos provocados pelos agrotóxicos. Esse descompasso, representado por esse hiato de mais de meio século, perdura. 

O serviço de Vigilância no Brasil hoje se divide em três: sanitária, ambiental e saúde do trabalhador. Cabe à vigilância ambiental monitorar e avaliar o impacto do meio ambiente à saúde, aferindo, por exemplo, a qualidade do ar e da água, e os efeitos de queimadas e mudanças climáticas. Suas atuações, segundo fontes ouvidas pela reportagem, são tímidas e não acompanham o ritmo de liberação de pesticidas. 

Embora a administração das unidades de conservação federais, como os parques nacionais de Itatiaia e da Serra dos Órgãos, seja responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a fiscalização e o controle do uso de agrotóxicos são compartilhados entre três órgãos federais: o Ibama, o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e a Anvisa. 

Cada um desses órgãos atua sobre um eixo específico: o Ibama é responsável pelos impactos ambientais, o MAPA supervisiona o uso agronômico e a Anvisa avalia os riscos à saúde humana. Apesar dessa divisão, a presença de pesticidas em áreas de preservação mostra que, na prática, os mecanismos de controle são insuficientes para impedir que essas substâncias atinjam ecossistemas que deveriam estar protegidos. 

Durante a apuração desta reportagem, todos os órgãos foram procurados. Mas o que se evidenciou foi uma espécie de jogo de empurra. O Ibama encaminhou o questionamento ao ICMBio; e a Anvisa, por sua vez, sugeriu consulta ao Ibama e ao Ministério da Saúde. Em comum, as respostas mostram que a vigilância ambiental sobre a presença de agrotóxicos em áreas protegidas é um tema sem resposta clara — embora as próprias fontes científicas ouvidas pela reportagem alertem para a gravidade do problema. 

O que fica evidente é que a maneira como os agrotóxicos são aprovados no Brasil — a toque de caixa — e a ausência de reavaliações periódicas com base em novos estudos internacionais ampliam ainda mais a vulnerabilidade ambiental e sanitária. Como explicou o pesquisador Cláudio Parente, muitos pesticidas são liberados sem que existam avaliações suficientes sobre seus impactos ecológicos e toxicológicos. 

Posteriormente, novos estudos, especialmente na União Europeia, demonstram a periculosidade dessas substâncias, levando ao seu banimento — algo que não encontra eco no processo regulatório brasileiro. Mesmo quando reavaliações são feitas, opta-se frequentemente por manter o registro desses compostos. A contaminação de áreas consideradas intocadas apenas escancara as consequências dessa política permissiva. 

Raio-X do Clorpirifós 

O clorpirifós é um pesticida muito utilizado. Em 2023, foram comercializadas 6.442 toneladas deste produto no Brasil — mesmo banido em 2020 da Europa e, no ano seguinte, dos Estados Unidos. Nunca é demais destacar que esse último país ostentava até 2007 o posto que, hoje, pertence ao Brasil: maior consumidor de agrotóxicos do mundo. 

Há 24 produtos contendo clorpirifós com uso autorizado no Brasil. Segundo as Monografias autorizadas da Anvisa, o seu uso é comum em cultivos como algodão, amendoim, ervilha, feijão, lentilha, milho, entre outros. Um conjunto de evidências científicas aponta que a exposição humana ao clorpirifós pode estar associada a câncer no cérebro, câncer colorretal, leucemia, sarcoma de tecidos moles, câncer de pulmão, mal de Alzheimer, mal de Parkinson, asma, respiração com ruído, infertilidade, malformações congênitas, disfunções sexuais, desordem do déficit de atenção e hiperatividade, autismo, atrasos no desenvolvimento, intoxicações agudas severas e neurotoxicidade. 

Foram justamente esses estudos que levaram ao banimento em países do Norte. Aqui, em 2021, a Anvisa lançou um edital para revisão do clorpirifós, mas o produto segue sendo utilizado. Claudio Parente frisa que o “Brasil deveria ter um sistema regulatório [de agrotóxicos] mais conservador” – em outras palavras, produtos aprovados há muito tempo, mas banidos na Europa com base em novos estudos, deveriam ser reavaliados com rigor. 

Na contramão do que anseia Parente, a aprovação de agrotóxicos no Brasil segue galopante. As flexibilizações adotadas durante o governo Bolsonaro, que levaram à aprovação recorde de 2.182 substâncias, quase 2,5 produtos por dia, no período entre 2019 e 2022, foram mantidas e turbinadas com a aprovação do PL 1459, o famigerado PL do Veneno. 

Segundo Karen Friedrich, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a aprovação “alucinada” de produtos tem base em resoluções infralegais instituídas durante a gestão anterior. “A liberação comercial que se sustenta no governo Lula é resultado daquelas aprovações do governo anterior, mas também do fato de o atual não ter enfrentado e derrubado essas normativas”, afirma. 

Friedrich lembra que muitas dessas resoluções, editadas por Anvisa e MAPA, continuam vigentes e dão respaldo jurídico à liberação de substâncias com alto potencial tóxico. “Hoje é possível registrar produtos mais tóxicos do que a gente já tem registrado, quer dizer, abre-se o mercado brasileiro para produtos com maior potencial cancerígeno, por exemplo”, alerta. 

Em 2023, foram aprovados 557 novos produtos agrotóxicos no Brasil. Em 2024, o número subiu para 664. Em 46% dessas novas autorizações, há pelo menos um ingrediente ativo já banido na União Europeia. A doutora em Ciências e professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Sônia Hess, explica que todo esse agrotóxico aprovado em ritmo frenético é aplicado em apenas quatro culturas. 

“Um total de 79% dos agrotóxicos do Brasil vai parar em apenas quatro culturas: 52% na soja, 10% no milho, 10% na cana e 7% no algodão. Quando dizem que o agro mata fome, é mentira. Pois o humano não come soja, não come milho, isso aí tudo são commodities”, resume. 

O cenário dos agrotóxicos ganha, ainda, uma peculiaridade: oito de cada dez produtos aprovados no Brasil nos últimos dois anos têm ao menos um ingrediente ativo produzido pela indústria chinesa. “A nossa dependência da China é visceral, tanto para comprar deles quanto para vender para eles”, resume Hess. 

O climatologista Carlos Nobre explica que o recorde de mudanças climáticas no Brasil, nos últimos anos, tem como uma de suas características “o aquecimento dos oceanos, que jogam mais energia na atmosfera”, tornando todos os comportamentos climáticos, como chuvas, seca ou rajadas de vento, mais intensos. “Então, uma das possibilidades concretas é de que essas rajadas de vento, mais fortes e duradouras, possam ter transportado essas substâncias para áreas tão distantes”, explica Nobre. 

Ainda segundo o pesquisador, os incêndios, que atingiram grande parte dos biomas brasileiros, também podem contribuir para que essas substâncias acessem áreas intocadas. “[Os incêndios] podem aumentar muito a temperatura, fazer esse calor subir, provocando rajadas de vento, que fazem esse transporte para longas distâncias e vários níveis de altitude”, detalha. O cenário acrescenta uma nuance aos muitos desafios já enfrentados para o controle dos agrotóxicos no Brasil.



Por: Adriana Amâncio e Mariana Rosetti. Fonte: O Joio e O Trigo.

Como o Resíduo Tóxico do Jeans Pode Virar Biofortificante


Startup pernambucana criou maneira de diminuir impacto ambiental do processo de lavagem das peças. 

Formada por três mulheres, a Germini desenvolveu uma solução para diminuir o impacto ambiental do resíduo têxtil da lavagem do jeans. A startup, incubada no Parque TeC da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), transforma o “lodo” tóxico em biofortificante. Em um laboratório, o que sai das lavanderias vira cápsulas ricas em carbono que envolvem sementes e podem ser usadas para melhorar os resultados da agricultura. 

Esse lodo residual da lavagem das peças contém fibras sintéticas e naturais, que podem ser do algodão ou até mesmo do poliéster. Quando sai das lavanderias, o material está bastante úmido e então segue para um processo de secagem no laboratório utilizado pela Germini, no Departamento de Química Fundamental da universidade. Depois de seco, ele passa por tratamento para retirar as impurezas e, em seguida, vai para um processo chamado síntese térmica, em que será aquecido a altas temperaturas. 

A síntese térmica quebra as fibras, gerando um material extremamente rico em carbono. O produto final são nanopartículas de carbono transformadas em biofortificante. A última etapa é deixar esse material gelatinoso para que ele envolva sementes, como a de feijão, aumentando a velocidade e a taxa de germinação ao fornecer nutrientes e reter água, o que é bom para a agricultura em regiões mais áridas. 

De acordo com a CEO da startup, Jéssica Vasconselos, os experimentos já permitiram diminuir o tempo de germinação em até dois dias. Se uma semente leva, por exemplo, quatro dias para germinar, com o biofortificante ela germina em dois dias. 

O processo de lavagem de um dos itens mais básicos do guarda-roupa brasileiro — necessário para tingir as peças — é bastante poluente. O despejo do lodo no esgoto ou até mesmo diretamente no rio pode causar prejuízo ao solo, à água, aos animais e às plantas. 

O agreste pernambucano tem mais de 800 lavanderias, nem metade delas trata a água da lavagem do jeans. Já o descarte dos resíduos têxteis, mesmo feito legalmente, é por si só prejudicial ao meio ambiente, pois tem como destino os aterros sanitários. Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e Caruaru são os três principais municípios dos 11 que compõem o Polo Têxtil do Estado, um dos mais importantes do país. 

A Germini tem uma parceria com a lavanderia Nossa Senhora do Carmo, em Caruaru. Por ora, as empreendedoras têm capacidade para processar até 10 quilos de lodo têxtil por vez. “A ideia é conseguir expandir para mais lavanderias a gente tenha estrutura para comportar a demanda que existe”, Jéssica. “O plano é conseguir mais fomento para que a gente consiga crescer e realmente chegar ao mercado”, planeja. 

A ideia da Germini surgiu em 2022 durante a cadeira multidisciplinar Projeto de Inovação, conhecida na UFPE como “Projetão”, que reúne estudantes de diversos cursos. O objetivo da disciplina era encontrar uma saída que envolvesse tecnologia para resolver um problema ligado aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). 

Jéssica tem mais duas sócias, todas egressas da graduação: Tatiane Marques é administradora e Eneri Melo, engenheira da computação e técnica em química. Os mentores são os professores Severino Alves e João Bosco Paraíso da Silva. Elas estão finalizando uma etapa de testes em campo na universidade e, depois, vão partir para os testes diretamente com agricultores. 

Além do resíduo têxtil, a Germini consegue trabalhar com resíduos de qualquer setor, desde que seja matéria orgânica. “Temos capacidade para atuar, por exemplo, com a indústria alimentícia e usinas de cana-de-açúcar”, cita Jéssica.



Por: Raíssa Ebrahim. Fonte: Marco Zero.

Por Que Alergias Estão Ficando Piores Com Mudanças Climáticas?


O aumento das temperaturas globais faz com que o pólen das plantas fique suspenso no ar em maior quantidade e por mais tempo, aumentando os casos de alergia. 

Sempre podemos observar as tempestades, mas não conseguimos ver o que acontece dentro delas. 

Durante a formação da tormenta, trilhões de partículas de pólen são sugadas para as nuvens. E, quando ela acontece, a chuva, os raios e a umidade dividem todo esse pólen em fragmentos cada vez menores, que são lançados para a Terra e atingem o sistema respiratório das pessoas. 

No dia 21 de novembro de 2016, por volta das seis horas da tarde, o ar adquiriu características mortais em Melbourne, na Austrália. 

Os telefones de emergência começaram a tocar. Pessoas com dificuldade de respirar começaram a procurar os hospitais em grandes números. A demanda por ambulâncias foi tão grande que os veículos não conseguiam retirar as pessoas imobilizadas em suas casas. 

Os serviços de pronto atendimento atenderam oito vezes mais pessoas com problemas respiratórios do que o normal. E as internações hospitalares de pessoas asmáticas foram cerca de 10 vezes mais altas do que o habitual. 

Ao todo, 10 pessoas morreram, incluindo uma estudante de direito com 20 anos de idade, que morreu no gramado de casa, aguardando a ambulância, enquanto sua família tentava ressuscitá-la. 

Um sobrevivente contou que respirava normalmente e, em questão de 30 minutos, ficou ofegante em busca de ar. "Foi absurdo", declarou ele aos repórteres, no seu leito hospitalar. 

O professor e cientista especializado em saúde ambiental Paul Beggs, da Universidade Macquarie em Sydney, na Austrália, relembra bem o incidente.

"Foi um evento de massa absoluto. Sem precedentes. Catastrófico", descreve ele. "As pessoas em Melbourne, os médicos, enfermeiros e as pessoas nas farmácias – ninguém sabia o que estava acontecendo." 

Logo ficou claro que aquele foi um caso massivo de "asma de tempestade". Ela ocorre quando certos tipos de tempestades decompõem as partículas de pólen no ar, liberando proteínas e as lançando sobre as pessoas sobre a superfície, sem que elas saibam. 

Essas proteínas dispersas de forma generalizada podem causar reações alérgicas em algumas pessoas, mesmo as que não sofreram de asma anteriormente. 

Eventos como a asma de tempestade que atingiu Melbourne são um exemplo extremo de como o pólen das plantas e as alergias que ele causa são dramaticamente alterados pelas mudanças climáticas. 

Com o aumento das temperaturas, muitas regiões (especialmente os Estados Unidos, a Europa e a Austrália) vêm observando que as alergias sazonais, agora, afetam uma parcela maior da população, por períodos mais longos e com sintomas mais graves, segundo os cientistas. 

Neste ano, previsões indicam que os níveis de pólen em 39 Estados americanos ficarão acima da média histórica da estação. E os especialistas alertam que esta situação provavelmente só irá se agravar nos próximos anos. 

O pólen é uma parte essencial e onipresente do nosso mundo. Suas partículas microscópicas passam por entre as plantas e permitem a sua reprodução. 

Enquanto algumas plantas espalham seu pólen com a ajuda dos insetos, outras dependem do vento. Elas emitem imensas quantidades da substância em pó pelo ar. 

Muitas espécies de árvores, gramas e ervas dependem da dispersão do pólen pelo vento. São estas as maiores causadoras das alergias sazonais – a chamada febre do feno. 

A alergia ocorre quando o nosso sistema imunológico, por erro, identifica o pólen como uma substância nociva. Ele, então, aciona uma reação normalmente reservada para vírus ou bactérias patogênicas. Os sintomas comuns podem incluir coriza, irritação nos olhos e espirros. 

Em alguns casos, as alergias sazonais podem causar dificuldades respiratórias. Isso ocorre quando a inflamação das vias aéreas causa inchaço, o que dificulta a chegada de ar suficiente aos pulmões. 

Melbourne passou a ser o infeliz epicentro da asma de tempestade. Foram sete eventos significativos registrados desde 1984. 

Mas incidentes similares já ocorreram em todo o mundo, desde Birmingham, no Reino Unido, até Atlanta, no Estado americano da Geórgia. 

Estes eventos ainda são raros, mas as mudanças climáticas podem estar aumentando a probabilidade de incidência da asma de tempestade. 

Um dos motivos é o aumento da temporada do pólen, além da maior frequência dos eventos climáticos extremos, incluindo as tempestades. 

Não é possível determinar a influência exata das mudanças climáticas sobre o caso de asma de tempestade de 2016 em Melbourne. Mas Beggs tem "razoável certeza" de que houve algum impacto. 

"Sabemos que as mudanças climáticas geram aumento da quantidade de pólen na atmosfera", explica ele. "Elas estão mudando a sazonalidade do pólen. Estão alterando os tipos de pólen a que somos expostos." 

Beggs pesquisa extensamente a asma de tempestade e publicou um estudo em 2024, examinando as relações entre este fenômeno e as mudanças climáticas. 

As tempestades alimentam o pólen 

Ainda não conhecemos a forma exata em que as tempestades ativam ou exacerbam a asma. 

A principal teoria é que as correntes de ar frio descendentes que ocorrem nos sistemas meteorológicos durante as tempestades geram fortes ventos cruzados que sopram na superfície, carregando os grãos de pólen e esporos fúngicos das gramas e de outras plantas. 

Eles são levados para grandes altitudes pelas correntes de ar ascendentes, até o sistema de tempestade. Lá chegando, a umidade das nuvens faz com que eles se expandam e se dividam em fragmentos menores, aumentando massivamente a quantidade de partículas alergênicas no ar. 

O forte campo elétrico que se desenvolve durante as tempestades também pode intensificar a desintegração do pólen. 

Quando os ventos cruzados frios transportam os fragmentos de pólen de volta para a superfície da Terra, o menor tamanho das partículas facilita sua entrada nas vias respiratórias. 

Estudos do fenômeno indicam que os níveis de pólen parecem atingir seu pico nos primeiros 20-30 minutos de tempestade. E o pólen parece afetar particularmente os mais jovens. 

O aumento da temporada de pólen 

Felizmente, os grandes eventos de asma de tempestade ainda são raros. Mas as mudanças climáticas estão aumentando o risco de exposição das pessoas ao pólen por outras vias. 

De um lado, o aumento das temperaturas significa que as temporadas de pólen – a época do ano em que as plantas emitem as partículas, tipicamente na primavera e no verão – agora começam mais cedo e duram mais tempo, segundo a cientista de saúde pública Elaine Fuertes. Ela é especialista em meio ambiente e doenças alérgicas do Instituto Nacional do Pulmão e Coração do Imperial College, no Reino Unido. 

"Você terá pessoas apresentando sintomas mais cedo ao longo do ano, por um período de tempo maior", explica ela. 

Em algumas partes do mundo, como a Europa e os Estados Unidos, um dos principais culpados é a ambrósia, um vasto grupo de plantas produtoras de flores, que muitas pessoas consideram ervas daninhas. 

Existem diversas espécies de ambrósia espalhadas pelo mundo, que podem produzir quantidades alucinantes de pólen. Uma única planta é capaz de emitir um bilhão de grãos de pólen. 

A ambrósia cresce nos jardins e nas fazendas, além de cantos e fendas nos ambientes urbanos. E as alergias causadas pelo pólen da ambrósia já afetam cerca de 50 milhões de pessoas, somente nos Estados Unidos. 

Um estudo analisou dados de 11 locais na América do Norte entre 1995 e 2015 e concluiu que 10 deles apresentam temporadas mais longas de pólen de ambrósia – alguns deles, muito mais longas. 

Naquele período de 20 anos, a temporada aumentou em 25 dias em Winnipeg (Manitoba, Canadá), 21 dias em Fargo (Dakota do Norte, EUA) e 18 dias em Mineápolis (Minnesota, EUA). 

"O inverno se aquece, a primavera começa mais cedo e o outono se atrasa. Por isso, o tempo que você passa em ambiente externo, em contato com o pólen alérgico, certamente está aumentando", afirma o professor de ciências da saúde ambiental Lewis Ziska, da Universidade Columbia em Nova York, nos Estados Unidos. Ele participou dos estudos sobre a temporada do pólen de ambrósia. 

Estas mudanças são mais drásticas no norte da América do Norte, Europa e Ásia, segundo Ziska, além da Austrália e do sul da África e da América do Sul. E, se não houver reduções imediatas das emissões de gases do efeito estufa, o efeito provavelmente só irá se agravar. 

Um estudo de 2022, por exemplo, estimou que, até o final do século, as temporadas de pólen irão começar até 40 dias antes e terminar até 15 dias depois do período atual. Isso potencialmente indica que haverá dois meses a mais de sintomas por ano, entre as pessoas que sofrem da febre do feno. 

Mas não é apenas o tempo de exposição das pessoas aos alérgenos que está aumentando. A quantidade de alérgenos no ar também está crescendo em muitas partes do planeta. 

Nos anos 2000, a temporada do pólen na área continental dos Estados Unidos começou três dias antes do verificado na década de 1990. E a quantidade de pólen no ar também foi 46% maior. 

Isso ocorreu, em parte, porque os níveis de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera estão aumentando, devido às emissões causadas pelas atividades humanas. E muitas das plantas que causam maior prejuízo para as pessoas que sofrem da febre do feno se multiplicam na presença de CO₂. 

Em um estudo, pesquisadores cultivaram um certo tipo de grama sob diferentes concentrações de CO₂. 

Eles concluíram que as flores de plantas cultivadas em atmosfera contendo 800 partes por milhão (ppm) de CO₂ produziram cerca de 50% mais pólen do que aquelas cultivadas em ar contendo 400 ppm (o nível atual de CO₂ na atmosfera da Terra). 

De forma similar, outros cientistas também testaram o cultivo de diferentes tipos de carvalho, cujo pólen costuma causar febre do feno em países como a Coreia do Sul. 

Em um cenário de 720 ppm de CO₂, eles concluíram que cada carvalho apresenta contagem média de pólen 13 vezes maior do que as árvores expostas a 400 ppm. E, mesmo a 560 ppm, a produção de pólen foi 3,5 vezes maior do que os níveis atuais. 

Espécies invasoras 

Ziska é o autor do livro Greenhouse Planet ("Planeta estufa", em tradução livre), publicado em 2022. Ele realizou experimentos similares com a ambrósia e seus resultados confirmam os de outros pesquisadores. 

"Sempre que aumentamos o dióxido de carbono, a ambrósia reage", ele conta. "Ela cresce mais. Ela produz mais pólen." 

"E houve algumas evidências de que ela produz uma forma mais alergênica do pólen, que pode induzir nosso sistema imunológico a reagir ainda mais que no passado", segundo Ziska. 

A difusão de espécies invasoras em outras partes do mundo também aciona reações alérgicas em outras populações humanas. A ambrósia, por exemplo, é originária da América do Norte, mas ela se espalhou pela Europa, Austrália, Ásia e América do Sul. 

Atualmente, cerca de 60% das pessoas da Hungria, 20% da Dinamarca e 15% da Holanda já manifestam sensibilidade ao pólen deste prolífico grupo de plantas. 

Isso é especialmente preocupante porque se estima que, até 2050, a concentração de pólen de ambrósia no ar seja cerca de quatro vezes maior do que a atual. 

Até mesmo em partes da Europa onde o pólen de ambrósia é virtualmente ausente hoje em dia, como o sul do Reino Unido e a Alemanha, "os níveis de pólen passam a ser substanciais", em cenários climáticos moderados ou mais altos, segundo os pesquisadores no estudo de 2015. 

Os cientistas indicam que cerca de um terço do aumento se deve à contínua expansão das espécies invasoras. Os dois terços restantes são especificamente causados pelas mudanças climáticas, incluindo a extensão da temporada de crescimento, com o aumento das temperaturas. 

"Será, portanto, uma temporada mais longa, que começa mais cedo e mais intensa para quem sofre de sintomas alérgicos", explica Fuertes, "e, com isso, aumenta o risco de nova sensibilização para populações anteriormente não expostas." 

Nem todas as regiões do mundo observarão aumento da produção de pólen. 

Alguns pesquisadores concluíram, por exemplo, que o sul da Califórnia irá enfrentar temporadas de pólen que começarão mais cedo, mas serão menos produtivas. O motivo, em grande parte, é a redução das chuvas. 

Mas estas previsões não consideram todos os possíveis efeitos das mudanças climáticas sobre os alérgenos suspensos no ar. 

Pode também haver, por exemplo, consequências à saúde devido à maior probabilidade de incêndios florestais, o que aumenta o risco dos sintomas de asma e alergia. 

Em termos relativos, Fuertes indica que a quantidade de pólen suspensa no ar ainda irá variar de um ano para outro. Mas isso pode não auxiliar muito as pessoas que sofrem da febre do feno. 

"Quando você tem sensibilidade e desenvolve sintomas alérgicos, provavelmente irá apresentar sintomas nos anos em que os níveis de pólen estejam abaixo da média", explica ela. "Você irá reagir ao pólen que está à sua volta." 

O que as pessoas podem fazer a respeito?

Reduzir as emissões de carbono ajudaria a evitar alguns dos impactos climáticos mais sérios e outras estratégias também poderão reduzir o problema. E talvez também seja possível fazer intervenções diretas mais drásticas. 

Um século atrás, algumas cidades americanas chegaram a formar comitês para combater a ambrósia. "Chicago emprega 1.350 pessoas no combate à febre do feno", anuncia uma manchete de 1932. 

A reportagem explica que os homens, antes desempregados devido à Grande Depressão, recebiam o equivalente a uma semana de alimentação e moradia (e "25 centavos em dinheiro") por dia passado cortando a planta. 

A medida pode parecer curiosa, mas fez diferença. Um estudo de 1956 sobre a Operação Ambrósia na cidade de Nova York estimou que o corte das plantas pela multidão reduziu a produção de pólen em cerca de 50%. 

Atualmente, podemos encontrar ações coordenadas em andamento na Europa. 

Em Berlim, na Alemanha, trabalhadores foram destacados para encontrar e eliminar a ambrósia em toda a cidade. Já a Suíça proibiu a importação ou venda da planta em 2024 e formou grupos de voluntários para patrulhar os parques públicos para arrancá-la. 

Outras soluções exigem design urbano mais inteligente. 

"Precisamos definitivamente tornar nossas cidades verdes", afirma Elaine Fuertes. "Mas precisamos fazer isso criteriosamente." 

O plantio de espécies exóticas, por exemplo, pode causar novas alergias. 

O chamado "sexismo botânico" – a escolha de árvores machos produtoras de pólen em algumas espécies, em vez das fêmeas produtoras de frutos e sementes, de manejo complicado – também pode aumentar os níveis de pólen em áreas urbanas. Mas estudos demonstraram que o efeito deste viés é relativamente pequeno em grandes cidades, como Nova York. 

Também é importante monitorar e prever os níveis de pólen, segundo os cientistas. 

"Precisamos saber o que estamos respirando", explica Paul Beggs. "É algo bastante fundamental em termos da nossa saúde." 

Ele destaca que a maioria das pessoas sabe que pode conseguir informações válidas, confiáveis e em tempo real sobre índices como a temperatura ou os níveis de chuva na sua região. Mas relativamente poucos podem dizer o mesmo sobre os alérgenos suspensos no ar. 

Mas mesmo os serviços que apresentam modelos de contagem de pólen de forma abrangente e detalhada, como o Instituto Meteorológico Finlandês, não monitoram nem elaboram modelos dos níveis de alérgenos suspensos no ar com mais precisão. Afinal, cada grão de pólen pode liberar diferentes quantidades de alérgenos, que podem variar de acordo com as condições meteorológicas. 

Fuertes destaca que esta é uma medição diferente, mais relacionada aos sintomas alérgicos. 

"Ninguém mede os níveis de alérgenos regularmente", afirma ela. "Nós deveríamos estar desenvolvendo isso." 

De forma geral, os especialistas afirmam que a ciência é clara. Sem ações concretas e coordenadas, as mudanças climáticas continuarão a agravar a febre do feno em muitas regiões do planeta. 

Isso poderá incluir eventos mortais mais dramáticos, como a asma de tempestade. Mas também pode significar mais pessoas fungando e sofrendo, por mais tempo, todos os anos. 

"Temos, agora, os estudos que demonstram os impactos sobre a saúde humana", afirma Beggs. "E ainda há mais vindo por aí."



Por: Amanda Ruggeri. Fonte: BBC Future.