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A Batalha da Energia Solar Contra O Gás de Xisto

O setor de energia fotovoltaica, que ainda está engatinhando no Brasil e esbarra em entraves simples como a falta de uma regulamentação apropriada, desconhecimento da tecnologia por potenciais clientes e agentes financeiros locais, entre outros, tem pela frente desafios adicionais em consequências de duas grandes transformações que estão sacudindo o mercado de energia de todo o mundo: a alta competitividade do gás de xisto e o prolongamento da crise econômica na Europa.

Ambos trazem desafios, mas também oportunidades interessantes para a produção de energia a partir da luz do sol. Contudo, para enfrentar essas questões é preciso, sobretudo, vontade política.

Um dos países com maior irradiação solar do mundo, o Brasil não tem aproveitado essa característica natural favorável de maneira eficiente e tão pouco tem se planejado para explorar essa vantagem competitiva. A geração de energia solar se resume a 3,5 MW (dados de dezembro 2012), o que, porcentualmente, representa próximo de 0% da nossa matriz.

O Plano Decenal de Expansão de Energia 2012-2021, desenvolvido pela Empresa de Planejamento Energético (EPE), praticamente não considera essa fonte renovável de energia. A explicação é que o plano somente considera tecnologias em uso comercial e já estabelecidas no País. Assim foi com a energia eólica, quando a mesma não constava nos prognósticos e hoje ocupa espaço importante e cada vez mais competitivo na matriz nacional.

Esse método, se por um lado busca ser conservador nos prognósticos, por outro peca por não proporcionar aos tomadores de decisão uma visão clara que possibilite o desenvolvimento de políticas visando a atração das indústrias por trás dessa tecnologia para o País, como ocorreu com a energia eólica.

A energia solar no território brasileiro tem elevado potencial para sua conversão em energia elétrica, com irradiação global média anual entre 1.200 e 2.400 kWh/m²/ano, significativamente superior à media dos países europeus. Para efeito de comparação, nos países da Europa que mais exploram esta fonte, como Alemanha e Espanha, os valores variam, respectivamente, nas faixas 900-1.250 e 1.200-1.850 kWh/m²/ano.

Com a crise econômica que vem castigando a Europa, o maior mercado de energia solar do mundo, empresas fornecedoras de equipamentos para geração fotovoltaica passaram a procurar novos mercados para investir. Desde cedo a China incentivou a criação de indústrias fotovoltaicas atraídas por sua condição favorável na redução de custos de produção e também por incentivar a criação de um mercado fotovoltaico naquele país, passando a ocupar o posto de maior fabricante desses equipamentos.

Com grande potencial de irradiação solar, o Brasil desponta como uma possibilidade de atração dessa indústria. Todavia, impasses, devido principalmente à falta de incentivos apropriados, podem fazer o País perder a hora certa de agir, principalmente nesse momento onde as indústrias buscam novos mercados na falta de seu mercado tradicional, qual seja, a Europa.

É necessário melhorar o marco regulatório e o cenário jurídico para permitir a inserção de fato da energia fotovoltaica na matriz brasileira. A resolução 482, publicada em abril de 2012 pela Aneel, da forma como está, ainda não foi suficiente para fortalecer o setor de maneira apropriada.

Existem ainda incertezas operacionais na implantação desse novo modelo de geração distribuída de energia; o sistema de compensação de energia excedente vis a vis energia consumida pode ser substancialmente melhorado; entre outros fatores.

Uma das grandes vantagens da energia fotovoltaica é que a mesma pode ser implementada de forma descentralizada. Isto é, uma casa, comércio ou indústria pode gerar sua própria energia, evitando gastos e desperdícios com transmissão, por exemplo.

Esse modelo representa uma potencial revolução no modelo atual praticado pelas empresas de energia, baseado em sistemas centralizados e linhas de distribuição. A energia fotovoltaica permite que cada consumidor possa ter outro papel que não só de consumidor, mas também de gerador de energia. Recentemente um relatório do “Edison Electric Institute” (www.eei.org) discutiu em profundidade essa revolução no modelo em prática. Nesse sentido, o país ou companhia que não evoluir ficará preso no tempo e terá prejuízos.

Mesmo a possibilidade de que, no futuro próximo, o Brasil venha a extrair gás de xisto não representa necessariamente uma ameaça ao desenvolvimento da energia fotovoltaica.
Nos Estados Unidos, o xisto vem reduzindo o preço do gás natural à indústria em mais de 60% desde 2008, o que tem aumentado a competitividade das empresas norte-americanas.

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As chances de o gás de xisto ser extraído no Brasil existem – já que aqui há reservas potenciais dele. Segundo dados da Agência Internacional de Energia (AIE), o Brasil ocupa a décima posição no ranking global que mede a quantidade de reservas recuperáveis de gás de xisto, com 6,4 trilhões de metros cúbicos.

Caso o País explore essas reservas, os investimentos em outras fontes de energia serão inevitavelmente afetados. Entretanto, isso não quer dizer que as outras fontes não serão desenvolvidas. Há espaço para todos. Assim como as fontes atuais de energia, o gás de xisto dependerá de transmissão e distribuição, portanto, ainda haverá possibilidades para fontes descentralizadas como a solar, sem falar nas questões ambientais e no impacto desse nas discussões do País em relação a compromissos internacionais de redução de emissão de gases de efeito estufa.

O cenário energético mundial e nacional passa por grandes transformações, que vão exigir dos países um posicionamento estratégico claro em relação às políticas de desenvolvimento do setor. Se por um lado, há possibilidades enormes para serem exploradas, como a atração de grandes fabricantes europeus e asiáticos de equipamentos, por outro, há desafios a serem enfrentados, como alternativas que coloquem em cheque a competitividade do setor fotovoltaico.

Estabelecer as condições apropriadas para incentivar a geração fotovoltaica através de um marco regulatório sólido e condições de baixo risco para os investidores é a chave para alavancar o uso de energia fotovoltaica no Brasil. E o primeiro passo para isso é vontade política.

Fonte: Revista Sustentabilidade. Por: Carlos Delpupo (Diretor da Consultoria KeyAssociados).


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