O mundo financeiro criou um nicho para seguros contra desastres climáticos e naturais, cada vez mais popular entre países afetados por estes fenômenos.
Os desastres ambientais são um bom negócio. Com o engenho que o caracteriza para a invenção de novos instrumentos de rentabilidade, o mundo financeiro criou um nicho para seguros contra desastres climáticos e naturais, cada vez mais popular entre países afetados por estes fenômenos. Os bônus CAT (Catastrophe bonds) são a principal estrela deste firmamento que também tem outros protagonistas como o derivado climático ou a hipoteca ambiental. Entre 2003 e 2013, foram emitidos cerca de US$ 40 bilhões de bônus CAT, dez vezes mais do que há uma década.
O negócio parece redondo. Os estados se protegem contra catástrofes que demandariam um investimento acima de suas possibilidades e os investidores cobram juros altíssimos frente a eventualidades que raramente ocorrem. Segundo a revista britânica The Economist, dos 200 bônus catástrofe emitidos desde os anos 90, só três terminaram com uma indenização. O acadêmico estadunidense Chris Williams, autor de Ecologia e Socialismo, indicou à revista Carta Maior três fatores que estão contribuindo para este boom dos seguros contra desastres naturais.
“Por um lado, a financeirização da economia mundial. Há 30 anos, as finanças constituíam cerca de 7% da economia. Hoje representam 25%. O capital busca cada vez mais sua rentabilidade não no setor produtivo, mas sim no financeiro-especulativo. A catástrofe ambiental lhe dá uma oportunidade perfeita pela crescente frequência de desastres naturais. Acrescente-se a isso os problemas orçamentários que muitos países experimentam, e o negócio está pronto”.
Williams dá o exemplo do bônus CAT emitido pelo serviço de transporte de sua própria cidade, a Rede de Transporte Público de Nova York (MTA), depois do furacão Sandy, em 2012. “Estamos vendo uma grande transferência de fundos públicos para o setor privado porque, quando olhamos a baixa frequência de pagamentos dos bônus devido às condições de pagamento e às exclusões, nos damos conta que os investidores terminam ganhando muito dinheiro. Por outro lado, há um forte risco financeiro se um furacão como Sandy se repetir e eles tiverem que pagar indenizações. As seguradoras e resseguradoras têm realmente os bilhões de dólares que tem que desembolsar num caso destes? É uma pergunta que ninguém quer fazer porque muitas dessas empresas estão tão endividadas, que ninguém sabe se teriam o dinheiro”.
Em fevereiro de 2014, o Escritório das Nações Unidas Para Redução do Risco de Desastres (UNISDR) encabeçou uma missão ante o congresso filipino para promover o Philippine Risk and Insurance Scheme for Municipalities, depois que o super tufão Haiyan deixou mais de seis mil mortos e um milhão e meio de habitações destruídas ou danificadas. “As Filipinas têm cerca de 20 tufões por ano. O que precisamos é de um esquema simples que possa fornecer proteção às municipalidades antes da próxima temporada”, justificou Margareta Wahlström, diretora do UNISDR.
Os danos materiais do tufão Haiyan rondam a casa dos 13 bilhões de dólares, soma astronômica para um país com as características das Filipinas. Se o impacto dos desastres naturais é um golpe para os países ricos, pode ser devastador para nações em desenvolvimento ou pobres como o Haiti. O menu de opções dos estados é reduzido: a assistência internacional, o endividamento e o aumento de impostos (que exigem tempo), ou os fundos que tenham sido previstos no orçamento para este propósito.
Estes fundos são previstos para eventos de baixa ou média intensidade, mas não para grandes tragédias, já que os estados não podem congelar enormes somas que limitariam outras demandas orçamentárias (educação, saúde, segurança, etc.) em função de fatos hipotéticos (terremoto, inundação, tsunami, etc.). Daí que, com frequência, se revelam insuficientes. Em 1996, o México criou um fundo para desastres naturais chamado Fonden (Fundo de Desastres Naturais) que fez água em 2010 quando o país teve que enfrentar desastres naturais em 18 dos 31 estados e em 850 dos 2.500 municípios.
Neste sentido, perguntou Carta Maior a Williams, os seguros não representam uma solução. Ou seja, ganham dinheiro, mas se expõem e, em caso de tragédia, oferecem uma saída a estados com recursos que, por definição, são finitos. Ele respondeu:
“Esse é precisamente o argumento que utilizam. Mas a realidade é que este seguro termina desviando o investimento que necessitamos fazer para evitar que a catástrofe ocorra, em primeiro lugar. O seguro instala a ideia de que estamos protegidos e, portanto, não é preciso gastar em prevenção. Além disso, se tomamos o exemplo do MTA em Nova York, uma das razões pelas quais ocorreram tantos cortes orçamentários nos últimos tempos é porque estão pagando dívidas feitas com o setor privado. De modo que o MTA está pagando esta dívida com recursos de sua própria receita de bilheteria, o que o limita para fazer as tarefas de prevenção requeridas”.
Segundo um recente informe publicado pelo New England Journal of Medicine, o número de desastres naturais triplicou entre 2000 e 2009, em comparação com a década 1980-89. Nas últimas duas décadas, cerca de 217 milhões de pessoas foram afetadas a cada ano por desastres naturais.
Em outras palavras, questionou a Carta Maior, a tendência é de um aumento deste tipo de eventos em um contexto econômico internacional complicado. Não é inevitável que siga este boom dos bônus CAT e de novas variantes deles para fenômenos ambientais?
“É a tendência. Quando se emitiu o bônus para o MTA houve um excesso de interessados. Estamos falando de um mercado que nos últimos três ou quatro anos se converteu em um negócio multimilionário. Este crescimento é intensificado pelos problemas fiscais. Mas, para além desse quadro, a questão é saber como vamos lidar com esses fenômenos no médio e no longo prazo. Faltam soluções sistêmicas. Esta não é uma mera questão tecnológica nem vai ser solucionada por meio do mercado ou de uma maior consciência individual. Necessitamos de uma alternativa ao atual sistema de produção e distribuição para conseguir uma solução duradoura e sustentável.
Fonte: Carta Maior. Por: Marcelo Justo.
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