Para evitar alto custo econômico e ambiental, países adotam rigor contra desperdício de alimentos. Por todo o mundo, o desperdício de alimentos é cada vez mais visto como um assunto econômico e ambiental sério. Com muitas famílias com orçamento apertado e a população mundial crescendo a cada ano, há uma crescente conscientização dos recursos desperdiçados na produção de alimentos que nunca são comidos. Empresas, governos e ativistas estão trabalhando para que mais do que é cultivado chegue às mesas, e menos às latas de lixo.
A ONU estima que um terço de todo o alimento produzido no mundo nunca é consumido, o que gera um total de cerca de 1,3 bilhão de toneladas de lixo por ano. Apenas nos Estados Unidos, cerca de 40% de todos os alimentos, no valor estimado de US$ 165 bilhões, são jogados fora, informou o Conselho de Defesa dos Recursos Naturais em 2012.
No mundo desenvolvido, os alimentos descartados por varejistas e consumidores seriam mais que suficientes para alimentar os 870 milhões de pessoas com fome do mundo, disse José Graziano da Silva, diretor geral da Organização das Nações Unidas Para a Agricultura e Alimentação (FAO), no ano passado, ao apresentar a campanha antidesperdício Pense, Coma, Economize, que a organização promove em conjunto com o Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente (PNUMA).
No Reino Unido, que conta com os dados mais abrangentes disponíveis sobre alimentos descartados, cada família joga fora, em média, 700 libras, ou US$ 1.170 , em alimentos por ano.
"Se você olhar para a história humana, fora os muito ricos, as famílias sempre aproveitavam ao máximo a comida", disse Richard Swannell, diretor de sistemas sustentáveis de alimentos do Programa de Ação Para Recursos e Desperdício, ou Wrap (na sigla em inglês), a organização britânica antidesperdício que compilou o número. "À medida que ficamos mais prósperos, nós deixamos de nos preocupar com isso."
As consequências ambientais do desperdício são enormes, dizem os especialistas, com vastas quantidades de água, fertilizantes e terras usadas para produção de alimentos que nunca são comidos, além da energia usada para processá-los, refrigerá-los e transportá-los.
Os alimentos descartados que decompõem no aterro sanitário, sem a presença de oxigênio, emitem metano, um potente gás do efeito estufa.
Ao todo, esse lixo cria 3,3 bilhões de toneladas de gases do efeito estufa anualmente, diz a FAO. Se o lixo alimentar fosse um país, aponta a agência, ele seria o terceiro maior emissor de gases do efeito estufa no mundo, atrás da China e dos Estados Unidos.
Nos países em desenvolvimento, o desperdício de alimento começa a acontecer logo depois da colheita, enquanto as safras são armazenadas ou transportadas, por causa de falta de refrigeração e boas estradas, o que faz com que estraguem antes de chegar ao mercado. Nos países mais ricos, o desperdício frequentemente começa com os varejistas descartando itens que acham que não terão apelo aos consumidores. Mas a maior fonte individual de desperdício está nos lares, estima o Wrap, onde cerca da metade de todo o alimento não comido é descartado.
A organização tem buscado chamar a atenção para o problema com sua campanha Ame a Comida, Odeio o Desperdício, que pede aos consumidores que planejem antes das compras e congelem mais alimentos. As pessoas devem confiar mais em seus olhos e narizes, aconselha a campanha, em vez de apenas nas datas de validade para decidir se um alimento está estragado.
A organização está trabalhando com redes de supermercados para reduzir o lixo, deixando as datas de validade mais claras, vendendo porções menores e usando embalagem reutilizável para alimentos perecíveis, como queijo ou legumes congelados.
Esses esforços ajudaram o Reino Unido a reduzir o desperdício de alimentos em 21% desde 2007. É o único país na Europa que conseguiu essa redução, disse Clementine O'Connor, consultora sênior da Bio Intelligence Service, uma consultoria de sustentabilidade e empresa de auditoria francesa de propriedade da Deloitte Touche Tohmatsu.
A Tesco, a primeira rede de supermercados britânica a publicar seus números de descarte de alimentos, relatou que 28.500 toneladas de alimentos foram para o lixo em suas lojas e centros de distribuição na primeira metade de 2013 –0,87% de seu volume de vendas. Mas isso é apenas uma pequena fração do total de desperdício no país. Os alimentos jogados fora com mais frequência são hortifrútis frescos e assados, disse George Gordon, um porta-voz da Tesco. Alface embalado fica no topo da lista, ele disse, com 68% da produção total descartados.
A rede está estudando os itens mais desperdiçados e introduziu alface em embalagens com dois compartimentos, de modo que os consumidores podem usar metade, enquanto a outra permanece fresca, disse Gordon. A Tesco também está alterando alguns dos processos de fornecimento, para que uvas, por exemplo, cheguem às lojas cinco ou 10 dias mais cedo, dando mais tempo para os consumidores as consumirem, ele disse.
"Se você olhar para a cadeia de valor, da fazenda à mesa, nós estamos bem no meio dela", disse Gordon, reconhecendo que os varejistas podem influenciar os fornecedores tanto quanto os consumidores. "Nós estamos em uma posição útil."
Na Coreia do Sul, um grande esforço para reduzir os alimentos desperdiçados parte do governo. Na esperança de reduzir os alimentos desperdiçados em 20%, o país introduziu um sistema que cobra por peso a coleta do lixo.
Na China, uma campanha chamada Operação Prato Limpo se tornou um sucesso nas redes sociais, com os frequentadores de restaurantes postando fotos de seus pratos vazios. A campanha teria o apoio do presidente Xi Jinping e, juntamente com os descontos "meia porção, metade do preço" e outras medidas antidesperdício, tem recebido grande cobertura do jornal "Diário do Povo", porta-voz do Partido Comunista.
Em março de 2014, os líderes chineses emitiram um memorando pedindo às autoridades que reduzam os banquetes fartos, instruindo aos cafés dirigidos pelo governo que reduzam as porções e pedindo às empresas da catering e restaurantes que facilitem para que os clientes peçam menos, noticiou a agência de notícias oficial "Xinhua". O governo também está preparando uma nova lei para desperdício de alimentos, informou a agência.
A fome matou dezenas de milhões de pessoas na China nos anos 60, mas Pan Wenjing, uma integrante do escritório em Pequim do Greenpeace, disse que grande parte do país é jovem demais para lembrar daqueles tempos. "A geração mais jovem realmente não sabe o que é fome", ela disse.
Pan disse que os líderes chineses perceberam que a redução do desperdício é crucial para a capacidade do país de alimentar a si mesmo, uma tarefa que deverá se tornar mais difícil se a mudança climática reduzir a produção agrícola, como esperam os especialistas.
Doug Rauch, o ex-presidente da rede americana de mercados Trader Joe's, está estudando pesquisas que mostram que alimentos além de seu prazo de validade frequentemente ainda são seguros para consumo. Rauch planeja abrir o Daily Table em Boston, uma organização sem fins lucrativos que estocará alimentos além do prazo de validade ou com embalagens danificadas para venda para pessoas carentes.
O Estado de Massachusetts está exigindo que qualquer instituição que jogue fora mais de uma tonelada de alimentos por semana o use para compostagem. Uma regra semelhante entrará em vigor no ano que vem em Nova York. Diferente dos aterros sanitários, o alimento que se decompõe na compostagem não produz metano, porque o oxigênio está presente.
Na Grécia, a crise econômica também promoveu um novo foco no lixo. Um grupo no país deu início a um centro online, para ajudar pequenas lojas com excesso de alimentos a contatarem pessoas carentes nas proximidades, disse O'Connor, da Bio Intelligence, que está trabalhando no Fusions, um esforço para redução do desperdício de alimentos financiado pela União Europeia. A união deseja reduzir pela metade o desperdício de alimentos até 2020.
No Reino Unido, onde mais da metade das autoridades locais coleta lixo alimentar para compostagem, também está investindo em biodigestores, que usam lixo orgânico para gerar energia.
Um dos maiores desafios atuais é o alimento estar ligado de modo inseparável à cultura, consequentemente tocando em questões emocionais difíceis de mudar. "Trabalhar na questão do desperdício de alimentos é muito delicado", disse Fanny Demassieux, chefe da unidade responsável pelo consumo do PNUMA.
"A ideia é não ser invasivo e dizer às pessoas o que fazer", ela disse. "É apenas explicar para elas que, provavelmente, elas estão desperdiçando mais alimentos do que imaginam."
Fonte: IHU. Por: Beth Gardiner, publicada pelo The New York Times e reproduzida pelo portal UOL, 25-04-2014.
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