A divulgação de relatórios sobre emissões de gases do efeito estufa pelo ICLEI (Local Governments for Sustainability)-SEEG tem permitido análises importantes para o país nos setores de energia e uso de produtos, agropecuária e resíduos. São análises que podem orientar rumos que o Brasil precisa seguir em suas atividades, para reduzir seu indesejável papel de um dos maiores produtores no mundo de metano, óxido nitroso e dióxido de carbono – segundo o Banco Mundial, em três décadas nossas emissões cresceram três vezes acima do crescimento da população.
São conhecimentos decisivos nestes tempos de graves problemas. Só a agropecuária global responde por 10% a 12% das emissões – embora a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU) avalie que essa participação pode aumentar muito, com o crescimento da demanda por alimentos (mais 15% a 40%), nas próximas décadas. E o Brasil é o segundo maior emissor na agropecuária, com 1,56 bilhão de toneladas anuais de dióxido de carbono, número que pode dobrar se incluídas as emissões por desmatamento e uso de combustíveis fósseis no setor.
O setor de energia teve a maior taxa média de crescimento anual entre 1990 e 2013. E a área de resíduos, que inclui a disposição no solo e incineração, bem como o tratamento de efluentes domésticos e industriais, em 2013 emitiu 48,73 milhões de toneladas de dióxido de carbono. Materiais orgânicos em aterros e lixões intensificam a ação de bactérias, a decomposição e a geração de metano – da mesma forma que os esgotos domésticos, com alto teor de matéria orgânica, e os efluentes industriais, com seu conteúdo orgânico em muitos produtos, entre eles cervejas, leite cru, papel, etc.
É preciso dar atenção especial ao setor de resíduos, que merece poucas análises quando se trata de emissões e clima, embora já responda por 3,11% do total de emissões. O crescimento médio das emissões entre 1970 e 2013 foi de 2,66% ao ano, mais acentuado a partir de 1989, com pico de 6,22%. Nas emissões por Estados, o crescimento médio foi maior em São Paulo (19,25%), Minas Gerais (9,39%), Paraná (7,68%), Rio Grande do Sul (7,12%) e Rio de Janeiro (6,54%).
No Brasil, a produção diária de resíduos chega a 1,06 quilo por pessoa – ou seja, mais de 200 mil toneladas diárias. E somos o quinto maior gerador de resíduos. Mas, segundo a Confederação Nacional de Municípios, apenas nove cidades concluíram no prazo a primeira fase da eliminação de lixões, obrigatória pela Política Nacional de Resíduos Sólidos. Metade dos 2.400 municípios consultados nem sequer planos tinha – e eles eram obrigatórios para pleitear recursos federais.
Há quem estime em R$ 70 bilhões os recursos necessários para dar fim aos lixões. Mas como se fará se o Ministério das Cidades, a maior fonte provável deles, foi um dos que mais corte sofreu na recente revisão do Orçamento da União, mais de R$ 17, 23 bilhões?
Ainda a Confederação Nacional de Municípios calculou no ano passado que 61,4% dos municípios consultados tenham enviado resíduos para aterro; os restantes, para lixões. Das 27 capitais brasileiras 16 têm aterros. Mas o próprio Distrito Federal mantém há décadas em área nobre, a 15 quilômetros do Palácio do Planalto, o chamado "Lixão da Via Estrutural", que ocupa 174 hectares, onde trabalham 2,5 mil catadores de resíduos e é o maior depósito de lixo a céu aberto no país. O autor destas linhas teve uma experiência pessoal no início da década de 1990: quando [secretário de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia] fez um plano diretor para o lixo de Brasília, que previa a eliminação do depósito da Via Estrutural, a destinação de todos os resíduos para um aterro e uma usina de reciclagem adequados. A oposição foi brutal, de vários setores, e impediu a concretização.
Entre 50% e 55% do lixo urbano produzido no Brasil são resíduos orgânicos, que podem ser compostados e transformados em adubo para várias áreas – não a de alimentos, por causa de resíduos de metais pesados. Seria um ganho enorme, porque hoje a maior ocupação de áreas de aterros é com o lixo orgânico e a compostagem é mínima.
Plásticos respondem por 13,5% do total do lixo; papel, papelão e tetrapak por 13,1%; vidro por 2,4%; metais por 2,9%; e outros resíduos por 16,7%. Junto com o lixo orgânico, parcelas importantes desses outros resíduos poderiam ser reduzidas em mais de 50% – segundo a associação das empresas do setor. E isso significaria liberar parte importante dos aterros, já que, somando aos orgânicos, são 83%. Ainda é preciso lembrar que poderá haver aumento no lixo com o final, em 2018, da televisão analógica, que implicará alto descarte – embora a legislação preveja destinação especial para esse tipo de resíduo.
Infelizmente, o tema do lixo ocupa lugar desprezível – quando ocupa – nas áreas administrativa e política. Estados e municípios acham que cabe ao governo federal fornecer-lhes recursos e não os conseguem, em geral, quando pleiteiam. Não querem cobrar dos cidadãos, que rejeitam uma nova taxação – como aconteceu na cidade de São Paulo, onde foi criada e abolida depois de pouco tempo. Os cidadãos acham que já pagam pelos trabalhos com o lixo, quando fora daqui o que se vê é que só foram encaminhadas soluções nos países que criaram uma taxa proporcional a todo o lixo gerado, nas residências, no comércio, nas indústrias, em toda parte. Mas nossos administradores temem perder a aprovação e votos se enveredarem por aí.
Nem seria o caso de falar do desperdício de recursos que estão no lixo. Nem na inacreditável perda de alimentos jogados fora. A ONU assegura que um terço dos alimentos produzidos no mundo são desperdiçados – quando 800 milhões de pessoas passam fome. Nos Estados Unidos, 34 milhões de toneladas de comida são jogadas no lixo todo ano. É estarrecedor.
Por: Washington Novaes. Jornalista especializado em Meio Ambiente e Culturas Indígenas.
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