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Mata Que Se Regenera é Arma Contra Aquecimento Global

As florestas do Brasil e de outros países tropicais das Américas são bem mais duronas do que sonham os usuários de motosserras, revela uma equipe internacional de cientistas num estudo que acaba de ser publicado. Em áreas abandonadas após o desmatamento e o uso agropecuário, a mata costuma voltar com tudo, sugando CO2 (principal gás causador do aquecimento global) num ritmo 11 vezes superior ao de uma floresta que nunca tenha sido derrubada. Trata-­se de um excelente argumento para valorizar as capoeiras, como são conhecidas no Brasil essas matas em fase de auto-reconstrução. 

Para ajudar no esforço global contra as mudanças climáticas, um caminho simples e barato seria simplesmente permitir que tais florestas embrionárias se regenerassem naturalmente em áreas degradadas ­ além, é claro, de evitar mais desmatamento. “Pesquisadores como o alemão Manfred Denich já falavam da vitalidade das capoeiras, e é algo que víamos em estudos isolados faz tempo”, declarou uma das coautoras do estudo, Ima Célia Vieira, do Museu Paraense Emilio Goeldi. “Agora, nós demonstramos isso com uma análise mais ampla de todo o Neotrópico [termo que designa o conjunto das áreas tropicais do continente americano].” 

Padronização

Os dados avaliados pelos pesquisadores vieram de 45 regiões das Américas, do México à Bolívia, incluindo vários locais na Amazônia, na Mata Atlântica e na Caatinga brasileiras. “O importante, no caso deste estudo, é que a coleta de dados em cada uma dessas áreas ficou sob a responsabilidade de um pesquisador da equipe, que repassou essas informações aos membros do grupo responsáveis por avaliar o conjunto dos dados. Essa padronização dá uma confiabilidade bem maior às conclusões”, diz Pedro Brancalion, pesquisador da USP de Piracicaba que também assina a pesquisa. A metodologia adotada pela equipe não poderia ser mais simples. Somando as amostragens das 45 regiões, foram estudados cerca de 1.500 trechos de mata em fase de renascimento. 

Em cada um deles, todas as árvores com tronco cujo diâmetro alcançava no mínimo 5 centímetros foram medidas e identificadas. A partir daí, o grupo usou equações para estimar o total de biomassa (ou seja, a matéria vegetal) das capoeiras. 

Com isso, dá para saber também quanto CO2 as plantas retiraram da atmosfera, já que elas usam os componentes do gás como matéria-­prima para seu crescimento. Finalmente, o grupo usou dados sobre disponibilidade de água, qualidade do solo e cobertura florestal em cada região para estimar o quanto essas variáveis influenciam a recuperação da mata ao longo do tempo. 

Após 20 anos de crescimento, em média, as chamadas florestas secundárias (ou seja, que se regeneram após o desmatamento) já alcançavam as taxas elevadíssimas de absorção de gás carbônico mencionadas acima (o que dá, em números absolutos, 3 toneladas de carbono por hectare ao ano). Só após quase 70 anos de crescimento, no entanto, é que elas atingiam uma biomassa equivalente a 90% de uma floresta primária (ou seja, “madura”, que ficou séculos ou milênios sem ser derrubada).

Segue o seco 

A variável mais importante para a recuperação das capoeiras parece ser a disponibilidade de água, principal “combustível” para a consolidação da floresta. “É algo que ajuda a estender o período de crescimento das árvores”, explica Ima Célia

Portanto, em regiões mais secas, é preciso um cuidado redobrado com a vegetação nativa, já que ela terá mais dificuldade para se recuperar. “Vimos isso na nossa área de estudo na Fazenda Tamanduá, no interior da Paraíba”, conta Jarcilene Almeida­ Cortez, da Universidade Federal de Pernambuco

“Lá, na Caatinga, além de chover só 400 milímetros por ano, no máximo, as chuvas ainda são mal distribuídas.” Esse fator ajuda a explicar a grande variação (da ordem de mais de dez vezes) entre a recuperação da biomassa em áreas úmidas e secas. “É mais um motivo para que se olhe com mais cuidado para a Caatinga, principalmente porque há pouquíssimas áreas protegidas no bioma”, lembra Jarcilene. Ao que parece, ao menos em escalas espaciais maiores, fatores como o grau de fragmentação da mata nativa (ou seja, o tamanho dos pedaços de floresta original que sobraram, os quais funcionam como fonte das sementes que repovoarão a área desmatada) não são tão importantes. 

“No caso de áreas muito fragmentadas, o impacto maior é sobre a diversidade de espécies da floresta secundária. Mas, do ponto de vista da biomassa e da estrutura da mata, como existe muita redundância ecológica [ou seja, espécies que ocupam papéis semelhantes na natureza], o baque não é tão grande”, explica Daniel Piotto, da Universidade Federal do Sul da Bahia, também coautor do estudo. 

Até quando? 

“Está claro que a resiliência das capoeiras é muito grande. A questão que eu sempre coloco é quanto tempo elas vão permanecer na paisagem”, diz Ima Célia

A legislação estadual no Pará só permite que as matas secundárias sejam derrubadas se elas estiverem na fase inicial de regeneração, mas o Estado amazônico é uma exceção. “Até agora, essas florestas estavam meio órfãs, a gente vivia uma dicotomia radical entre florestas supostamente virgens e áreas degradadas. Nosso trabalho mostra que é preciso enxergar a questão de forma mais ampla”, argumenta Brancalion. Em vez de gastos e dor de cabeça com tentativas de plantar mudas de espécies nativas em áreas degradadas, talvez a abordagem mais sensata seja simplesmente deixar que a natureza faça seu trabalho, diz Robin Chazdon, pesquisadora da Universidade de Connecticut (EUA) que é uma das coordenadoras do grupo. “Em muitos casos, você não precisa plantar uma única semente”, resume ela.

Por: Reinaldo José Lopes (Colaboração para a Folha de S. Paulo).

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