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Formação de Gestores Para a Sustentabilidade

Atualmente, ao aproximar-se de uma realidade plural, contraditória e paradoxal, de mudanças velozes, em que a incerteza foi universalizada, somos impelidos a revisitar o percurso trilhado, a vislumbrar o devir e a inovar. 

O principal papel da universidade é participar da grande obra que consiste em ler o livro da vida. Desde sua criação a universidade no Ocidente vem sendo marcada por exigências diferentes, contraditórias e até opostas que a levou a se organizar em áreas de conhecimento, a distinguir as disciplinas e a instaurar dentro delas especialidades. Esse processo revelou uma fragmentação que dificulta a reflexão das disciplinas sobre si mesmas e entre elas. Essa realidade tem se mostrado insuficiente para tratar tal complexidade de sistemas pela ótica da sustentabilidade e, de modo semelhante, instiga a formulação de modelos mais apropriados para encaminhar soluções e inovar. 

No âmbito da sustentabilidade é demandada simultaneamente uma mudança de ideias e de estruturas que impulsionem ações que possam atender a legitimidade de um movimento de transformação que não esteja sujeito a interesses políticos ou econômicos que, mesmo apresentados com novas vestimentas e discurso, perpetuam práticas e concepções que se têm mostrado inadequadas para atender a realidade da atualidade. 

Após as múltiplas e louváveis pesquisas e reflexões sobre a necessidade de “transatravessar” as fronteiras e o enclausuramento das disciplinas como registrado na bibliografia nacional e internacional, no âmbito da academia é demandado compreender a natureza disciplinar, pluri, multi, inter e transdisciplinar no processo de concepção, gestação e aplicação de conhecimento. O momento exige que as trajetórias inter e transdisciplinar (ITD) estejam cada vez mais presentes na cotidianidade da vida dinâmica das escolas de negócio e das empresas. 

No âmbito das empresas cresce a necessidade da fertilização cruzada empresa-academia e a adequação contextualizada, visando aprimorar continuamente o agir humano, para que o sucesso dos negócios seja conjugado cada vez mais à dignidade humana e ao bem da coletividade. 

Momento de mudança qualitativa 

A emergência de novos modelos e a mudança intencionada são multifacetadas e estão intrinsecamente ligadas a uma governança que necessariamente levará em conta o crescente reconhecimento da complexidade do desenvolvimento humano, sua relação com o conhecimento e, também, sua interação com seu habitat. Isso implica abrir espaço-tempo para tratar temas como descompartimentalização dos saberes, valorização humana, espaço para a transformação, bem-estar e qualidade de vida, valorização do diálogo e reconhecimento da ação humana no ambiente. 

Grandes desafios se colocam no processo de descompartimentalização dos saberes, dentre eles: a) a religação de saberes no contexto da ciência e do conhecimento geral; b) a verificação das relações existentes entre modalidades de conhecimento inter e transdisciplinar e suas possibilidades de respostas a problemas que não podem ser adequadamente tratados por abordagens monodisciplinares; c) a exploração e a pesquisa conceitual, empírica e metodológica que acessem conhecimentos que não podem ser abordados pelas disciplinas acadêmicas nem pela interdisciplinaridade; d) a religação dos saberes acadêmicos e não acadêmicos; e) e também a religação entre subjetividade e objetividade. 

A questão da valorização humana envolve processos de emergência do sujeito, práticas de reciprocidade, cidadania intelectual e a compreensão do corpo como um fenômeno carregado de cognição, enquanto potência vivente e motriz. Segundo Merleau-Ponty, o corpo reflexiona e a reflexão não é um privilégio nem exclusividade da consciência. A emergência do sujeito é um processo, parte de um movimento cultural visionário que diz respeito à perenidade da dinâmica de transformação do humano e à ampliação de consciência da dimensão que nos faz seres humanos. 

O espaço para a transformação requer minimamente a abertura a mudanças e capacidade para inovar. Isso exige a compreensão de uma nova atitude de progresso que vá além da visão econômica, científica e tecnológica e abarque questões no âmbito pessoal, cultural, social e ambiental. Nessa perspectiva, o professor mais do que transmissor de conhecimento se engaja em um processo coformativo em que suas funções de pesquisador e mediador do conhecimento são significativamente enobrecidas, ampliadas e valorizadas. Sua atitude é a de um aprendiz permanente e de um inspirador de sentido. 

Saúde e cultura e ressignificação do espaço-tempo são temas nucleares no âmbito do bem-estar e qualidade de vida. Fidelização de parcerias, fertilização cruzada academia-academia; academia-empresa e academia-alunos e ex-alunos são vias de diálogo a serem fortemente cultivadas. Finalmente, e nem por isso de menos importância, coloca-se o reconhecimento da ação humana no ambiente como de vital relevância na convivência estético-ética na condução das operações institucionais a curto, médio e longo prazos. 

Inovação 

Sem inovação será impossível tratar as questões de sustentabilidade. Existem algumas condições favoráveis e desfavoráveis para inovar: físicas, psicológicas, afetivas, sociais, econômicas e certamente cognitivas que concernem às nossas percepções, nossas memórias, nossas linguagens. 

A inovação deve estar integrada ao processo de maturação e de domínio progressivo de nossa tripla relação com o mundo: integrada à nossa relação com o contexto (aos objetos, aos acontecimentos, ao espaço-tempo), integrada à nossa relação com os outros, e integrada à nossa relação com nós mesmos. 

Para a filósofa Hannah Arendt, “o homem, se bem que ele deve morrer, não nasceu para morrer, nasceu para inovar”. Os cientistas Humberto Maturana e Francisco Varela, que cunharam a expressão “autopoieses”, trouxeram a confirmação de que uma forma criativa independente existe em todo organismo vivo e constitui a base de uma autonomia mínima. Segundo o pintor Georges Brunon, “o gesto criador está latente em nós”. Para o lógico Stéphane Lupasco e o físico Basarab Nicolescu, a capacidade de inovar indica que existe uma fase potencial, do “ainda não criado”, do “ainda não atualizado”, de nosso potencial de inovação ‒ que concerne a todos nós, a universidade incluída. 

No âmbito da cognição, o processo de inovação se inscreve pela articulação do sensível ‒nossos sentimentos e imaginação; do experiencial – nossa historicidade e vivências, tanto as passadas como as presentes ou as futuras; e do pensamento formal – ideias, conteúdos, conceitos e lógicas. Referenciais cognitivos e instrumentos de investigação se mostram de grande valor nesse processo de criação, bem como a fundamentação transdisciplinar, a arte e as teorias de sistemas, a Teoria U e a da Resiliência

Vivência e experiência 

É uma tarefa da maior importância e que sempre permanecerá incompleta ilustrar no que consiste uma formação integrada para a sustentabilidade destinada a alunos de uma escola de negócios e a pessoas que atuam em empresas. Articular teoria e prática para tratar dessa questão é essencial quando se propõe pensar o cenário contemporâneo em um mundo político e econômico tão marcado por uma crise de valores, uma crise de modelos e recursos metodológicos e pela ausência generalizada, no ambiente institucional, de um olhar sobre o conhecimento de si mesmo. 

“Não temos dúvidas de que o progresso técnico – a racionalidade instrumental – possui um poder de difusão muito maior do que a criação de valores substantivos. […] O gênio inventivo do homem foi canalizado para a criação técnica. […] No entanto, o desenvolvimento deve ser entendido como um processo de transformação da sociedade não só em relação aos meios, mas também aos fins […].” Celso Furtado em Introdução ao Desenvolvimento: Enfoque Histórico-Estrutural (2000).

Por: Mario Monzoni, Érica Gallucci, Maria de Mello e Ideli Domingues. Texto publicado originalmente pela FGV / Página 22.

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