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'Homo sapiens' Surgiu 100 Mil Anos Antes Do Que Se Pensava, aponta estudo

O Homo sapiens, espécie à qual pertencemos, não data de 200.000 anos como se acreditava até agora, mas de 300.000, segundo os fósseis encontrados no Marrocos de indivíduos extremamente parecidos com o Homem atual. "Esta descoberta representa a origem da nossa espécie, trata-se do Homo sapiens mais velho já encontrado na África e em qualquer outro lugar", explicou o francês Jean-Jacques Hublin, coautor da pesquisa e diretor do Departamento de Evolução Humana do Instituto Max Planck em Leipzig, na Alemanha

"O ninho dos fósseis humanos" encontrado em excelente estado de conservação durante escavações iniciadas em 2004 no sítio de Jebel Irhoud, no noroeste do Marrocos, continha os restos de pelo menos cinco indivíduos: três adultos, um adolescente e uma criança. 

Os pesquisadores descobriram que "o rosto de um destes primeiros Homo sapiens é [igual] ao de qualquer pessoa com a qual poderíamos cruzar no metrô", afirmou Hublin, cuja pesquisa foi publicada em 07/06/2017 na revista Nature [Oldest 'Homo sapiens' Fossil Claim Rewrites Our Species History] junto com outro estudo que aponta na mesma direção. 

Seu crânio, no entanto, é bastante diferente do visto no Homem atual. "Ainda há uma longa evolução à frente antes de chegar a uma morfologia moderna", afirmou este professor. 

A datação destes fósseis foi obtida por Daniel Richter, especialista do Instituto de Leipzig, por meio da termoluminescência, uma técnica muito comum utilizada desde os anos 1980. 

A equipe de arqueólogos encontrou também neste local, situado a 400 km ao sul de Rabat, fósseis inestimáveis, como uma mandíbula, "provavelmente a mais bela de um Homo sapiens jamais encontrada na África", disse Hublin

Os Homens de Jebel Irhoud destronam assim o Omo I e Omo II, descobertos em Omo Kibish, na Etiópia, e datados de 195.000 anos. 

Também na Etiópia foram encontrados três fósseis de crânios datados de 160.000 anos.

Coexistência com outras espécies 

Estas descobertas realizadas na mesma região fizeram pensar que o Homem atual era descendente de uma população localizada no leste da África. Uma teoria que, com o encontrado em Jebel Irhoud, é completamente questionada. 

Além disso, os utensílios achados nesse local junto com nossos ancestrais - essencialmente pontudos - são típicos do que se conhece como Middle Stone Age ("Idade Média da Pedra", em tradução livre). 

"Já haviam descoberto este tipo de objeto, igualmente datados de 300.000 anos, em várias partes da África, mas não sabiam quem os teria fabricado", explicou Daniel Richter

Agora, os pesquisadores consideram que podem associar a presença dos utensílios da Middle Stone Age à do Homo sapiens

"Com certeza, antes de 300.000, antes de Jebel Irhoud, houve uma dispersão de ancestrais de nossa espécie no conjunto do continente africano", disse Hublin. "O conjunto da África participou desse processo". 

O Homo sapiens arcaico, o Homo erectus e o Neandertal podem ter coexistido não apenas em regiões distantes, mas também em zonas próximas. 

"Portanto, durante muito tempo houve várias espécies de Homens no mundo, que se cruzaram, coabitaram, trocaram genes...", explicou à AFP o paleoantropólogo Antoine Balzeau, que não participou da descoberta no Marrocos

"Nos distanciamos cada vez mais desta visão linear da evolução humana como uma sucessão de espécies", concordou Hublin

A sobrevivência, uma sorte? 

Balzeau advertiu contra a tendência de acreditar que o Homo sapiens sobreviveu ao resto das espécies por ser superior. "Durante muito tempo exageramos as características do Homo sapiens, sobretudo as capacidades de nosso cérebro". 

Mas estudos recentes mostraram que "não havia grandes diferenças em termos de valor, comportamento ou complexidade entre o Homo sapiens e o Neandertal". "É frustrante, mas não sabemos o motivo pelo qual continuamos a existir e os outros desapareceram. Acreditamos muitas vezes que somos uma conquista evolutiva, mas se deve também à sorte de continuarmos aqui!". 

Descoberta sobre Homo sapiens deve revolucionar o estudo da evolução humana 

Abdelouahed Ben-Nce e Jean-Jacques Hublin.
As escavações no noroeste de Marrocos começaram em 2004. A equipe trabalhou com fósseis de ao menos cinco indivíduos: três adultos, um adolescente e uma criança. Por uma tecnologia de datação por termoluminescência em pedras encontradas no sítio arqueológico, conseguiram chegar à idade dos ossos. A mesma técnica ajudou a recontar o tempo de existência de três mandíbulas também descobertas em Omo Kibish. Daniel Richter, especialista em datação do Instituto de Leipzig, concluiu que elas não tinham 160 mil anos, como apontado por ressonância paramagnética eletrônica, mas 300 mil. 

Para os investigadores, a acentuada diferença de tempo e a grande distância entre os fósseis do Marrocos e da Etiópia lançam dúvidas sobre a teoria de que o homem atual é descendente de uma população localizada no leste da África. “Com certeza, antes de 300 mil anos, antes de Jebel Irhoud, houve uma dispersão de ancestrais de nossa espécie no conjunto do continente africano. O conjunto da África participou desse processo”, diz Jean-Jacques Hublin

Ferramentas de pedras encontradas próximas aos fósseis também ajudam a reforçar a tese. Em vez de machados, comumente encontrados em sítios com vestígios do Homo sapiens, havia utensílios pontiagudos. Segundo o paleoantropólogo Shannon McPherron, eles foram feitos de sílex (variedade de quartzo) de alta qualidade. “Os artefatos de pedra de Jebel Irhoud parecem muito semelhantes aos encontrados no leste e no sul da África. É provável que as inovações tecnológicas da metade da Idade da Pedra estejam ligadas ao surgimento do Homo sapiens”, avalia o autor de um dos artigos. 

Encontro possível 

A possibilidade de ligar ferramentas da Idade da Pedra ao Homo sapiens sinaliza ainda uma coexistência de espécies. O Homo sapiens arcaico, o Homo erectus e o Neandertal podem ter coexistido não apenas em regiões distantes, mas também em zonas próximas. “Portanto, durante muito tempo, houve várias espécies de homens no mundo, que se cruzaram, coabitaram, trocaram genes”, explica o paleoantropólogo Antoine Balzeau, não participante do estudo, em entrevista à AFP. Hublin concorda. “Nos distanciamos cada vez mais dessa visão linear da evolução humana como uma sucessão de espécies.” 

Em um comentário publicado na revista Nature, os paleoantropólogos Chris Stringer e Julia Galway-Witham, do Museu de História Natural de Londres, no Reino Unido, ressaltam que análises de DNA indicam que a linhagem dos humanos modernos se diferenciou dos Neandertais e dos Denisovans, nossos parentes mais próximos, há cerca de 500 mil anos, bem antes dos fósseis encontrados no sítio arqueológico marroquino. “Isso pode significar que existiram membros mais recentes da linhagem Homo sapiens que tinham características preponderantemente arcaicas, em vez dos traços modernos. Até agora, tem sido difícil identificar esses fósseis.” 

Para a dupla de especialistas, os fósseis anunciados nesta semana terão impacto marcante no estudo da espécie humana. “(A descoberta) poderá iluminar a evolução da nossa espécie de uma maneira equivalente à que o fóssil de Neandertal encontrado em Sima de los Uesos, na Espanha, fez com o nosso conhecimento sobre o desenvolvimento dos Neandertais”, comparam. 

Abdelouahed Ben-Ncer, do Instituto Nacional de Arqueologia e Patrimônio do Marrocos e participante do estudo, também aposta no surgimento de novos olhares sobre a história humana. “A África do Norte tem sido negligenciada nos debates em torno da origem de nossa espécie. As espetaculares descobertas de Jebel Irhoud demonstram as estreitas conexões do Magrebe com o resto do continente africano no momento da emergência do Homo sapiens.”


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