Parque Eólico de Osório, no Rio Grande do Sul.
Imagine um mundo futurista absurdamente silencioso e limpo, no qual não existem mais motores queimando combustível, 100% movido pela energia do vento, do sol e da água. Esse mundo seria técnica e economicamente viável já em 2050, dizem pesquisadores americanos - criando 24 milhões de empregos, gastando menos energia do que a que consumimos hoje e evitando milhões de mortes causadas pela poluição.
As contas que demonstram essa possibilidade, feitas pela equipe de Mark Jacobson, da Universidade Stanford, e de seu xará Mark Delucchi, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, acabam de ser publicadas na revista científica Joule [100% Clean and Renewable Wind, Water, and Sunlight All-Sector Energy Roadmaps for 139 Countries of the World]. Colocando os números no papel, os pesquisadores estimam ainda que essa transição radical em favor das energias limpas seria capaz de evitar que a temperatura global suba mais do que 1,5 grau Celsius ao longo deste século - uma barreira a partir da qual as mudanças climáticas se tornam consideravelmente mais perigosas.
É PRA JÁ
Para conseguir esse feito aparentemente hercúleo, bastaria usar em grande escala tecnologias que já estão disponíveis hoje ou que, no máximo, teriam de ganhar escala maior do que a existente em 2017 (caso do aproveitamento da energia das marés, por exemplo). O crucial, porém, é começar agora, disse Jacobson à Folha de S. Paulo.
"A transição para 100% WWS [sigla inglesa de "eólica, hidrelétrica e solar"] envolve a substituição dos sistemas atuais que já estão prestes a ser aposentados por instalações do tipo WWS e forçar a aposentadoria precoce dos sistemas poluentes. No segundo caso, inicialmente isso vai levar a um aumento de curto prazo das emissões de gases-estufa [que aquecem o planeta], mas conforme o tempo passa essas emissões caem de uma vez para zero", defende o pesquisador.
"Além disso, quanto antes fizermos essa transição, mais rápido eliminamos os custos para a saúde ligados às emissões atuais, e esses custos são maiores que os da energia - portanto, economizaremos quantidades enormes de dinheiro apenas graças a isso."
As usinas de energia eólica em terra firme (com quase um quarto da geração de energia elétrica do planeta projetada para 2050) e as usinas solares (com 21% da geração) seriam os principais pilares dessa mudança gigantesca, estimam os pesquisadores. Cobrir casas e instalações governamentais com painéis solares também ajudaria um bocado.
No modelo proposto, 4% da energia do planeta viria de hidrelétricas, enquanto as opções mais futuristas (turbinas que aproveitam as marés, energia de ondas e usinas geotérmicas), somadas, não chegariam a 1% da matriz energética mundial.
Se colocado em prática, o plano geraria 24 milhões de empregos líquidos mundo afora - já descontados os petroleiros e mineiros de carvão desempregados no processo ao longo das décadas. E o gasto global de energia ainda acabaria ficando um pouco inferior ao atual graças à eficiência superior de um sistema totalmente elétrico, que não envolve queima de combustíveis, e ao fato de que não seria mais necessário gastar energia para extrair petróleo e carvão do solo e processar esses insumos.
SE NÃO AGORA, QUANDO?
"Os autores são sérios, e o trabalho também", diz Roberto Schaeffer, especialista em planejamento energético da UFRJ que comentou a pesquisa a pedido da Folha. "Neste momento, o custo maior é o de preparar os sistemas elétricos dos diferentes países para um mundo diferente daquele para o qual eles foram pensados."
Schaeffer chama a atenção para áreas da indústria em que há emissões de gases-estufa inerentes ao processo de produção, como a siderurgia, a de cimento e de refino de produtos petroquímicos. "Estamos estudando tudo isso: por exemplo, novos materiais para substituir aqueles que não podem ser descarbonizados em sua produção."
Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de clima e energia da ONG Greenpeace, lembra que um estudo global da organização já tinha apontado possibilidades similares às do estudo de Jacobson. "Os números, inclusive, eram bem similares, e o mesmo vale para um estudo que fizemos só para o cenário brasileiro", afirma. "No ramo da eletricidade, a coisa está acontecendo de forma relativamente rápida. No setor de transportes, é mais complicado, mas o aumento da expectativa em relação à popularização de carros elétricos indica que essa transição pode acontecer antes do que a gente imagina - resta saber se será no ritmo de que a gente precisa."
O nó que precisa ser desatado para alcançar esse objetivo é, claro, de natureza política. Abandonar de vez os combustíveis fósseis levaria a uma reconfiguração da economia mundial. "Mas é importante lembrar que o mix de energia eólica, solar e hidrelétrica é relativamente bem distribuído no mundo todo, em especial no caso do vento e da própria energia solar - você não precisa de um sol brasileiro para conseguir uma geração decente", diz Baitelo. Carvão e petróleo, por outro lado, estão distribuídos de forma bem mais desigual pelo planeta.
O MAPA DA ENERGIA LIMPA
Em 2050, toda a energia do mundo poderia ser suprida pelo vento, pela luz solar e pelas águas, diz estudo
• Painéis solares residenciais: 14,89%
• Usinas de energia solar: 21,36%
• Usinas de energia solar concentrada: 9,72%
• Usinas eólicas "onshore" (em terra firme): 23,52%
• Usinas eólicas "offshore" (no mar): 13,62%
• Painéis solares comerciais e governamentais: 11,58%
• Energia das ondas: 0,58%
• Energia geotérmica: 0,67%
• Hidrelétricas: 4%
• Turbinas de marés: 0,06%
• Empregos criados: 52 milhões
• Empregos perdidos: 27,7 milhões
• Ganho líquido de empregos: 24,3 milhões
• Mortes por poluição atmosférica evitadas: até 7 milhões por ano
• Redução da demanda por energia: 42,5%
Por que é possível economizar energia dessa maneira?
• Eficiência energética da eletricidade em relação à combustão: 23% de economia
• Não há gastos com extração, processamento e distribuição de combustíveis fósseis: 12,65% de economia
• Aumento da eficiência durante o uso de redes, equipamentos, sistemas etc.: 6,98% de economia.
Por: Reinaldo José Lopes (Folha de S. Paulo).
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