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A Relação Entre Degradação Ambiental e o Surto de Febre Amarela

Os surtos da doença que atingem humanos no Brasil estão ligados à saúde das populações de macacos.

Há duas versões da febre amarela: uma urbana, transmitida pelo Aedes aegypti (responsável também pela dengue, chikungunya e zika) e uma silvestre, transmitida pelos mosquitos Hemagogos e Sabethes. A febre amarela urbana foi erradicada do país em 1942 com vacinação e combate ao Aedes. A silvestre continua existindo em populações de macacos. Mosquitos fêmeas que picam esses macacos se infectam com o vírus e podem transmiti-lo para humanos quando os picam. 

Christovam Barcellos, líder do grupo de pesquisas Impactos Ambientais Globais Sobre a Saúde, do Instituto de Comunicação e Informação da Fundação Oswaldo Cruz, afirma que há uma diferença preocupante entre o surto atual da doença e os que ocorreram em toda a segunda metade do século XX no país. 

Normalmente, as pessoas infectadas são aquelas que vão até as matas, como é o caso de populações ribeirinhas, pescadores ou ecoturistas. Lá, são expostas aos mosquitos que transmitem a febre amarela dos macacos, o grande reservatório do vírus responsável por ela. Isso resulta em pequenos surtos localizados. 

Desta vez, a infecção está partindo de pequenos fragmentos de matas e chegando a pequenas cidades da zona rural, onde a densidade populacional é maior, e se espalhando por uma ampla região geográfica (...), diz Barcellos. Ou seja, é a doença que está indo até as pessoas. 

“Esse surto é bem diferente, um pouco aterrorizante até, com uma interface rural e urbana. Não é mais uma doença da Amazônia, das grandes massas de florestas, onde tem uma concentração grande de mosquitos e macacos.” 

Segundo Barcellos, é provável que desequilíbrios ambientais ainda não completamente compreendidos estejam afetando as populações de macacos e fazendo com que os indivíduos da espécie migrem, contribuindo para a propagação da doença. 

A relação entre meio ambiente e a febre amarela 

A febre amarela está ligada a problemas ambientais de duas formas principais. A primeira, mais conhecida e estudada, diz respeito ao fato de que quando há desequilíbrios por problemas como poluição, desmatamento ou secas, macacos podem ficar estressados e com fome. Seu sistema imunológico fica mais fragilizado, eles adoecem mais e transmitem mais doenças. 

Essa associação aos macacos é necessária para que a doença chegue aos humanos, a ponto de as secretarias estaduais de saúde acompanharem e divulgarem dados sobre a morte de macacos por febre amarela, já que eles são um indicador do risco para as pessoas. 

Sob estresse, macacos também podem migrar dos locais em que vivem em busca de melhores condições, e isso contribui para a propagação de doenças por uma região geográfica maior. 

De acordo com Barcellos, é possível que exatamente isso esteja acontecendo agora. Os macacos estariam sendo empurrados para fora das regiões que habitam devido a problemas ambientais e partindo para fragmentos de mata atlântica e cerrado junto a pequenas cidades, carregando consigo o vírus. 

“Há apenas hipóteses sobre qual seria a origem desse desequilíbrio no ambiente em que vivem os macacos. Pode ser uma maior fragmentação dessas matas ou uma crise geral, por exemplo, uma seca, que obriga os macacos a se moverem”, afirma o pesquisador. 

A fragmentação de florestas também é um problema porque ela isola populações de macacos, que passam, por esse motivo, a se reproduzir mais com parentes próximos, o que diminui a diversidade genética e as torna mais vulneráveis a doenças. Em entrevista concedida em janeiro de 2017 à Agência Brasil, Servio Ribeiro, biólogo e professor de ecologia da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), afirmou que “quando um vírus alcança um macaco de uma população sem diversidade genética ele rapidamente se dissemina”. 

A hipótese do desastre da Samarco 

Parte dos municípios atingidos pelo surto de febre amarela está na trajetória do Rio Doce, afetado pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), em novembro de 2015. Além de ter provocado 19 mortes, os 32 milhões de metros cúbicos de lama despejados deixaram um rastro de destruição pelos 700 quilômetros do rio. 

Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, a bióloga Marcia Chame, coordenadora da Plataforma Institucional de Biodiversidade e Saúde Silvestre na Fundação Oswaldo Cruz, afirmou que a tragédia de 2015 pode ter relação com o aumento anormal no número de casos de febre amarela. 

Ela é, no entanto, cautelosa em relação a uma associação direta. “Não há dados disponíveis que possam correlacionar a tragédia de Mariana aos casos”, afirmou em seu perfil do Facebook.

Por: André Cabette Fábio. (Nexo Jornal).

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