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Fêmeas, Políticas e Essenciais: A Sociedade das Abelhas das Orquídeas

Ao contrário do que defendia Aristóteles, o homem não é o único animal político. Pesquisas realizadas na Caatinga baiana mostraram que a espécie Euglossa melanotricha, conhecida como "abelhas das orquídeas", forma sociedades de multifêmeas nas quais as dominantes atuam politicamente em relação às subordinadas para manter o controle e o bom funcionamento da colônia. 

As Euglossini são um grupo de abelhas iridescentes e sem ferrão conhecidas popularmente como "abelhas das orquídeas", pois machos e fêmeas polinizam cerca de 30 famílias de plantas, incluindo 2.000 espécies de orquídeas. Os machos do gênero Euglossa coletam óleos perfumados de flores, possivelmente para atrair fêmeas para o acasalamento. Já as fêmeas podem partilhar ninhos com outras fêmeas, mantendo relações de dominância ou subordinação entre si. 

A pesquisadora Aline Candida Ribeiro Andrade, professora voluntária do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Petrolina (PE), vinculada ao CEMAFAUNA, vem estudando a espécie Euglossa melanotricha há cerca de dez anos. Ela e seus colegas descobriram que as colônias são organizadas de forma matrifilial, ou seja, dominados por uma mãe e suas filhas, na qual a fêmea dominante põe a maioria dos ovos, reproduzindo várias vezes por ano e sem sincronia com as estações. São, portanto, organizações eussociais, ou seja, a "socialidade verdadeira", onde há uma casta responsável apenas pela reprodução (a fêmea dominante e suas filhas) e uma outra responsável pelas demais funções da colônia (as subordinadas não-aparentadas), como cuidar da prole e buscar alimento. 

Os pesquisadores também observaram que as fêmeas dominantes, morfologicamente idênticas às subordinadas, mantêm seus status através de comportamentos agressivos e de sinais químicos [os sinais químicos de cada abelha refletem o seu status na colônia], que regulam a divisão de tarefas entre as fêmeas. Numa família, as fêmeas dominantes detêm o controle reprodutivo da colônia, passando o controle de forma hierárquica para as abelhas aparentadas, numa linha de sucessão. As subordinadas não-aparentadas realizam tarefas na colônia mas não ascendem socialmente, a não ser pela força [uma invasora maior pode depor a fêmea dominante]. Um dos resultados interessantes da pesquisa é que a remoção experimental das dominantes não afetou seu monopólio reprodutivo. Entretanto, a remoção das subordinadas reduziu significativamente a produtividade da colônia, mostrando os claros benefícios da divisão de tarefas. Essas descobertas suscitaram outra questão: se as subordinadas não-aparentadas às dominantes são impedidas de procriar e não têm parentesco próximo para ascender socialmente, o que as leva a trabalhar pela colônia? 

Mais recentemente, em uma publicação da revista Nature / Scientific Reports, Aline e seus colegas esclareceram essa questão, demostrando que as fêmeas dominantes fazem concessões reprodutivas para ter o apoio das subordinadas não-aparentadas da colônia para a realização das tarefas, permitindo que estas ponham uma pequena porção de ovos em vez de agredi-las ou comer seus ovos. Já as subordinadas aparentadas têm menos privilégios [podem pôr menos ovos], mas estão na linha de sucessão ao "trono" do ninho e, portanto, são beneficiadas de alguma maneira. 

A publicação explica que há três tipos de ciclos de vida e associações nos ninhos de E. melanotricha, sendo que todos eles iniciam com uma fêmea solitária fundadora do ninho. A partir dela, duas opções para a primeira prole podem acontecer: as fêmeas nascidas podem ficar no ninho e se tornar subordinadas, herdando o ninho quando a fêmea dominante morrer ou desaparecer, ou podem reativar um ninho com as irmãs. As subordinadas realizarão atividades típicas de operárias, como buscar comida e manter o ninho, mas dividirão parcialmente a reprodução com as dominantes. Num outro cenário, abelhas não-aparentadas maiores podem invadir o ninho e derrubar a dominante residente, ou podem se tornar ajudantes subordinadas se forem de menor tamanho. No primeiro caso, a invasora, agora dominante, pode pôr a mesma quantidade de ovos; no segundo caso, a invasora subordinada pode pôr menos ovos que a dominante, mas, ainda assim, em quantidade maior que as parentes da dominante. Com isso, percebe-se que há um "contrato social" entre as fêmeas aparentadas e as não-aparentadas que modulará a reprodução e promoverá cooperação entre elas. A fêmea dominante pode avaliar seu parentesco entre as companheiras de ninho e remover seletivamente mais ou menos ovos das subordinadas, de acordo com seus interesses. 

E. melanotricha é apenas uma das cerca de 400 espécies de abelhas da Caatinga. O manejo ou criação de abelhas é intimamente ligado aos costumes de pequenos agricultores sertanejos e é essencial para a conservação dos ecossistemas onde as abelhas ocorrem. A discussão e propagação desse sistema sustentável se torna ainda mais importante na atual crise de declínios de colônias de abelhas domesticadas em diversos países e do aumento do número de abelhas nativas na lista de espécies ameaçadas de extinção. De acordo com Aline Andrade, a integração produtiva e estável entre produção de alimentos, biodiversidade e qualidade de vida não é uma tarefa fácil. "Incorporar a polinização como fator de produção, da mesma forma que a irrigação, a seleção de mudas, a correção do solo, a adubação e os tratos culturais, é uma questão necessária e urgente", alertou a pesquisadora.

Por: Carolina Lisboa (O Eco).

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