Na esteira de uma tendência que chegou para ficar na alimentação, o interesse dos franceses pelos vinhos sem agrotóxicos cresce a cada ano.
Uma pesquisa da associação de consumidores UFC-Que Choisir apontou que as garrafas de Bordeaux – de onde saem os vinhos mais famosos do mundo – estão com três vezes menos resíduos químicos do que há quatro anos.
A Agence Bio, que promove a agricultura orgânica na França, indica que os franceses gastaram € 700 milhões em garrafas desse tipo em 2016, 40% a mais do que em 2013. Entre 7% e 9% da produção francesa hoje está atenta à redução dos químicos. A sommelière brasileira Ana Carolina Dani, que trabalha na Cave Le Grand Filles et Fils, em Paris, constata essa mudança e avalia que a diminuição dos agrotóxicos é um caminho sem volta no setor.
"Eu acho que no passado teve muito abuso. A gente sempre teve uma agricultura muito agressiva, com a utilização exagerada de agrotóxicos. Hoje, tanto os produtores quanto os consumidores se interessam por esse tipo de vinho um pouco mais natural", afirma ela.
A transformação começou aos poucos, há cerca de 10 anos, e agora engloba a produção não apenas de vinhos orgânicos, como os naturais e os biodinâmicos. Os orgânicos se limitam a vinhas sem agrotóxicos, enquanto os naturais também excluem os produtos químicos do processo de produção da bebida. Já os biodinâmicos levam em consideração todo o ecossistema em torno da vinha, incluindo o clima e o calendário lunar.
Correção artificial de defeitos do vinho
Para todos, a maior dificuldade é diminuir ou acabar com a inclusão do sulfito, usado para a conservação da bebida. "A União Europeia autoriza mais de 300 adjuvantes e tratamentos químicos no processo de elaboração do vinho. É muita coisa", indica Dani. Ela explica que tudo pode ser corrigido artificialmente em um vinho, no processo produtivo. "Se tem muita acidez, você acrescenta ácido tartárico. Se tem pouca, você coloca bicarbonato de sódio. Se faltou tanino, acrescenta tanino sintético, ou seja, tem um monte de produtos que podem ser adicionados."
No seu teste, a organização UFC-Que Choisir procurou 177 moléculas em 38 grands crus de Bordeaux de 2014. A maioria apresentou contaminação de até seis produtos químicos. Apenas três garrafas não tinham nenhum traço de agrotóxicos – uma delas era do Château Durfort-Vivens, de Margaux. O proprietário, Gonzague Lurton, conta que começou a se interessar pelos vinhos orgânicos em 2007. Hoje, 100% da produção é biodinâmica.
"Encontrei uma qualidade organoléptica e uma sensação na boca que eu procurava havia muito tempo, em termos qualitativos do vinho. Percebi que a mudança me interessava não apenas sob o ponto de vista ambiental e territorial - afinal, devemos poder retransmitir essa terra para as gerações seguintes -, como a questão da qualidade me impressionou bastante", observa Lurton.
Vinhas do Chateau Fontbaude, que produz o vinho Côtes de Bordeaux Castillon, no sudoeste da França.
Trabalho mais prazeroso
O proprietário nota que a transformação exigiu investimentos, principalmente em mão de obra. O vinho orgânico, natural ou biodinâmico tende a ser mais caro do que o convencional, afinal o processo produtivo é mais trabalhoso.
Além disso, as perdas de vinhas são inevitáveis nos anos de clima desfavorável, como foi 2016. Ainda assim, Lurton diz que não teve dificuldades para convencer os produtores a se converter às novas práticas.
"A mudança fez eles se interessarem mais no próprio trabalho do que antes, serem mais atenciosos. E quando temos pessoas mais cuidadosas, acho que elas trabalham melhor", comenta. "No início, acho que a questão da própria saúde não era um fator muito importante para eles, mas hoje eles não voltariam atrás."
Diferença difícil de identificar – mas qualidade global se destaca
Ana Carolina Dani afirma que é quase impossível perceber a diferença entre uma garrafa orgânica ou não - mas a maioria dos produtores de vinhos de qualidade migra para esse tipo de cultivo. A sommelière destaca que alguns dos vinhos mais prestigiosos da França, como os de Romanée-Conti, hoje são biodinâmicos.
"Eles acreditam que é o caminho natural da produção de um vinho, afinal os antepassados deles não usavam agrotóxicos. São produtores que passam a trabalhar com muito mais rigor, que dão um resultado global muito mais interessante: são vinhos menos técnicos, mais bem elaborados. Isso a gente consegue sentir de uma maneira geral, no equilíbrio, na textura, na energia do vinho", explica a brasileira.
Em geral, os vinhos orgânicos, naturais ou biodinâmicos indicam a modo de produção com um selo na garrafa. O selo não garante a qualidade – mostra apenas que houve a preocupação em limitar o uso de produtos tóxicos.
Por: Lúcia Müzell (RFI).
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