Existe não só uma correlação, mas também uma causalidade, entre o crescimento da população e o crescimento das emissões de CO2. Todas as pessoas, sem exceção, realizam atividades que emitem gases de efeito estufa (GEE). Não existe pessoa com nível zero absoluto de emissão e quanto mais gente, maiores são as emissões de GEE. Mas as pessoas possuem níveis diferentes de consumo e, portanto, possuem níveis diferentes de emissões. Sem dúvida, populações ricas – com PIB grande – emitem muito e populações pobres – com PIB pequeno – emitem pouco. O nível de renda potencializa as emissões das pessoas.
O gráfico abaixo, do site Our World in Data, com dados de 2016, mostra como se distribui as emissões globais por nível de renda. Os países ricos, com 1,2 bilhão de pessoas, representando 16% da população total, foram responsáveis por 38% das emissões globais de CO2, emitindo 13,4 bilhões de toneladas no ano (com 11,3 toneladas per capita). Os países de renda média alta, com 2,6 bilhões de pessoas, representando 35% da população total, foram responsáveis por 48% das emissões globais de CO2, emitindo 16,6 bilhões de toneladas de CO2 (com 6,4 toneladas per capita). Estes dois grupos de renda, com 3,8 bilhões de pessoas (51% do total populacional) emitiram 30 bilhões de toneladas de CO2, acumulando 86% das emissões.
Já os 3 bilhões de pessoas de renda média baixa ou pobres (representando 49% da população total) emitiram 4,7 bilhões de toneladas de CO2 (representando 13% das emissões globais) e tendo uma emissão de 1,6 tonelada per capita. Portanto, não resta dúvida de que os ricos emitem mais do que os pobres.
Contudo, esta relação está mudando ao longo do tempo. Um estudo da OXFAM, com dados de 2008, mostrava que os 10% mais ricos do mundo eram responsáveis por 49% das emissões globais, os 50% mais ricos eram responsáveis por 90% das emissões e os 50% mais pobres eram responsáveis por somente 10% das emissões. Em 2016, como vimos, os 16% mais ricos eram responsáveis por 38% das emissões (e não 10% responsáveis por 49%).
Artigo de Alves (23/10/2019) mostrou que os países pobres e de renda média estão liderando as emissões globais de CO2 no século XXI. O gráfico abaixo mostra a participação dos países ricos (da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e do restante do mundo (países de renda média e baixa) na emissão de CO2. Nota-se que a OCDE liderava as emissões antes dos anos 1980, apresentou um certo empate nas duas últimas décadas do século XX e houve uma inversão das curvas no século XXI, com os países do Terceiro Mundo aumentando significativamente a participação e a responsabilidade no total das emissões globais. Nota-se, adicionalmente, que os EUA e a União Europeia (28 países) – os dois principais poluidores históricos – tem reduzido a participação no conjunto das emissões. Ou seja, cerca de dois terços das emissões de CO2, em 2017, foram do restante do mundo e um terço dos países da OCDE.
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Em outro artigo (Alves, 13/11/2019), o autor mostra que o grupo BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] ultrapassou a OCDE em emissões de CO2. O gráfico abaixo mostra que os 36 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (quase todos eles de renda alta) emitiam 3 vezes mais do que os 5 países do grupo BRICS, mas houve empate em 2010 e, em 2017, o BRICS já emitiram cerca de 20% a mais do que a OCDE. As emissões do conjunto da OCDE estavam em 5,8 bilhões de toneladas de CO2 em 1959, subiram até o pico de 14 bilhões de toneladas em 2007 e começaram a cair depois da crise econômica de 2008/09, até atingir 12,7 bilhões de toneladas em 2017 (um crescimento de 2,2 vezes entre 1959 e 2017). Já as emissões do conjunto do BRICS que estavam em 1,8 bilhão de toneladas de CO2 em 1959 subiram continuamente até 13,8 bilhões de toneladas em 2011 (quando ultrapassaram a OCDE) e atingiram 14,9 bilhões de toneladas em 2017 (um crescimento de 8,2 vezes entre 1959 e 2017).
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Indubitavelmente, os ricos emitem mais do que os pobres. Porém, o grande paradoxo da atualidade é que existe uma necessidade para reduzir a pobreza e aumentar o bem-estar humano nos países em desenvolvimento e estes países passaram a liderar as emissões de CO2 no século XXI. O fato é que, no modelo hegemônico de produção e consumo, os países ricos “estouraram o orçamento de carbono e ambiental” e o erguimento dos países pobres e de renda média se dá às custas do aprofundamento da degradação ecológica e climática.
Assim, é necessário promover um “cavalo de pau” na economia global. O mundo precisa romper com o “conto de fadas” do crescimento demoeconômico e começar a enfrentar as injustiças das desigualdades de renda e patrimônio e iniciar o planejamento do decrescimento das atividades antrópicas, para colocar a Pegada Ecológica em equilíbrio com a Biocapacidade da Terra (atualmente o déficit ambiental é de 70%).
Insistir na permanência do rumo do crescimento demoeconômico continuado é caminhar no sentido do abismo. Abismo gerado pela ultrapassagem da capacidade de carga e pelo desequilíbrio homeostático do clima da Terra. Por conta disto, o grupo Extinction Rebellion (XR) exige que os governos contem a verdade à sociedade declarando uma emergência climática e ecológica.
Desta forma, sem dúvida, é necessário mudar o estilo de vida da população mundial e reduzir as desigualdades sociais, mas a principal medida de mitigação da crise climática é o planejamento de longo prazo do decrescimento demoeconômico.
Em síntese, existem muitas coisas para serem feitas e muita rebelião para enfrentar as ameaças de extinção. Mas também não dá para ignorar a resistência das forças fundamentalistas e dogmáticas, de direita e de esquerda – configurando o pronatalismo antropocêntrico e ecocida – forças estas quer interditam o debate demográfico sobre a necessidade de redução do número de habitantes do Planeta. Porém, fica cada vez mais claro que a reversão do crescimento populacional é uma medida fundamental e essencial tanto para a adaptação, quanto para a mitigação da crise climática e ambiental.
Felizmente a questão demográfica começa a ser levada em consideração. Mais de 11 mil cientistas de todo o mundo publicaram, no dia 05 de novembro de 2019, na revista BioScience, um alerta sobre a ameaça de uma iminente catástrofe ambiental e declararam que o planeta está enfrentando uma emergência climática. Entre os “sinais vitais” apresentados está a questão do crescimento demoeconômico. O documento diz: “O crescimento econômico e populacional está entre os mais importantes fatores do aumento das emissões de CO2 em decorrência da combustão de combustíveis fósseis”. E afirmam: “Ainda crescendo em torno de 80 milhões pessoas por ano, ou mais de 200.000 por dia, a população mundial precisa ser estabilizada e, idealmente, reduzida gradualmente”.
A questão demográfica também foi debatida durante a COP-25 em Madri, Espanha, no dia 6 de dezembro de 2019. Houve um debate sobre a questão da superpopulação humana. Foi uma das poucas vezes que este assunto foi debatido no âmbito das conferências do clima (ver vídeo abaixo). A consciência está crescendo e cada vez mais pessoas percebem que é preciso decrescer a população e o padrão de produção e consumo da humanidade. Caso contrário, todos perdem e teremos um colapso ambiental que também será um colapso civilizacional.
Referências:
• ALVES, JED. Os países pobres e de renda média lideram a emissão global de CO2 no século XXI, Ecodebate, 23/10/2019.
• ALVES, JED. BRICS ultrapassam a OCDE em emissões de CO2, Ecodebate, 13/11/2019.
• Extinction Rebellion (XR): https://rebellion.earth
• RITCHIE, Hannah; ROSER, Max. CO₂ and greenhouse gas emissions. Published online at OurWorldInData.org. This article was first published in May 2017; last revised in December 2019.
• Overpopulation & Climate Change: A Seat at the Table, COP-25, Madri, 03/01/2019.
Por: José Eustáquio Diniz Alves (EcoDebate).
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