Os últimos 5 anos foram os mais quentes do registro histórico. O volume de gelo no Ártico no verão é, hoje em dia, 70% menor do que há apenas 4 décadas. Tempestades, como furacões e chuvas extremas, têm se intensificado, em paralelo com ondas de calor, secas e incêndios florestais, como o que transformou a Austrália recentemente num inferno, ceifando a vida não apenas de seres humanos, mas de cerca de um bilhão de animais. O avanço do nível do mar também já produz efeitos visíveis na linha de costa em vários locais do mundo. Corais estão sofrendo com eventos de branqueamento cada vez mais frequentes e a acidificação dos oceanos avança, ameaçando a biota marinha.
Sabe-se, pelo menos desde o final do século passado, que o aumento incessante das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera do nosso planeta iriam produzir esses efeitos, e que os mesmos se agravam ano após ano, especialmente se nada for feito. Os cientistas alertaram sucessivamente, através dos relatórios produzidos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) que a única saída seria reduzir as emissões de gases de efeito estufa, especialmente o CO₂ proveniente da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento.
Há pelo menos 3 décadas, no esforço construído em torno do IPCC, a comunidade científica internacional vem somando esforços para entender as bases físicas das alterações climáticas, identificar potenciais impactos e vulnerabilidades de sistemas naturais e humanos, propor soluções para conter o aumento da temperatura média global, e reduzir os seus efeitos negativos sobre o meio ambiente e o modo de vida das pessoas. Em 8 de outubro de 2018, na Coréia do Sul, o IPCC divulgou um relatório, considerado o mais importante já publicado abordando as mudanças climáticas, no qual avalia as perspectivas globais de limitar o aquecimento global a 1,5ºC em relação ao Período Pré-Industrial. No referido documento, o IPCC ressalta o aprimoramento e a urgência nas tomadas de decisões dos governos em relação ao Acordo de Paris, deixando claro que um cenário de 1,5°C é mais seguro que 2°C no que diz respeito à impactos climáticos. De fato, as estimativas científicas apontam que caso as temperaturas globais aumentem 2°C acima dos níveis pré-industriais, as consequências serão ainda mais catastróficas, incluindo a escassez de alimento e de água, e desastres naturais potencializados pela ação humana, por exemplo, aqueles que causam impactos diretos na saúde. Em suma, todas essas questões, no fim das contas, envolvem saúde pública.
Projeções científicas apontam ainda que as mudanças no clima devem implicar no aumento tanto na quantidade quanto na diversidade dessas epidemias, principalmente de doenças infecciosas transmitidas por vetores, como a malária, dengue e Zika. Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia publicado um relatório Investing to overcome the global impact of neglected tropical diseases, o qual alertava para o perigo da relação entre o aquecimento global e doenças tropicais negligenciadas. Segundo esse documento, com o aumento da temperatura, a zona de clima tropical do planeta deverá se expandir paulatinamente, ampliando também as áreas acometidas por doenças. Esse relatório conclui que as mudanças climáticas constituem a maior ameaça à saúde mundial do século XXI, cujas estimativas apontam 250 mil mortes por ano até 2030.
Estudos diversos apontam que ecossistemas modificados pela intervenção humana, além de potencializarem a disseminação de doenças emergentes, podem também contribuir para a propagação de outras doenças associadas, que podem afetar o sistema imunológico e atingir a saúde humana como um todo. Além disso, sabe-se que os impactos antrópicos associados à crise climática também levam à insegurança alimentar, e como resposta à nova realidade ambiental, as pessoas tendem a buscar fontes alternativas de alimento, tais como a inserção de animais silvestres na sua dieta. É exatamente em cenários como estes que emergem as chamadas pandemias, doenças infecciosas cuja ocorrência extrapola fronteiras geográficas, atingindo pessoas ao redor do mundo. Entre 1918 e 1920, por exemplo, estima-se que de 50 a 100 milhões de pessoas tenham morrido na pandemia da Gripe Espanhola, um número superior a quantidade de civis e militares que morreram durante a 1ª Guerra Mundial (aproximadamente 17 milhões de vítimas); e em 2009, especialistas apontam que milhões de pessoas ao redor do mundo tenham sido infectadas – e centenas delas tenham sido mortas – pela Gripe Suína, pandemia causada pelo vírus Influenza H1N1.
De acordo o último Relatório Anual sobre Preparação Global para Emergências em Saúde (2019), “doenças propensas a epidemias, como gripe, doenças respiratórias agudas graves (SARS), Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), Ebola, Zika, febre amarela e outros, são precursores de uma nova era de alto impacto, surtos potencialmente de rápida disseminação que são mais frequentemente detectados e cada vez mais difícil de gerenciar”. A passagem desses vírus para o ser humano é facilitada quando travamos contato mais frequente com espécies silvestres por conta do desmatamento e degradação ambiental em associação principalmente com a expansão da fronteira agrícola e quando mantemos bilhões de animais geneticamente similares em confinamento (“gripe suína”, “gripe aviária” etc.). Além disso, a rápida disseminação de vírus perigosos só é possível graças à hipermobilidade produzida por nosso modo de vida intensivo em carbono.
Atualmente, enfrentamos o preocupante novo coronavírus (SARS-COV-2), pandemia que já soma mais de 1 milhão mortes em todo o mundo. Para este caso, há indícios de que o vírus pode ter “saltado” de determinados grupos de animais silvestres para as pessoas, a partir do momento que estes foram inseridos como alimentação alternativa para alguns grupos humanos, bem como os locais insalubres onde tais animais eram mantidos para venda e posterior abate. Em se confirmando tais indícios, ficará evidenciado, mais uma vez, que determinadas atitudes humanas – tais como invadir ambientes habitados por milhares de outros organismos, bem como utilizá-los como alternativa a mudanças provocadas por nós mesmos – têm efeitos nocivos à natureza em geral, com implicações diretas a nossa própria saúde.
Esse cenário de pandemia do SARS-COV-2 está imprimindo à sociedade uma mudança emergencial introduzindo novos hábitos, que poderão constituir a longo prazo para minimizar a crise climática, como trabalhar de casa, videoconferências, jornadas semanais mais breves ou horários de escritório alternados para reduzir o tráfego. Mostra também que boa parcela da produção e circulação de bens materiais é supérflua, predatória e perfeitamente dispensável e revela que mecanismos de proteção social como a renda universal pode proteger trabalhadores de setores cujas atividades precisam ser ou drasticamente reduzida ou encerrada (petróleo, mineração de carvão, etc). Mas estamos longe de resolver a crise climática, tendo em vista que para isso somente uma mudança de atitude global poderia resolver o problema. Mesmo considerando uma projeção de queda de 8% nas emissões ao final deste ano, o aumento da concentração de CO2 na atmosfera seria apenas ligeiramente freado, sendo necessários cortes da ordem dessa porcentagem por anos a fio para mantermos chances de conter o aquecimento global.
Que legado deixaremos às futuras gerações? Um mundo ingovernável, com eventos extremos, milhões de refugiados climáticos e pandemias frequentes? Em que não saberemos se devemos dizer “fique em casa” (para evitar contágio numa pandemia) ou “evacuem suas casas” (diante de um furacão ou incêndio florestal)? É preciso afirmar com todas as letras: como solução consistente e de longo prazo para essas duas crises – climática e sanitária – não há outro “medicamento” ou “vacina” senão mudanças de atitudes, o que exige uma autocrítica profunda acerca do nosso papel enquanto “seres pensantes” na manutenção do equilíbrio ecológico-social-econômico do nosso Planeta, cuja dinâmica sistêmica é limitada – atuando à base de fluxos (de matéria e energia) e de ciclos (carbono, nitrogênio, etc.) – em um sistema capitalista expansionista, cuja lógica é baseada na geração, concentração e acumulação de bens e riqueza a curto prazo. Nossa percepção no que diz respeito à centralidade do colapso ecológico tem que ser ampliada e a mudança no nosso modo de nos relacionarmos com a natureza, radicalmente alterada. Já!
Por: Henrique Fernandes de Magalhães; biólogo, professor substituto do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) e doutorando em Etnobiologia e Conservação da Natureza pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Regina Célia da Silva Oliveira: bióloga e doutora em Etnobiologia e Conservação da Natureza pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Alexandre Araújo Costa: físico, doutor em Ciências Atmosféricas pela Colorado State University System e professor titular do Centro de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Fonte: EcoDebate.
Fonte: EcoDebate.
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