Entre a Atenção (conhecer), o Interesse (se envolver), a Decisão (desejar e decidir pela aquisição) e a Ação (agir efetivamente), como estão as empresas em relação à governança de externalidades?
Gosto da simplicidade do modelo AIDA, elaborado por Elmo Lewis no fim do século XIX. Lewis é um dos pioneiros do marketing e desenvolveu modelos voltados para explicar comportamentos associados à aquisição de produtos ou serviços. Trata-se de uma sequência bastante intuitiva: Atenção (conhecer), Interesse (se envolver), Decisão (desejar e decidir pela aquisição) e Ação (agir efetivamente). Vou aplicar o modelo para a governança de externalidades.
Administradores estão atentos às externalidades, ou “aos efeitos indiretos da produção de bens e serviços que são transferidos à sociedade e a indivíduos não diretamente envolvidos nos processos produtivos, financeiros e mercadológicos gerados pelas organizações”. Esta definição é a utilizada pelo CFA Institute, entidade que reúne profissionais da área de investimentos, uma das mais renomadas do universo financeiro. Administradores, conselheiros, acionistas e empreendedores sabem que a sociedade está crescentemente atenta a esses efeitos. O “A” (atenção) do AIDA está contemplado.
No entanto, a sequência precisa ainda se consolidar no campo da governança corporativa. Não se pode dizer que o Interesse por conhecer amplamente as externalidades geradas pelas organizações esteja efetivamente traduzido pela Decisão de incorporar a gestão desses efeitos de forma rotineira. Ações neste sentido precisam ser implementadas com urgência. O conceito de externalidades está diretamente associado à “licença social para operar”, outro tema a navegar pela AIDA. Administradores sabem do que se trata, manifestam algum Interesse, mas ainda não Decidem e Atuam com olhar permanente nos stakeholders, buscando alinhamento com as demandas da sociedade.
Ricardo Abramovay, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP, traduz externalidades como “tudo o que produz impacto negativo ou positivo e que não entra no sistema de custos e preços”. Carlos Eduardo Frickmann Young, professor titular da UFRJ, vai direto ao ponto: “Em vez de todos pagarem o pato, que pague o pato quem é responsável por ele”. O uso da palavra responsabilidade está associado à moralidade e não à legalidade.
A licença social vai além das regras formais, leis e regulamentações, mas lida e antecipa as demandas da sociedade que, gradativamente, são transformadas em leis e normas transformam-se em leis e normas. Quando isso ocorre, viram obrigações e passivos, com impactos nas operações e em modelos de negócios. No entanto, antes de serem incorporadas ao mundo das regras formais, causam efeitos substantivos. Abalam reputações e, com isso, acesso a mercados e a capital financeiro, influenciam a atração de recursos humanos, afetam o clima organizacional e o engajamento da rede de stakeholders. Destroem valor.
Vale lembrar que externalidades se expressam em um gradiente de impacto, podendo ser negativas ou positivas. Do lado das negativas, devem ser evitadas, mesmo se representarem riscos de baixa probabilidade. No entanto, sabemos que nem sempre é possível eliminar totalmente efeitos indesejáveis. Busca-se então a redução, a mitigação e, no pior dos casos, a compensação. A gestão de externalidades inclui a produção de efeitos positivos para a sociedade, como o desenho de modelos de negócios voltados para a produção e o compartilhamento permanente de impactos de valor positivo.
Um dos grandes desafios da gestão de externalidades é a extrapolação da responsabilidade para a cadeia de suprimentos e para os efeitos dos produtos e serviços em consumidores, diretos e indiretos. O conceito de responsabilidade subsidiária se amplia gradativamente, tanto no campo moral quanto legal. A rastreabilidade em toda a cadeia torna-se imperiosa e determinante na licença social. A transparência é inevitável na construção de relações de confiança com sociedade.
A relação com stakeholders é necessária e complexa. Inclui indivíduos e organizações aparentemente apáticas, mas também outras altamente engajadas e profissionais. Lida o tempo todo com assimetria de informação, interagindo com pessoas que não contam com a informação necessária, com vulneráveis e informalidade. Convive com alta imprevisibilidade e ambiguidade. Enfrenta os mais diversos gradientes ideológicos, os bem-intencionados e os oportunistas.
A gestão de externalidades depende de uma rede de relacionamentos estruturada, com interações que combinem aporte de conhecimento, fortalecimento institucional e reputacional. Além de proporcionar leitura de contexto e ambiente, pode decodificar demandas não evidentes, tendências (incluindo de consumo), com potencial contribuição para desenho de produtos, estratégicas e modelos de negócios. Fortalece a diversidade e, com isso, o repertório organizacional e suas competências dinâmicas – a capacidade da organização de se moldar rapidamente, aprender continuamente e ser menos dependente de trajetórias passadas (ainda que bem sucedidas).
Além disso, se esses relacionamentos forem explícitos, a gestão de externalidades fornece ao mercado sinais de conexão com a sociedade e compartilhamento de imagem e reputação. Obviamente, a interação com stakeholders não pode ser unidirecional, mas envolve um fluxo de comunicação complexo e pouco controlável.
Há forte tendência do uso de esquemas de certificação multistakeholder. Com frequência estes esquemas representam uma forma estruturada de expor os modelos de operação e produtos ao crivo de sistemas de auditorias externas fundamentadas em princípios e critérios socioambientais. Assim como a montagem das redes de relacionamento, devem ser objeto de profunda verificação da credibilidade e capacidade de governança. Este cuidado é essencial diante da proliferação de esquemas que, muitas vezes são apenas comerciais, sem a devida legitimidade perante a sociedade.
A evolução da AIDA sustentável nas organizações depende de como acionistas e conselheiros agem. Como definem o modelo de negócio vis-à-vis às externalidades. Como lidam com ética e integridade no âmbito da governança. A transparência que a mídia digital impõe às corporações estabelece um vínculo entre ética e identidade, percebidas pela sociedade a partir da imagem construída na leitura dos princípios e valores expostos nos produtos, na comunicação e nas externalidades geradas. Contradições na comunicação, nas expectativas internas e externas e nas externalidades, custam cada vez mais caro.
A relação entre exposição pública, reputação, construção de conexões de confiança e valor é crescente. O aumento da importância do compliance nas organizações é um sinal positivo de que ética e integridade passaram a ser parte da rotina. O desenvolvimento e a sofisticação das estratégias e áreas de compliance, assim como a gestão de riscos, são bons aliados na gestão de externalidades.
Conselhos devem cuidar da concentração excessiva no campo das finanças. Não se trata de desmerecer a atenção ao desempenho econômico-financeiro, mas sim integrá-lo à gestão das externalidades. Um caminho evidente é a avaliação permanente de como estas afetam o valor das companhias. Desafio longe de estar equacionado. Externalidades negativas são normalmente subdimensionadas ou tratadas como eventos improváveis. Às vezes resultam em provisionamentos. Externalidades positivas tratadas como intangíveis. Este campo avança, mas não deve ser condicionante para que a governança corporativa incorpore em seu repertório análise de externalidades e seus impactos no desenho de estratégias.
A abordagem ESG (Ambiental, Social e Governança, na sigla em inglês) tem indicado a criação de Comitês de Sustentabilidade como órgãos assessores de conselhos. Se bem estruturados, com a participação de membros externos e independentes, são capazes de contribuir para o monitoramento de como externalidades afetam e são geridas pela organização. Podem indicar tendências e subsidiar boas discussões estratégicas e de modelos de negócios. Servem de sounding boards (caixas de ressonância) para executivos, incluindo a mais alta administração. No entanto, não são a única alternativa.
Algumas organizações optam pela criação de painéis de stakeholders, outras pela inclusão de representantes da sociedade diretamente nos conselhos. Em qualquer caso, um ponto crítico é a legitimidade e a representatividade das pessoas que integram esses fóruns de governança perante a sociedade. Deve evitar-se, a todo custo, a indicação de representantes com baixa credibilidade perante seus pares, justamente por serem mais afeitos às relações com o mundo corporativo.
A licença social é algo que deve ser construído com honestidade, transparência, relacionamento permanente com stakeholders, se possível, com obtenção de certificações de terceira parte e, acima de tudo, gestão de externalidades. Este é o “A” da Ação no modelo AIDA voltado para um ambiente de negócios cada vez mais dependente das interferências da sociedade na vida das empresas.
Por: Roberto S. Waack (Página 22).
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