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Florestas Tropicais Estão Demonstrando Resistência Surpreendente ao Aumento das Temperaturas


Um futuro mais quente para florestas como a Amazônia, mostrada na imagem, não significa necessariamente o fim das árvores, segundo novas pesquisas. FOTO DE MALTE JAEGER, LAIF/REDUX. 

A floresta tropical mais quente do mundo não está localizada na Amazônia nem em nenhum outro local previsível, mas dentro da Biosfera 2, instalação experimental de pesquisa científica no deserto perto de Tucson, no Arizona. Um estudo recente de árvores tropicais plantadas nesse local no início da década de 1990 gerou um resultado surpreendente: as árvores resistiram a temperaturas mais elevadas do que qualquer temperatura prevista para as florestas tropicais neste século. 

O estudo se soma a um número crescente de descobertas que estão proporcionando aos cientistas especializados em florestas algo que está em falta ultimamente: esperança. As plantas podem dispor de recursos inesperados que facilitam sua sobrevivência — e talvez até lhes assegure um bom desenvolvimento — em um futuro mais quente e repleto de carbono. E embora as florestas tropicais ainda enfrentem ameaças humanas e naturais, alguns pesquisadores acreditam que as conclusões assustadoras de seu declínio iminente devido às mudanças climáticas podem ter sido exageradas. 

“A vida é engenhosa”, afirma Scott Saleska, ecologista da Universidade do Arizona em Tucson e um dos líderes do estudo da Biosfera 2. “É muito mais engenhosa do que as representações de nossos atuais modelos.” 

Nos últimos anos, foi publicada uma infinidade de relatórios alarmantes sobre florestas e os efeitos das mudanças climáticas sobre elas. Os cientistas anunciaram que a floresta amazônica não é mais um sumidouro de carbono confiável; a floresta amazônica pode estar se aproximando de um ponto crítico; florestas tropicais em todo o mundo já se aproximam das temperaturas mais altas toleradas por elas e as mudanças climáticas está matando árvores antigas. 

Um ponto é incontestável: nossas emissões de combustíveis fósseis estão criando um clima inédito à humanidade e não vivenciado pelas árvores há muito tempo. “Estamos aquecendo as florestas tropicais a temperaturas inexistentes desde o Cretáceo — desde a época dos dinossauros”, afirma Abigail Swann, ecologista e cientista climática da Universidade de Washington em Seattle. 

Mas é difícil prever qual será a reação das árvores. Submeter florestas inteiras a um experimento de simulação de um futuro mais quente é uma tarefa dispendiosa e logisticamente complexa. A maioria dos cientistas foi obrigada a traçar extrapolações a partir de experimentos em pequena escala ou observações de campo, muitas vezes recorrendo a modelos de computador para realizar projeções sobre as próximas décadas. 

Uma instalação singular

A Biosfera 2 ofereceu uma rara oportunidade para testar o clima em uma floresta em tamanho real. Embora mais conhecida pelas equipes que ficaram isoladas no local entre 1991 e 1994, a instalação também abriga ecossistemas artificiais. Entre eles está uma floresta tropical com cerca de dois mil metros quadrados dentro de uma estrutura feita de vidro em formato de pirâmide cujo ponto mais elevado ergue-se a uma altura de 30 metros do solo do deserto. As copas das árvores plantadas no local no início da década de 1990 atualmente tocam o teto. 

As temperaturas no interior da estrutura ultrapassam as temperaturas previstas até mesmo para a Amazônia — a floresta tropical mais quente do mundo — neste século. Sob essas condições sufocantes, as plantas de estudos anteriores ao ar livre quase interromperam a fotossíntese, o processo bioquímico utilizado pelas plantas para transformar o dióxido de carbono em açúcares simples para obter energia. 


A Biosfera 2 em Oracle, no Arizona, possui uma floresta tropical em miniatura na qual as árvores crescem a 37,8 graus Celsius, muito mais quente do que o normal para essa vegetação. FOTO DE JESSICA LEHRMAN, THE NEW YORK TIMES/REDUX. 

Os dados sobre o crescimento das árvores sob diferentes condições ambientais foram registrados no início da década de 2000 e armazenados em servidores e discos rígidos. Marielle Smith, ecologista e pós-doutoranda na Universidade Estadual de Michigan, considerou esses registros uma rara oportunidade de estudar uma floresta em um clima futuro. 

Seu objetivo era analisar os efeitos de duas variáveis relacionadas: a temperatura e o déficit de pressão de vapor ou VPD (na sigla em inglês) — ou seja, a diferença entre a quantidade de água que o ar pode reter e quanto de fato retém em um determinado local e período. Quando o VPD é alto, as plantas perdem água mais rápido. 

Normalmente, o aumento do VPD acompanha a temperatura porque o ar quente retém mais umidade. Contudo, na Biosfera, os pulverizadores mantinham o ar úmido, criando uma rara combinação de calor intenso e VPD baixo. O teor de CO2 se manteve estável em pouco mais de 400 partes por milhão, apenas discretamente acima do que no ar exterior naquela ocasião. 

O ritmo de fotossíntese das árvores da Biosfera permaneceu igual até as temperaturas atingirem cerca de 38 graus Celsius, conforme publicado por Smith e seus colegas no mês passado no periódico Nature Plant. Por outro lado, em florestas naturais no Brasil e no México, o ritmo de fotossíntese despencou a partir de apenas 28 graus Celsius. 

Segundo Smith e outros especialistas, o resultado é um grande golpe na teoria difundida de que o calor intenso interrompe a fotossíntese — a noção de que o processo seria diretamente desativado. 

No entanto tudo indica que as altas temperaturas prejudicam a vegetação indiretamente com o aumento do VPD e, em seguida com a elevação da aridez do ar. As folhas das plantas absorvem dióxido de carbono por meio de células foliares com uma cavidade, denominadas estômatos, mas essas células também liberam água — até 300 moléculas de água para cada molécula de CO2 que entra. Quando o VPD aumenta em resposta a uma elevação na temperatura, as plantas fecham os estômatos para reter a água que lhes é vital, ainda que essa ação lhes obrigue a renunciar a seu alimento. 

No mundo real, não são apenas as temperaturas que estão aumentando, o dióxido de carbono também está subindo rapidamente. Isso pode ajudar a proteger as plantas do calor: no futuro quente e com alto teor de CO2, os estômatos podem absorver dióxido de carbono e, em seguida, fechar-se para conservar água, afirma Smith. 

“É um resultado de certa forma animador, e não é sempre que obtemos resultados desse tipo”, conta Laura Meredith, ecologista da Universidade do Arizona que lidera pesquisas sobre a floresta tropical da Biosfera 2, mas que não participou do estudo. “É uma ótima notícia a existência de estratégias de adaptação e manutenção da eficiência das florestas.” 

Smith admite, entretanto, que ainda há “um grande porém”: o experimento da Biosfera 2 não incluiu altos teores de CO2, portanto, não foi possível provar que de fato o gás será utilizado pelas plantas para conservar água. “Ainda não se sabe se esse mecanismo poderia realmente existir”, ressalta ela. 

Mais CO2? Ótimo

Pesquisadores no Panamá estão avançando nos estudos e testando se elevados teores de dióxido de carbono de fato protegem as plantas do calor. Até o momento, a resposta parece ser um sim com algumas ressalvas. 

O botânico Klaus Winter construiu seis cúpulas geodésicas na estação de pesquisa do Instituto Smithsoniano de Pesquisa Tropical perto do Canal do Panamá. As cúpulas de Winter são muito menores do que as da Biosfera 2 e abrigam apenas árvores pequenas, porém dispõem de controle de temperatura e de dióxido de carbono. No estudo apresentado em encontros científicos, mas ainda não publicado, ele concluiu que, sob temperaturas acima das previstas para este século, plantas com bastante irrigação e abundância de dióxido de carbono apresentam um bom desenvolvimento. O crescimento de uma espécie, o pau-de-balsa, até disparou. 


No Instituto Smithsoniano de Pesquisa Tropical em Gamboa, no Panamá, a vegetação é cultivada em estufas na forma de cúpulas, onde é possível controlar a temperatura e a umidade. No interior das cúpulas, as árvores bem irrigadas e expostas a um grande volume de CO2 apresentam um bom desenvolvimento sob temperaturas acima do previsto para este século. FOTO DE LUIS ACOSTA, AFP/GETTY IMAGES. 

O experimento não testa diretamente o mecanismo proposto por Smith, mas confirma que algumas árvores podem suportar altas temperaturas se receberem um grande volume de CO2 — e água, afirma Winter. “As árvores são menos suscetíveis do que esperado.” 

Martijn Slot, colega de Winter, investigou uma questão paralela: seriam as plantas capazes de se adaptar a temperaturas maiores? Cada planta possui uma faixa de temperatura ideal, identificada pelos pesquisadores por meio de sensores de gás para medir a fotossíntese na folha conforme é aumentada a temperatura. 

Slot constatou que é alcançada a fotossíntese ideal quando as mudas são cultivadas a 25 graus Celsius. Mas quando foi aumentada a temperatura para 35 graus Celsius, esse ponto ideal passou para cerca de 30 graus Celsius. A capacidade das plantas de adaptar sua fisiologia interna é um exemplo de “plasticidade”, cada vez mais observada como uma defesa botânica contra a mudança das condições. 

“Considerar a reação das plantas às condições ambientais como sendo estática e rígida leva a previsões imprecisas ou provavelmente equivocadas”, esclarece Slot. “A plasticidade deve ser considerada” em modelos de computador que geram as previsões climáticas. 

Outro indício recente de resistência oculta vem do campo. Flavia Costa, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia em Manaus, no Brasil, analisou 20 anos de dados obtidos em lotes das florestas brasileiras monitoradas. Foram incluídas florestas em planícies com acesso fácil a lençóis freáticos, o que lhes proporcionava plena irrigação, assim como as plantas de Winter. A equipe de Costa constatou que essas florestas com “lençóis freáticos superficiais”, que compõem, segundo estimativas, mais de um terço de toda a Amazônia, se desenvolveram sem alterações e continuaram absorvendo carbono durante estiagens severas em 2005, 2010 e 2015. 

Artigos anteriores alertaram que as secas provocadas pelo clima e as taxas de crescimento e mortalidade acelerados das árvores estavam eliminando a vegetação e prejudicando a capacidade da floresta amazônica de continuar atuando como sumidouro de carbono. Se as florestas úmidas em toda a Amazônia são tão resistentes quanto as dos lotes pesquisados, “a perda de produtividade e o aumento da mortalidade estão provavelmente superestimados”, presume Costa. 

Oliver Phillips, cientista ambiental da Universidade de Leeds que lidera uma das principais redes de pesquisa da Amazônia, concorda que florestas úmidas e de planícies parecem ser mais resistentes à seca do que as demais. Mas seus estudos analisam apenas essas florestas e ele não sabe se adicionar outras mudaria drasticamente as conclusões. Atualmente, ele e Costa estão conduzindo uma análise conjunta dos dados dos lotes a fim de obter maior representatividade das florestas amazônicas. 

Mas há um problema

Todos esses estudos possuem ressalvas e advertências. 

Futuramente, as florestas podem enfrentar secas ainda mais severas do que qualquer outra já existente, o que pode afetar até mesmo as florestas úmidas em planícies que resistiram até hoje, afirma Costa. Por outro lado, os estudos que simulam florestas procuram reproduzir a diversidade impressionante de florestas tropicais reais, que poderiam abrigar tanto árvores especialmente vulneráveis quanto mecanismos de resistência ainda não descobertos, acrescenta ela. Apenas a Amazônia contém cerca de 16 mil espécies de árvores, muito mais do que as representadas na Biosfera 2, nas cúpulas de Winter e em qualquer modelo de computador. 

Além disso, as plantas de Winter ainda são novas e ele as mantém com irrigação constante. É possível que seu desenvolvimento não seja o mesmo durante estiagens — algo que Winter planeja estudar em suas cúpulas assim que forem suspensas as restrições devido ao coronavírus. 

Para Nate McDowell, cientista da Terra no Laboratório Nacional do Noroeste do Pacífico em Richland, Washington, que alertou, no início deste ano, na revista científica Science que as mudanças climáticas já estão reduzindo o crescimento das árvores e o armazenamento de carbono, os resultados de Smith são “animadores”, mas uma pergunta importante permanece sem resposta: o dióxido de carbono elevado poderá mesmo ajudar as plantas a suportar o ar mais seco previsto futuramente? “É uma ótima questão científica”, afirma McDowell — “uma questão científica urgente”. 

Ainda que um alto teor de CO2 mantenha as plantas vivas, é possível que sua reação ao calor reduza a altura das plantas, mas deixe-as mais resistentes, acrescenta Smith, tornando os estudos dela e de McDowell possivelmente complementares e não contraditórios. Aliás, a floresta da Biosfera 2 passou por alterações ao longo de suas três décadas, talvez devido às condições extremas enfrentadas. As árvores nessa instalação que produzem uma substância química denominada isopreno, que parece contribuir com a fotossíntese sob altas temperaturas, sobreviveram mais do que aquelas que não produziram a substância: uma mudança que envolve implicações ainda desconhecidas. 

“Podemos estar inadvertidamente construindo uma Amazônia mais resistente”, afirma Smith, “mas que talvez não seja capaz de armazenar a mesma quantidade de carbono”.

Por: Gabriel Popkin (National Geographic Brasil).



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