Em 27 de janeiro de 2021, o secretário da Defesa dos Estados Unidos, Lloyd J. Austin III, reconheceu a mudança climática como uma questão de segurança nacional. Para o ex-diretor do Banco Mundial Jamal Saghir, reconhecer a conexão entre clima e a segurança mundial constitui um passo crucial, e o conflito da Síria “é um exemplo perfeito do impacto da mudança climática sobre problemas pré-existentes, como instabilidade política, pobreza e escassez de recursos”.
No passado, os agricultores sírios dispunham de terras relativamente férteis e produtivas, e entre as décadas de 1970 e 1990 se beneficiaram do apoio estatal à produção de alimentos básicos. Desde os anos 80, porém, o país de cerca de 17 milhões de habitantes foi atingido por três secas: a mais recente, estendendo-se de 2006 a 2010, foi classificada como a pior desde os primeiros registros, há cerca de 900 anos.
A redução das chuvas, aliada ao incremento das temperaturas, resultou na desertificação e devastação da terra arável, sobretudo na região leste. Ao todo, 800 mil cidadãos perderam seu meio de subsistência, e 85% do gado morreu. Como as safras também encolheram até dois terços, o país teve que importar grande quantidade de cereais, e os preços dos alimentos duplicaram.
“Mas a seca ainda continuou, e o povo perdeu a esperança”, e assim 1,5 milhão de trabalhadores rurais foram procurar ocupação nas cidades, relata Saghir, que leciona no Instituto para Estudo do Desenvolvimento Internacional da Universidade McGill, no Canadá. Os que permaneceram, na maioria agricultores empobrecidos, se transformaram em alvo fácil para os recrutadores de terroristas de grupos como o autodenominado “Estado Islâmico” (EI).
Muitas regiões sírias não têm água corrente, e situação política dificulta ainda mais a distribuição.
“Um coquetel tóxico virou mistura explosiva”
“O colapso climático foi um amplificador e multiplicador da crise política que se formava na Síria”, explica à DW Staffan de Mistura, enviado especial das Nações Unidas para a Síria de 2014 a 2018. A decisão do presidente Bashar al-Assad de, ao longo dos anos, cortar os subsídios para combustível, água e alimentos agravou a situação. Além da escassez de água nas áreas rurais, acirraram-se as tensões entre curdos, árabes, alavitas e sunitas.
“Um coquetel tóxico começou a virar mistura explosiva com os ingredientes da Primavera Árabe, a raiva pela perda de empregos, a migração para as cidades, assim como a queda do poder aquisitivo e a ira pelas reações extremamente duras e cruéis do governo”, prossegue De Mistura.
Do ponto de vista geopolítico, a competição da Síria com seus arqui-inimigos Irã e Arábia Saudita foi mais um elemento de agravamento. “Começamos a ver horríveis cercos medievais em torno de muitas cidades, como Homs e Aleppo, em que era cortado o acesso dos habitantes a água e comida”, recorda o diplomata ítalo-sueco.
Quando ele deixou a Síria em 2018, havia menos lutas, com 60% da população sob controle governamental. Ainda assim, de seu ponto de vista, “o país não corre mais perigo de uma grande guerra, mas sim de colapso”.
Para paz é preciso reconstrução
De acordo com a Anistia Internacional, desde 2011 6,6 milhões de habitantes foram deslocados dentro da Síria, e 5 milhões fugiram. As problemáticas condições de vida no país não melhoraram, apesar de o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Enucah) registarem que em 2019 cerca de 82.500 refugiados retornaram, e 412 mil deslocados internos estão de volta a seus locais de origem.
Vastos territórios foram devastados pela guerra civil, a água continua escassa e a infraestrutura precisa ser reparada em quase todo o país. “Assad quase venceu a guerra territorial, mas ainda está muito longe de ganhar a paz”, avaliou De Mistura numa conferência online organizada pela Fundação Berghok e o Instituto de Pesquisa do Impacto Climático de Potsdam (PIK).
Jamal Saghir concorda: “Para a paz, precisamos de reconstrução”, e qualquer acordo de paz precisa ser alicerçado por um pacote de investimentos. No entanto a própria Síria não estará em condições de financiar sua reconstrução, e resta ver se seus aliados Rússia e Turquia estão dispostos a investir no futuro do país.
O ex-diretor do Banco Mundial não tem dúvidas quanto ao que precisa ser feito: “É imperativo tornar a Síria mais resiliente, ajudando a região a fazer a transição para uma infraestrutura mais segura em termos de energia e água.”
Por: Jennifer Holleis (Deutsche Welle).
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