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Como Cidades Podem Se Preparar Para a Mudança Climática


Cidades brasileiras são diretamente afetadas pelas mudanças climáticas. 

Prefeituras precisam criar plano de enfrentamento à mudança climática que contribua para a diminuição dos gases do efeito estufa, torne as cidades mais resilientes e foque na prevenção de riscos. 

O temporal que atingiu o Rio Grande do Sul em 27 de abril deste ano inaugurou a maior e mais duradoura catástrofe climática enfrentada pelo estado. O consequente registro de 172 óbitos e 476 municípios afetados em pouco mais de um mês revelou a urgência de as cidades brasileiras se prepararem não apenas para mitigar os efeitos da mudança climática como também para lidar com perdas e danos causados por desastres naturais. 

Dados organizados pelo Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional mostram que o fenômeno não é recente. Entre 1993 e 2023, 4,7 mil pessoas morreram no país em decorrência de desastres relacionados à estiagem, incêndio florestal, ondas de calor, alagamentos ou inundações. Mais de 9,6 milhões foram desalojadas ou desabrigadas, e o prejuízo estimado para os cofres públicos acumula R$ 430,8 bilhões. 

Na contramão das estatísticas oficiais, o investimento em prevenção de desastres no Brasil se manteve baixo até o ano passado. Das 27 capitais brasileiras, 15 não possuem um plano municipal exclusivo para se preparar para a mudança climática, diz levantamento realizado pelo Instituto Jones dos Santos Neves, vinculado ao governo do Espírito Santo. Como mostrou a Deutsche Welle, outro estudo aponta que ao menos 1.434 municípios brasileiros não têm orçamento para atividades de proteção e defesa civil. 

A nível federal, mesmo após as enchentes no Rio Grande do Sul, apenas R$ 68,6 milhões foram autorizados em emendas parlamentares destinadas à prevenção de desastres, o que inclui projetos contra erosão costeira, contenção ou amortecimento de cheias, controle de incêndios florestais e fortalecimento do Sistema Nacional de Proteção Civil. O valor equivale a 0,15% das transferências parlamentares previstas para o ano. 

Cidades devem se preparar

Para especialistas ouvidos pela DW, a ausência de estratégias específicas para proteger a população ignora a importância das cidades nesse contexto. Nota técnica publicada pelo Governo Federal, por exemplo, indica que o número de municípios brasileiros suscetíveis a ocorrências de deslizamentos, enxurradas e inundações saltou de 821 em 2012 para 1.942 em 2023. Neles vivem 73% da população brasileira. 

Um município exposto a risco de eventos climáticos está sujeito não apenas à ameaça da chegada de uma tempestade, por exemplo, mas também à vulnerabilidade da população e à capacidade de resposta. 

O secretário-geral da organização internacional Iclei [Governos Locais pela Sustentabilidade], Gino Van Begin, defende que essas áreas urbanas precisam ser resilientes aos impactos do clima. "Não devemos nos esquecer de que as cidades podem implementar diretamente políticas e iniciativas climáticas, levando a efeitos imediatos e visíveis na infraestrutura, no transporte, no gerenciamento de resíduos e no uso de energia", diz. 

É consenso que as prefeituras precisam criar um plano de enfrentamento à mudança climática, em especial que contribua para diminuir a emissão de gases do efeito estufa e crie uma integração entre zonas rurais e urbanas. O plano deve conter um ciclo de gestão de risco de desastres com etapas de prevenção, preparo, resposta e recuperação. 

"A preparação para os eventos climáticos atuais é possível, mesmo em locais com menor histórico de planejamento urbano sustentável, por exemplo, por meio de sistemas de alerta antecipado, planos de resposta a emergências e preparação da comunidade", completa Van Begin

Estratégias

O vice-presidente da Frente Nacional de Prefeitos, Alex Grael, concorda que a estratégia precisa partir do nível municipal. "Os municípios hoje têm mais capacidade de execução do que as outras instâncias, mas precisam do financiamento", diz. 

Grael, que é prefeito de Niterói (RJ), defende que as cidades criem espaços de tomada de decisão com foco exclusivo na mudança climática. "Tem coisas que devem ser trabalhadas no curto e médio prazo, como estruturar políticas públicas e estruturar o governo para trazer a questão climática para o nível de tomada de decisão interno", completa. Grael diz que os municípios podem atuar em parceria com o governo federal para o país concluir metas estabelecidas no Acordo de Paris, de 2015, como, por exemplo, plantar 12 milhões de hectares de floresta. 

Já a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, Liza Andrade, argumenta que o regramento brasileiro e os instrumentos internacionais de financiamento aos municípios deveriam ser mais eficazes. Ela coordena a implementação de um Plano Comunitário de Redução de Risco, iniciativa ligada à Secretaria Nacional de Periferias do Ministério das Cidades. O programa implementa soluções baseadas na natureza nas periferias dos municípios. 

Para ela, medidas estruturais ou não-estruturais precisam contar com a participação da população. "Nós temos no Brasil a cultura do desastre, não a do risco. Quando acontece um desastre, se toma uma providência. Agora o novo PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] destinou investimentos para prevenção de riscos. Mas, se não envolver a população, não evolui", afirma. 

Medidas de prevenção

O escritório da Estratégia Internacional das Nações Unidas para a Redução de Desastres elenca algumas maneiras de cidades como as brasileiras poderem se preparar: 

• Fortalecimento da infraestrutura para resistir a condições climáticas extremas: são estratégias o investimento em contenção de encostas, infraestrutura urbana, aterramento de fios, rotas de fuga, proteção a prédios históricos e vulneráveis. 
• Melhoria nos sistemas de drenagem: selecionar espaços urbanos para absorver e reter a água, como parques alagáveis, onde a água pode escorrer sem afetar a cidade. 
• Revegetação: criação de parques lineares, corredores verdes e espaços verdes na cidade que diminuam o impacto das altas temperaturas. 
• Habitação: regularização e urbanização de assentamentos urbanos, com participação popular. 
• Desenho urbano: assegurar que o zoneamento municipal garanta um uso e ocupação do solo que limite o crescimento urbano em áreas de risco e respeite os limites de densidade populacional de acordo com a capacidade da cidade. 
• Criar incentivos fiscais para empresas que apostem na construção de infraestrutura resiliente a riscos e prédios sustentáveis. 
• Assegurar a separação e destinação correta do lixo. Investir em fontes renováveis de energia. Garantir destinação orçamentária para prevenção. 

Medidas de preparo

• Assegurar orçamento anual para criação de estratégias de preparação e resposta, além de treinamento para equipes de emergência e para a comunidade. 
• Desenvolver campanhas que informem a população sobre riscos e treinar as comunidades sobre como entender alertas e reagir em caso de emergências. 
• Mapear os riscos em todos os espaços urbanos, a partir de critérios técnicos e da escuta da comunidade. Integrar a preparação contra desastres em programas educacionais da cidade. 
• Estabelecer mecanismos institucionais e legais para garantir resposta rápida em caso de emergência. 
• Integrar a questão climática em todas as agências e secretarias municipais 
• Criar parcerias com organizações locais para preparação em caso de eventos climáticos. 
• Medidas de resposta e recuperação também devem ser pensadas pelas cidades que estão suscetíveis aos eventos climáticos. 
• Parte do processo exige separar um fundo de resposta imediata às emergências, preparar unidades de saúde e serviços essenciais para que permaneçam em funcionamento, treinar equipes de defesa civil para resposta rápida e desenvolver um plano de reconstrução que tenha a sustentabilidade como princípio.


Fonte: DW. Por: Gustavo Queiroz.

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