Foto: Pedro França/Agência Senado. |
Sempre quando lemos notícias sobre economia, há um aspecto subliminar que passa despercebido à maioria dos leitores: nossa dependência ambiental. Afinal, entendemos a relação entre equilíbrio ecossistêmico e crescimento econômico? Cadeia de produção agrícola, uso consciente da terra, geração de energia, disponibilidade hídrica, dentre outros fatores, são fatores intimamente ligados e que interferem diretamente na economia.
Fato é que tudo que consumimos tem um componente, e um custo, ambiental, desde alimentos até bens de consumo. Água, por exemplo, é um ativo ambiental que nos proporciona geração de riqueza através de seu uso em diversos segmentos e, em contrapartida, devolvemos ao meio ambiente o custo de tê-lo utilizado.
Muitas empresas ainda não identificam a água como um risco para os seus negócios, nem possuem dados confiáveis sobre seu uso em sua cadeia de valor. No entanto, com um mercado cada vez mais interdependente, é preciso avaliar se os modelos de gestão atual são capazes de capturar e controlar estes riscos.
Na verdade isso é consequência de uma economia que sempre dispôs dos ativos ambientais de maneira desordenada e a percepção deste risco somente começou a ganhar corpo com os cenários de finitude destes ativos.
A necessidade de se avaliar riscos e buscar eficiência se torna ainda mais urgente diante do cenário de escassez hídrica que enfrentamos. Trata-se de sobrevivência, nossa e de nossas organizações. Pesquisa realizada em 2011 pelo Carbon Disclosure Project (CDP) constatou que cerca de metade das cento e noventa empresas pesquisadas não veem a água como um fator de risco para a continuidade de suas atividades.
Nesse cenário, grandes grupos empresariais serão impactados significativamente, dada a extensão de suas operações e de suas cadeias de valor, que os expõe ainda mais. Setores como agricultura, mineração, bebidas, energia e farmacêutico, que utilizam água de forma mais intensa, terão papel crucial neste novo cenário, através da adaptação de suas estratégias e formas de gestão, criando referências para a geração de valor para o ambiente econômico.
Se de um lado as políticas públicas falham, de outro é preciso que a iniciativa privada insira as questões ambientais nos modelos de negócio.
A eficiência no uso de recursos naturais e resiliência dos ecossistemas estão sendo vistos como fatores que afetam a capacidade da empresa de competir, mudando o diálogo nas organizações de mera responsabilidade corporativa para a redução e mitigação de riscos como eventos climáticos extremos, a futura legislação ambiental, interrupções na cadeia de abastecimento, e tantos outros. Entender qual a relação entre geração de valor para o negócio e uso dos recursos hídricos é fundamental.
Igualmente se a cadeia de valor da qual o negócio é dependente se sustenta ao longo do tempo com os padrões operacionais atuais. Os modelos de negócio clássicos utilizam premissas para projeção de receita que não consideram com amplitude as questões ambientais e, ao fazê-lo, subtraem das análises uma série de externalidades que podem tanto agregar valor como deteriorá-lo.
No fim de março de 2014, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou relatório que avalia a vulnerabilidade dos sistemas econômicos e naturais frente às mudanças no clima. O documento, que faz clara associação entre equilíbrio dos ecossistemas e economia, destaca como desafio para a América do Sul a menor produção alimentar e de menor qualidade, cujo risco aumenta caso as temperaturas subam acima de dois graus Celsius. Nesse caso, uma alternativa seria desenvolver cultivos resistentes à seca. Adaptação econômica às questões ambientais é o termo chave para lidar com o problema.
Em 2011, no Fórum Econômico Mundial, relatório destacou que a agricultura consome atualmente cerca de três trilhões de litros de água, cerca de 70% do total. O uso industrial corresponde a 16%, e projeta-se que suba para 22% em 2030. Para a agricultura, considerando a eficiência (ou falta dela) atual, o relatório aponta para um consumo de quatro trilhões e meio de litros em 2030. Curiosamente, o estudo indica que o uso doméstico cairá de 14% para 12% até 2030, porém, em áreas específicas, como os mercados emergentes, haverá crescimento do consumo doméstico.
De acordo com os dados do Atlas do Espaço Rural Brasileiro do IBGE, a produção nacional de água doce representa 53% da América do Sul e 12% do total mundial. Cerca de 80% dos recursos hídricos disponíveis no Brasil estão distribuídos entre as bacias hidrográficas de menor densidade demográfica, enquanto as regiões mais densamente urbanizadas detêm somente 12% dos recursos hídricos, abrigando 54% da população total.
Os níveis de desperdício chegaram a quase um trilhão de litros de água (corresponde a 32,1% do volume distribuído) no estado de São Paulo em 2012, de acordo com os dados mais recentes da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado (Arsesp). A média nacional é de 38,8%.
Nossa Política Nacional de Recursos Hídricos é de janeiro de 1997 e em seu artigo 19, inciso I, afirma que a cobrança pelo uso de recursos hídricos tem como objetivo “reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor”.
Considerando que as taxas de desperdício superam 30% no Brasil, certamente os recursos hídricos não têm seu real valor reconhecido, ainda mais quando constatamos que tal valor foi mencionado em uma política com mais de dezessete anos. É preciso que governos, sociedade e empresas compreendam esse valor e adaptem suas práticas para que a água continue a ser um ativo disponível e de baixo custo através de sua correta gestão.
Por: Leonardo Dutra. Artigo publicado no Jornal Valor Econômico em 02/06/2014.
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