O relatório síntese do IPCC - Painel Intergovernamental de Mudança Climática -, aprovado no início de novembro de 2014, em Copenhague, deixa evidente a questão da importância crescente da energia no aumento da temperatura global do planeta. A mensagem fundamental é que o problema do aquecimento global de origem antropogênica (provocado pelas atividades humanas) é o uso de energia, que é majoritariamente de origem fóssil, principalmente petróleo e carvão, e em menor volume, o gás natural. Sendo assim, se conclui que a solução para um dos maiores problemas globais deste século é a redução do uso de energia fóssil.
Outra informação relevante é que dentre os principais vetores do aumento de temperatura global, que são aumento populacional e crescimento econômico, a contribuição do aumento populacional não se altera há três décadas. O que vem fazendo diferença nas emissões de carbono tem sido o crescimento econômico.
Isto nos faz refletir sobre modelo de desenvolvimento econômico e padrão de consumo, que estão diretamente relacionados com demanda de energia. Ou seja, o vilão do aquecimento global seria o intenso consumo de energia dos países desenvolvidos e o petróleo e carvão, fornecidos pelos grandes exportadores como Arábia Saudita e Venezuela, uma mera consequência. O fato é que, independentemente da "culpabilidade" dos dois fatores, demanda e oferta de energia precisam ser alteradas. Assim, a solução passa por reduzir a intensidade energética de nossa economia, tanto por meio do emprego de tecnologias mais eficientes como pela racionalização do consumo e aumento do uso de fontes renováveis de energia.
Outra reflexão interessante que se pode fazer a partir da constatação de que a participação do aumento populacional nos efeitos da mudança climática não tem se alterado é de que a população adicional consome tão pouco que não influencia o volume total das emissões de gases de efeito estufa.
De forma a se chegar ao final do século com um aumento de temperatura média no planeta de cerca de 2 graus, os combustíveis fósseis deixarão de participar da matriz energética, a menos que acompanhado da captura, armazenagem e estocagem do carbono (CCS, sigla em inglês). Isto significa uma mudança radical em um modelo energético consolidado, base de todo o desenvolvimento econômico da revolução industrial até os dias de hoje. Para que esse cenário ocorra, é necessário que entre os anos de 2040 e 2070, o mundo tenha reduzido em 90% as suas emissões do setor de energia, tendo como base o ano de 2010.
O relatório também aponta para a mudança do padrão de investimento do setor energético. É esperado que nas próximas duas décadas o investimento anual em tecnologias de geração de energia baseada em combustíveis fósseis decresça, em média, US$ 30 bilhões, enquanto que a geração a partir de tecnologias de baixo carbono aumente cerca de US$ 150 bilhões. Adicionalmente, investimentos anuais em eficiência energética em transporte, construção e indústria estima-se que cresçam por volta de US$ 336 bilhões, incluindo modernização de equipamentos e infraestrutura.
De posse destas informações contidas nos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudança Climática, é urgente que o Brasil invista em inovação tecnológica na área de geração de energia renovável, transmissão e distribuição, e também no uso final de energia, de forma a não ficar refém de tecnologias importadas. O Brasil possui enormes vantagens comparativas na área de renováveis, já que dispõe de terras, sol e ventos. Além disto, estas fontes são complementares à geração hidrelétrica, base de nossa matriz de energia elétrica. Adotar políticas no sentido de transformar nossas vantagens comparativas em vantagens competitivas é fundamental.
Da mesma forma que o país apostou anos atrás na exploração do petróleo em alto mar e no etanol de cana-de-açúcar como combustível, obtendo sucesso em ambos os casos, agora é o momento de apostar em outras alternativas. Mesmo com a opção eólica avançando na matriz energética brasileira e com seus custos de geração decrescendo, para que se tenha uma participação efetiva desta nova fonte é preciso que se implemente a infraestrutura necessária para a transmissão e distribuição da energia gerada. Isto não ocorrendo, os parques eólicos se tornam inúteis.
No entanto, ainda que se aumente ao máximo a participação de fontes renováveis em nossa matriz energética, é essencial que parte da sociedade brasileira repense seu padrão de consumo, lembrando que os produtos consumidos trazem grande quantidade de energia embutida.
Não é necessário nenhum acordo global na Convenção do Clima para que seja iniciado no Brasil um caminho de baixo carbono, menor consumo e maior eficiência. Este caminho não apenas é importante para o clima como também para promoção de uma indústria nacional na área de tecnologias renováveis. Além disso, representa maior segurança energética para o país.
Portanto, independentemente do aquecimento global, que necessita de ação coletiva, o Brasil só tem a se beneficiar adotando as opções apontadas nos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudança Climática.
Por: Suzana Kahn (Jornal Valor Econômico).
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