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Rio Doce: ''O Impacto Ainda Está Acontecendo''

As análises preliminares da água do Rio Doce, depois do rompimento da barragem da Samarco, demonstram que os maiores impactos aconteceram na cabeceira do rio, "porque a lama que estava barrada foi se depositando na beira do rio e destruiu alguns povoados e matas ciliares numa distância de até 100 quilômetros da barragem", diz André Cordeiro Alves dos Santos, membro do Grupo Independente de Avaliação do Impacto Ambiental - GIAIA, formado por pesquisadores voluntários que estão analisando os impactos da lama no Rio Doce, e um dos autores do Relatório Parcial Expedição Rio Doce. Segundo o pesquisador, "o impacto na cabeceira do rio é muito grande" e provavelmente vai demorar muitos anos para recuperá-la. 

De acordo com Santos, na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, apesar de o rompimento da barragem ter acontecido há mais de dois meses [em 05/11/2015], "o impacto ainda está acontecendo, porque a barragem não foi vedada e os resíduos ainda estão descendo pelo rio". Nesta época de chuvas abundantes, que se estende até abril, explica, "todo o material que ficou depositado na margem da cabeceira do rio, vai começar a ir em direção à foz. Então, percebe-se um impacto contínuo que não terminou ainda, o que dificulta muito encontrar formas de resolver a situação. Se o impacto tivesse sido pontual, em apenas uma parte do rio, seria possível prever em quanto tempo o rio seria recuperado, mas o problema é que o impacto ainda existe". 

O biólogo e especialista em Engenharia Ambiental acentua ainda que a partir de abril, quando as chuvas diminuírem, "uma das preocupações" será a de saber "como o rio vai se comportar com o volume grande de rejeitos a partir dos períodos de seca, em que diminui a quantidade de água. Nesse período, essas substâncias tendem a se concentrar e isso gera prejuízos maiores, posteriormente, para a biota". 

André Cordeiro Alves dos Santos é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade de Santo Amaro, e mestre e doutor em Ciências da Engenharia Ambiental pela Universidade de São PauloUSP. Foi diretor presidente da Fundação Agência da Bacia do Rio Sorocaba e Médio Tietê. Atualmente é professor associado da Universidade Federal de São Carlos - Campus Sorocaba.

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André Cordeiro Alves dos Santos
Em que pontos do Rio Doce foram feitas as coletas para analisar a qualidade da água e produzir o Relatório Parcial Expedição Rio Doce, depois do rompimento da barragem de rejeitos da Samarco? 

O Grupo Independente de Avaliação do Impacto Ambiental – GIAIA, responsável pelo "Relatório Parcial Expedição Rio Doce", é um grupo de pesquisadores de várias universidades, que trabalham de forma voluntária para analisar os impactos do desastre de Mariana (MG). Fizemos coletas em todo o Rio Doce, desde a cabeceira, onde aconteceu o acidente, até a sua foz, na região de Regência, no Espirito Santo. 

Foram analisados 17 pontos no rio e mais alguns afluentes. Essas amostras estão sendo processadas em vários laboratórios diferentes, porque cada pesquisador se comprometeu em fazer uma parte da análise. 

Algumas análises já estão prontas, e conforme elas vão sendo concluídas, vamos liberando os relatórios parciais. Outras análises, por conta do custo e do tempo, ainda estão sendo feitas e, portanto, teremos mais alguns resultados no final do mês de janeiro. 

Quais as primeiras conclusões parciais do Relatório? O que as análises feitas até então indicam sobre a situação do Rio Doce? À época do acidente, falou-se da impossibilidade de recuperá-lo. Isso tende a se confirmar? 

O rio sofreu um impacto muito grande. Um deles aconteceu próximo à cabeceira, onde aconteceu o desastre da Samarco, porque a lama que estava barrada foi se depositando na beira do rio e destruiu alguns povoados e matas ciliares numa distância de até 100 quilômetros da barragem. Mais para baixo do rio, próximo ao Espírito Santo, predomina a quantidade de material em suspensão no rio, que são partículas de lama e de minério de ferro que estão descendo em direção ao mar. 

O impacto na cabeceira do rio é muito grande e provavelmente vai demorar muitos anos para recuperá-lo, se conseguirmos recuperá-lo. Na direção da foz, o rio tem capacidade de se recuperar numa velocidade um pouco maior. Contudo, o problema é que o impacto ainda está acontecendo, porque a barragem não foi vedada e os resíduos ainda estão descendo pelo rio. 

Nesta época de chuvas abundantes naquela região, todo o material que ficou depositado na margem da cabeceira do rio vai começar a ir em direção à foz. Então, percebe-se um impacto contínuo que não terminou ainda, o que dificulta muito encontrar formas de resolver a situação. Se o impacto tivesse sido pontual, em apenas uma parte do rio, seria possível prever em quanto tempo o rio seria recuperado, mas o problema é que o impacto ainda existe. 

Como em qualquer rio, no período de chuva, os volumes de água são muito grandes, e nos períodos de seca, que começa em abril, as chuvas diminuem. Uma das preocupações agora é saber como o rio vai se comportar com esse volume grande de rejeitos a partir dos períodos de seca, em que diminui a quantidade de água. Nesse período, essas substâncias tendem a se concentrar e isso gera prejuízos maiores, posteriormente, para a biota. 

Por que os rejeitos da barragem não foram contidos? Isso poderia ter sido feito? 

Acho que sim, mas não tenho conhecimento de barragens em termos de engenharia para poder oferecer uma análise. Além disso, as informações que temos da Samarco são muito poucas: não se tem informações sobre a capacidade do reservatório nem sobre as causas de ele ter extravasado. O dique provisório feito pela Samarco parece que também se rompeu, talvez por conta desse período de chuva. A última informação que tive é que a empresa não garante que irá conseguir barrar os rejeitos até o final do mês de fevereiro [de 2016]. Então, como o impacto está acontecendo, fica difícil prever qualquer recuperação no rio. 

O maior impacto se concentra no Rio Doce, mas o problema é que em muitas cidades da região as pessoas dependem do rio não só para o abastecimento de água, mas para o trabalho dos pescadores e areeiros. As pessoas que vivem nos dois lados da bacia vão sentir os impactos dessa tragédia por um longo tempo. Talvez as pessoas ainda não tenham noção dessa tragédia, mas quem visita a região, fica assustado. 

Segundo o Relatório Parcial Expedição Rio Doce, o Manganês, o Arsênio, o Chumbo estão acima do permitido pela legislação do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Quais os impactos dessa alteração? 

Esses metais são tóxicos porque em concentrações altas podem causar impactos à saúde. Fizemos uma única amostragem, mas é claro que uma única amostragem não consegue prever se a contaminação é constante ou não, se esse material está liberado do sedimento para ir para o abastecimento público ou não. Na verdade, a análise é mais um indicativo de alerta para que haja um monitoramento constante para ver como isso irá se comportar no futuro. 

A região do Rio Doce já tem, historicamente, problemas de contaminação da água por conta da mineração. Então, a contaminação no rio não é uma novidade, mas estamos preocupados com o aumento da contaminação a partir do momento do desastre da Samarco. 

Como o senhor avalia o processo de realização das análises da qualidade da água e do impacto hidrológico e ambiental de modo geral, quando um acidente dessa magnitude acontece? O Brasil tem tecnologias e recursos necessários para fazer esse tipo de análise rapidamente? Quais as dificuldades nesse sentido? 

Já existia monitoramento na bacia do Rio Doce, tanto que o controle da poluição orgânica é feito pelo Comitê de Bacia e pelos órgãos de controle do estado de Minas Gerais. Mas no Brasil ainda temos muita deficiência tanto em pontos de coleta quanto em quantidades de análise. Não se trata de um problema de tecnologia, porque temos centros de pesquisa tanto em Minas Gerais quanto em São Paulo e em outras regiões do país, mas o problema é que deslocar uma equipe a campo, fazer a coleta desse material, transportá-lo de modo refrigerado e fazer as análises custa caro, ou seja, não é um processo barato. 

A maior parte dos estados não investe para fazer esse tipo de monitoramento; portanto, é um problema de investimento. Quando acontece um acidente igual a esse, as pessoas começam a prestar a atenção e a se perguntarem por que os monitoramentos nunca foram feitos. Eles não são feitos porque não são prioridade. 

Esperamos que a partir de agora os estados se certifiquem de fazer monitoramentos constantes, porque uma das nossas dificuldades ao fazer o monitoramento do Rio Doce foi em relação à situação em que o rio se encontrava antes, porque tem pouca informação sobre a condição original do rio, o que dificulta as análises sobre a possibilidade de recuperá-lo ou não. 

No caso específico desse acidente, há outra particularidade: a maior parte dos nossos métodos de avaliação e de monitoramento leva em conta o esgoto doméstico, mas no caso desse acidente não se trata de analisar matéria orgânica, mas matéria inorgânica, ou seja, é outro tipo de elemento que vazou, e os nossos padrões de qualidade não são voltados para esse tipo de elemento, porque esse tipo de análise nunca foi uma prioridade. 

Há uma especulação sobre se a lama encontrada em Abrolhos pode ser da barragem de rejeitos da Samarco. O senhor tem algumas informações adicionais a esse respeito? Quais as possibilidades? 

Estou acompanhando essa questão pelos jornais e não fizemos coletas na região marinha, mas pretendemos, numa segunda etapa de coleta, fazer algumas coletas na região marinha. É possível que a lama em Abrolhos seja da barragem da Samarco, porque as correntes marinhas naquela região tanto levam para a água para o Sul quanto para o Norte, para a Bahia. Então, não dá para descartar a possiblidade de a lama ser da barragem da Samarco. 

O que vi na região de Regência, no Espirito Santo, é que como a lama é muito fina, ela fica em suspensão durante muito tempo, ou seja, não sedimenta, formando uma grande mancha em suspensão. Isso faz com que ela seja facilmente transportada pelas correntes marinhas, de modo que não podemos descartar a possibilidade de a lama encontrada em Abrolhos ser a da barragem da Samarco. 

Deseja acrescentar algo? 

Gostaria de informar que GIAIA é um grupo de pesquisadores voluntários e os custos que estamos tendo com as análises da água do Rio Doce estão sendo pagos com as verbas que os laboratórios dispõem, justamente para dar uma garantia maior para a população da região sobre a atual qualidade da água, porque a quantidade de informação disponível ainda é muito baixa.

Por: Patricia Fachin (IHU On-Line).

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