O conhecimento sobre os recursos naturais disponíveis em um determinado lugar
e sobre as técnicas necessárias para usá-lo é condição indispensável para a sobrevivência
da espécie humana. Isto significa dizer que a nossa espécie sempre esteve envolvida com a
observação e a manipulação da água, do solo e dos demais seres vivos que formam a chamada
Biosfera. O envolvimento sempre existiu, mas os seus objetivos e resultados foram
modificados ao longo do tempo.
Nos últimos séculos da história humana, o ritmo e a intensidade da exploração dos
recursos naturais foram intensificados a partir de uma confluência de fatores, dentre os
quais podemos destacar o predomínio da lógica cartesiana no saber científico e a difusão
de uma racionalidade econômica voltada para a capitalização da natureza.
O saldo deste modelo de relações entre o ser humano e os demais elementos da
natureza produziu efeitos colaterais, tanto no plano ambiental quanto no plano social. No
plano ambiental, os efeitos colaterais foram (e ainda são) a contaminação dos recursos
hídricos, a degradação da qualidade do ar, o desgaste do solo, o efeito estufa, o assoreamento
de rios e lagos e a destruição parcial ou completa de determinados ecossistemas.
No plano social, os efeitos colaterais se manifestam na distribuição desigual dos recursos
naturais e das riquezas obtidas pela exploração destes recursos. Foi a partir da percepção
e das discussões sobre os efeitos colaterais do modelo que a crítica ambientalista ganhou
forma mais consistente, sobretudo nas décadas finais do século XX.
Um dos pontos fortes do pensamento dissidente construído pelo ambientalismo
estava no uso de argumentos científicos para comprovar a existência de problemas no
modelo de exploração dos recursos naturais oferecido pela modernidade. A relação do
ambientalismo com a Ciência foi abordada por Manuels Castells no texto “O 'Verdejar' do Ser: O Movimento ambientalista”. Segundo Castells:
"Embora critiquem a dominação da vida pela ciência, os ecologistas valem-se da ciência para
fazer frente a esta em nome da vida. O princípio defendido não é a negação do conhecimento,
mas sim o conhecimento superior: a sabedoria de uma visão holística, capaz de ir além das abordagens e estratégias de visão restritas, direcionadas à mera satisfação das necessidades básicas." (CASTELLS, 1999, p. 155).
Castells estava correto na sua observação sobre o uso da ciência para legitimar o
ambientalismo. Mais antes dele, outros autores sinalizaram nesta direção. Em 1977, o
historiador norte-americano Donald Worster publicou o livro Nature’s Economy: A History
of Ecological Ideas e dedicou uma parte do seu estudo para explorar o desenvolvimento da
Ciência da Ecologia na primeira metade do século XX [1].
Naquele contexto, existiam duas correntes no interior da Ecologia, uma delas seguia a perspectiva “utilitarista da ciência – conhecer para explorar melhor – e outra enfocava a dimensão holística, promovendo um movimento de restauração de valores morais na ciência, uma ética da interdependência” (PEREIRA, 2013, p. 207). Cada uma destas correntes ofereceu contribuições para que o movimento ambientalista formulasse as suas críticas à degradação da natureza.
As críticas foram intensificadas no período que Worster chamou de Idade da Ecologia
(WORSTER, 1994). Este período iniciou-se após a Segunda Guerra Mundial, quando um
grupo de cientistas – dentre os quais estavam os biólogos Garrett Hardin, Barry Commoner,
Rachel Carson e Paul Ehrlich – decidiu usar argumentos científicos para alertar a sociedade
dos riscos que o planeta enfrentava diante da degradação ambiental e do elevado
crescimento populacional. O trabalho desses autores foi fundamental para que o ambientalismo
alcançasse um expressivo espaço nas discussões acadêmicas dos anos 1960 e 70.
A bióloga Rachel Carson é certamente um dos maiores expoentes de uma crítica
ambientalista pautada em critérios científicos. Carson foi autora da clássica obra
Silent Print, publicada nos Estados Unidos em 1962 e traduzida para a língua portuguesa
em 1964. Pesquisadora com especialização no estudo de ambientes marítimos, Carson
usou seus conhecimentos de Biologia e sua habilidade como escritora para denunciar os
problemas ambientais decorrentes do uso de agrotóxicos nos Estados Unidos. Sua obra
difundiu-se rapidamente pelo mundo e fomentou discussões sobre os riscos decorrentes
da Revolução Verde, dentro e fora das universidades.
As preocupações de Rachel Carson com os efeitos negativos das novas tecnologias
encontraram adeptos na comunidade acadêmica norte-americana, sobretudo na área das
Ciências Naturais. Em um artigo intitulado The Tragedy of the Commons, publicado em 1968,
o biólogo norte-americano Garrett Hardin relacionou o problema da pressão sobre os
recursos naturais ao crescimento da população humana e posicionou-se contra o aumento
populacional descontrolado.
[1] Existem duas formas de pensarmos a Ecologia: podemos considerá-la como um segmento específico da
Biologia focado no estudo dos ecossistemas e dos ciclos de energia da natureza; ou podemos pensá-la, de forma mais abrangente, como a Ciência da Biosfera. Em ambos os casos, existe uma concepção de natureza que contesta a fragmentação entre as partes do ambiente construída pelo racionalismo cartesiano e aponta para a valorização das interações entre o conjunto de seres vivos e os demais elementos naturais de um determinado ecossistema.
Por: Fabiano Quadros Rückert. Leia na íntegra o artigo O Ambientalismo em Três Escalas de Análise [arquivo em formato .pdf para download].
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