Editorial e carta aberta lamentam descaso do governo com as instituições científicas públicas e pedem mais investimento. Fotomontagem a partir dos subsídios gráficos Foreal e páginas da revista Science / AAAS.
O Brasil é destaque no último número da prestigiosa revista Science, mas não pelas melhores razões. Um editorial escrito pela professora Beatriz Barbuy, do Departamento de Astronomia da USP, e uma carta aberta assinada por 12 pesquisadores brasileiros e estrangeiros alertam para o descaso do governo com as instituições científicas públicas e pedem maior investimento.
No editorial, intitulado Crisis in Brazil ("Crise no Brasil"), a docente argumenta que o incêndio do Museu Nacional deveria servir ao país como dramático alerta para que o Brasil acorde e aumente o seu investimento em ciência. Beatriz Barbuy também critica o fato de que a crise econômica tenha sido usada para reduzir o apoio à ciência, e lembra que os astrônomos brasileiros perderam a possibilidade de usar o Observatório Europeu do Sul (ESO), o maior do mundo, com a decisão do governo de não pagar a taxa de adesão. O pagamento de 270 milhões de euros em 10 anos foi aprovado pelo congresso em 2015, mas não ratificado pelo governo, pelo que nunca chegou a ser feito.
"A vergonhosa suspensão do Brasil no ESO em 2018 tem prejudicado vários projetos de ponta do meu grupo de pesquisa", afirma Jorge Luis Melendez Moreno, colega de Barbuy no Departamento de Astronomia. Segundo ele, é necessário aumentar o investimento em Ciência e Tecnologia para pelo menos 2% do PIB, se não quisermos "condenar o Brasil ao subdesenvolvimento e à dependência da ciência e tecnologia que trazem riqueza a outros países". Atualmente o Brasil investe apenas 1% do PIB em pesquisa e desenvolvimento.
Já na carta aberta sob o título Lack of science support fails Brazil (em tradução livre, "Falta de apoio à ciência deixa o Brasil na mão"), pesquisadores da UFRJ e de várias universidades norte-americanas lamentam as perdas do Museu Nacional, mas lembram que a tragédia não é um caso isolado. De acordo com os autores, outros incêndios recentes que atingiram coleções científicas, como a do Museu da Língua Portuguesa em 2015 e a do Instituto Butantan em 2010, também foram causados por falta de investimento em infraestrutura.
"O Museu Nacional é uma metáfora adequada para a situação atual da ciência no Brasil: líderes em todos os níveis não conseguiram providenciar nem a mais básica e crucial infraestrutura para preservar coleções e recursos culturais únicos e impagáveis", afirma a carta.
Para Eduardo Góes Neves, professor e ex-diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, o desinteresse do atual governo pela ciência é evidente. "O fato do Ministério da Ciência e Tecnologia ter sido extinto nos primeiros dias do atual governo é um sinal claro da maneira pela qual o setor é atualmente visto por Brasília: prioridade zero", disse.
Os autores da carta apontam que as promessas do governo de reconstruir o museu constituem uma oportunidade para que o país corrija os erros do passado. Mas para Marina Vanzolini, que se formou no Museu Nacional e hoje é professora do Departamento de Antropologia da FFLCH, da USP, certas coisas são impossíveis de reconstruir.
"A gente tende a imaginar que uma biblioteca pode ser refeita, e pode ser refeita em certa medida, mas ela não é uma coisa que tenha sido construída de uma hora para outra; é fruto de anos, de décadas de pesquisa, vai se constituindo com dinheiro público mas também financiamentos de pesquisas de cada um dos pesquisadores que passaram por ali. Então todas as bibliotecas que se perderam nessa tragédia são um registro de trajetórias, de vidas de pessoas. Não é algo que se possa reconstituir", afirmou a professora, que passou nove anos de sua vida acadêmica naquele museu.
Marina Vanzolini também mostrou preocupação pelo uso que algumas pessoas estão fazendo do incêndio para defender um discurso favorável à privatização das instituições públicas.
"É muito aterradora a sensação de que o que você faz e aquilo que você mais preza seja desprezado pelo país, tratado dessa forma pelos governos. E talvez ainda mais aterrador é que essa tragédia esteja sendo agora usada e apropriada por um discurso contra a universidade pública, em um movimento de supostamente afirmar a necessidade de financiamento privado, que vai contra tudo o que a gente acredita em relação à liberdade de pesquisa, que é tão fundamental para que essa pesquisa tenha a qualidade que tem hoje", afirmou.
Por: Ignacio Amigo (Jornal da USP).
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