Em tempos de busca pela sustentabilidade dos sistemas agropecuários frente às mudanças climáticas e ao aumento dos custos de produção, a agricultura conservacionista, que reúne um complexo de tecnologias de caráter sistêmico para preservar e restaurar ou recuperar os recursos naturais com o manejo integrado do solo, da água e da biodiversidade compatibilizados com o uso de insumos externos, se mostra como caminho viável e necessário para que o produtor rural garanta a eficiência e a rentabilidade da produção e ainda preserve o meio ambiente.
Independente do sistema de produção e da região, a agricultura conservacionista segue três preceitos fundamentais: a redução ou supressão de mobilização de solo; a manutenção de resíduos culturais na superfície do solo; e a diversificação de espécies, em rotação, consorciação e/ou sucessão de culturas.
Quanto menor o revolvimento do solo, menor é a exposição desse solo à erosão e às perdas de matéria orgânica e de carbono por oxidação. Além disso, há menos gasto de energia e combustível com o revolvimento do solo. “Sempre quando se fala em agricultura conservacionista, é interessante ter isto em mente: revolver o mínimo necessário e manter o solo coberto o máximo de tempo possível, seja com resíduos ou com plantas vivas, e permeado por raízes. Manter o solo coberto é protegê-lo”, ensina o pesquisador Marcos Aurélio Carolino de Sá, da Embrapa Cerrados (DF), que estuda a agricultura conservacionista no bioma Cerrado.
Ele explica que no passado perdia-se tempo com os procedimentos do sistema convencional de preparo do solo. “O produtor tinha que esperar chover, preparar o solo para só depois plantar. E a janela de plantio era menor, sendo necessário mais máquinas, mais gasto de combustível e de mão de obra”. Com o advento do Sistema Plantio Direto, que eliminou a necessidade do preparo de solo, a janela de plantio ficou maior, e o agricultor passou a iniciar o plantio quando as chuvas se estabilizam, perdendo menos tempo. “Isso possibilita mais de uma safra por ano e, consequentemente, maior diversificação e aporte de resíduos no solo”, diz Sá.
Para manter o solo estruturado, é importante a rotação de culturas e a diversificação do sistema de produção, já que diferentes plantas têm diferentes tipos e profundidades de raízes. A soja, por exemplo, é uma leguminosa com raiz principal pivotante e sistema radicular mais superficial. Já o milho e a braquiária são gramíneas de sistema radicular fasciculado ou “em cabeleira”, ou seja, contam com muitas raízes para explorar o solo superficialmente e em profundidade, e tendem a estruturar melhor o solo, favorecendo a estruturação e agregação do solo.
O clima do bioma Cerrado é sazonal, com estações chuvosa e seca bem definidas, embora as chuvas não sejam muito regulares na estação chuvosa, podendo ocorrer veranicos. A soja de ciclo precoce (em torno de 100 dias) permite a segunda safra em muitas regiões, que pode ser de milho caso a região tenha uma estação chuvosa mais prolongada ou com perspectiva de continuidade das chuvas. Outras opções são o sorgo, que produz grãos, o milheto, que proporciona cobertura de solo e as plantas de cobertura, como a crotalária e a braquiária nos sistema de Integração Lavoura-Pecuária (ILP). Também pode ser usado um mix de plantas de cobertura, com a mistura de sementes de várias espécies leguminosas e gramíneas para diversificação do sistema.
A diversificação pode ser feita por meio de sistemas de rotação, consorciação ou sucessão de culturas. “Num sistema de produção, o que importa é que o agricultor procure diversificar ao máximo, evitando leguminosas após leguminosas, e gramíneas em sequência a gramíneas. Sempre que possível, utilizar plantas de cobertura durante o período de safrinha para não perder a safra principal e ter mais diversidade até para quebrar ciclo de pragas e doenças”, recomenda o pesquisador.
A diversificação também é importante para a supressão do efeito de pragas e doenças, segundo Sá. “Nem todas as pragas atacam todas as culturas, então se o produtor cultiva uma leguminosa e em seguida uma gramínea na rotação de culturas, vai quebrar o ciclo de algumas pragas e doenças”, explica.
Além dos três preceitos, uma série de práticas rigorosas são contempladas pela agricultura conservacionista. As principais são apresentadas a seguir:
Não queimar restos culturais – Isso permite a cobertura do solo e posterior incorporação de carbono ao solo. A queima desses resíduos é indesejável por volatilizar carbono para a atmosfera, contaminando o ar.
Manejo Integrado de Pragas (MIP) – É um importante auxiliar em sistemas conservacionistas de uso e manejo do solo. “Quando se faz o MIP, deixa-se de utilizar o famigerado calendário pré-estabelecido de aplicações de inseticidas, herbicidas e fungicidas, as quais passam a ser feitas apenas quando necessário. É feito o monitoramento da lavoura e, se as pragas estão abaixo do nível de controle, não se aplica nada, deixando-se que os inimigos naturais cuidem disso”, diz o pesquisador, acrescentando que há um número de indivíduos estabelecido para cada praga e cultura a partir do qual deve se fazer o controle. As contagens devem ser periódicas e, quando se atinge o nível de controle, o controle químico é utilizado. Enquanto o nível de controle não é atingido, o monitoramento continua sendo feito.
“Com isso, é possível reduzir custos e economizar bastante em fungicidas e inseticidas, além de herbicidas, que são direcionados conforme o tipo de planta daninha. Aplicando-se menos pesticidas, também ocorre menor risco de poluição do solo e de mananciais, já que com a chuva, boa parte desses produtos pode escorrer e parar nas baixadas”, aponta Sá. Ele lembra que inseticidas seletivos tendem a prejudicar menos os inimigos naturais das pragas, e que existem empresas que produzem inimigos naturais para liberação no campo, prática já muito comum em cana de açúcar e outras culturas – o controle biológico. “Isso diminui muito a necessidade de inseticidas químicos, que passam a ser usados de modo mais racional possível, ou seja, apenas quando necessário”, completa.
Controle de tráfego mecânico, animal e humano sobre o solo agrícola – Contribui para minimizar a compactação do solo. Segundo o pesquisador, o conceito de tráfego controlado, que cria zonas trafegadas e não trafegadas nas áreas agrícolas, já é bastante antigo, mas o Brasil ainda engatinha na sua utilização prática, com alguns exemplos na cultura da cana de açúcar. Porém, no cultivo de grãos já é bastante utilizado em países como a Austrália. Nessa prática conservacionista, as máquinas para preparo de solo, plantio, controle de pragas, colheita, entre outras, percorram somente zonas trafegadas estabelecidas na área de produção, ou seja, os locais exatos por onde os pneus vão passar. Para isso, é necessário o uso de GPS ou sistemas de RTK (sigla para Real Time Kinematic, ou cinemática em tempo real) para controlar, de forma automatizada, o tráfego das máquinas pelos mesmos rastros.
“É como se houvesse grandes canteiros na área. Com isso, deixa de haver o tráfego aleatório, no qual as máquinas passam por toda a área, evitando-se assim o plantio em áreas onde as máquinas passaram no ano anterior, que poderiam ter uma produtividade menor. Também aumenta, de forma geral, a infiltração de água na lavoura, já que as zonas não trafegadas terão o solo mais estruturado, mais poroso e mais permeável”, explica Sá.
Pesquisas realizadas em canaviais brasileiros mostram que o simples controle de tráfego, com as máquinas trafegando apenas na entrelinha da cana de açúcar, possibilitou aumento de até 20% na produtividade. Na Austrália, também são relatados aumentos significativos de produtividade em áreas de grãos com controle de tráfego.
Outro meio de minimizar a compactação do solo pelas máquinas é aumentar a largura dos rodados, prática mais comum nos Estados Unidos e em algumas regiões brasileiras. Podem ser usados tratores filipados (com rodado duplo ou triplo nos eixos), que proporcionam aumento da área de pneu, diminuindo a pressão sobre o solo. No entanto, há o pisoteio em uma área maior. “São conceitos diferentes, pois nesse caso haverá uma compactação de maior área do solo, porém com pressões menores. No controle de tráfego, compacta-se muito o local onde as máquinas passam (rastros), mas não há compactação onde elas não circulam”, analisa o pesquisador.
Ele observa que apesar de já haver tecnologia do controle de tráfego, ela ainda não está ao alcance de todos os produtores. Além disso, há falta de padronização da largura dos pneus. “A bitola de um trator é diferente da de uma colhedora, que é diferente da de um pulverizador. Temos diferentes marcas e cada uma tem o seu padrão. O uso de esteiras possibilitaria essa padronização, além de conferir maior tração, só que elas são mais caras”, comenta.
Precisão na aplicação de insumos agrícolas – A aplicação de adubo conforme a análise do solo e o uso de defensivos de acordo com a necessidade para o controle de pragas e doenças são dois bons exemplos. Mas a regulagem do maquinário também é essencial. “No momento do plantio, é importante regular bem a semeadora. Não adianta ter a análise de solo e a recomendação de plantio se a máquina não for bem regulada, pois ela não irá semear de maneira uniforme ou adequada. O mesmo vale para os pulverizadores. Não adianta fazer MIP se o pulverizador não estiver bem regulado”, explica Sá.
Além dessas medidas mais simples, a precisão na aplicação envolve também o conceito de agricultura de precisão, em que os produtos são aplicados a taxas variáveis. Quando uma área de cultivo não é homogênea em fertilidade e o adubo ou fertilizante é aplicado numa dosagem média, algumas partes dessa área recebem mais produto e outras menos. Mas já existem tecnologias que permitem a aplicação de mais onde é preciso mais e de menos onde é preciso menos com base nas informações de mapas de fertilidade do solo. É uma aplicação precisa, mas que demanda o uso de GPS ou sistema RTK e maquinário compatível, capaz de aplicar automaticamente a quantidade de acordo com a mancha de fertilidade mapeada.
O mesmo vale para a aplicação de pesticidas. Para herbicidas, já existem sensores que podem ser instalados nas barras de pulverização. Eles emitem sinais luminosos, distinguindo solo e planta e permitindo a aplicação do produto somente nas plantas daninhas. Com isso, reduz-se o volume de calda em áreas menos infestadas, além da poluição.
“A tecnologia já está no mercado, e esperamos que no futuro isso seja mais comum. Mas é preciso conhecer a verdadeira variabilidade espacial da área, o que depende da qualidade das análises de solo, das amostragens e dos mapeamentos de modo que representem de fato a realidade. Se não, o produtor pode até mudar manchas de fertilidade de lugar ou criar novas manchas. Enfim, tudo tem que ser bem feito”, conclui o pesquisador.
Aptidão agrícola das terras – Antes de produzir numa área, deve ser observada a sua aptidão agrícola, fazendo-se o uso mais racional a partir de suas características e potencialidades. Existem áreas mais aptas à lavoura, de maior facilidade para a mecanização, de relevo mais plano e sem pedregosidade, com fertilidade mais elevada ou mesmo de fertilidade baixa, mas com solo de mais fácil correção, como é o caso de amplas áreas do Cerrado.
A aptidão agrícola da área varia conforme as limitações existentes. Se a área é mais acidentada ou pedregosa, há problemas para a mecanização e há maior susceptibilidade à erosão. Nesse caso, deve ser utilizada como pastagem ou reflorestamento, representando um uso econômico mais racional, com menos revolvimento do solo, e intervenções e maior cobertura do solo.
“Se analisarmos o mapa de aptidão agrícola de uma área, algumas partes podem não ter aptidão para a agricultura, ou mesmo para pastagem ou reflorestamento. O melhor é deixá-las para preservação, por serem muito acidentadas ou pedregosas, sendo antieconômico produzir”, observa Sá.
Mesmo em áreas de lavoura, há diferentes classes de aptidão. Segundo o pesquisador, há áreas com maior aptidão para agricultura de subsistência, como as de solos mais férteis e com maior retenção de água, onde o agricultor faz operações mais manuais e tem menos capital para investir. Elas podem ter declividade um pouco maior ou algum impedimento à mecanização. “Já a agricultura empresarial, em que o uso de máquinas é uma necessidade, requer áreas mais planas, com pouca ou nenhuma pedregosidade e menos impedimentos à mecanização. Nesse caso, a fertilidade pode não ser um grande problema, pois o agricultor empresarial tem capital para utilizar fertilizantes e corretivos”, compara.
A Embrapa tem um sistema de avaliação da aptidão agrícola das terras, adaptado à realidade brasileira e que foi baseado no sistema de capacidade de uso desenvolvido nos Estados Unidos.
Capacidade de utilização do solo – No Cerrado, as lavouras de grãos atualmente mais produtivas estão sobre latossolos de textura argilosa e muito argilosa, onde há maiores teores de matéria orgânica do solo (MOS). “Uma característica física interessante dos latossolos é que, por serem muito ricos em óxidos de ferro e alumínio na fração argila, teores elevados de argila não são um impedimento ao cultivo, ao contrário dos solos de clima temperado muito argilosos, que têm um tipo de argila mais ativa, que torna o solo mais grudento”, diz Sá.
Os solos do Cerrado podem ser menos favoráveis quanto à retenção de nutrientes, o que pode ser contornado com o manejo da adubação. Produtividades elevadas também podem ser obtidas em solos arenosos, como os do oeste da Bahia. “Nesse caso, o manejo deve ser bem mais cuidadoso, com menor revolvimento do solo e manutenção e, se possível, aumento da MOS. Tecnologia é a palavra-chave, desde que adequada e bem utilizada”, destaca o pesquisador.
A MOS é um componente fundamental na sustentabilidade do sistema agrícola, associada à capacidade de troca de cátions (CTC) do solo principalmente em solos tropicais e especificamente em solos do Cerrado. Assim, a MOS está muito relacionada à capacidade do solo de reter e fornecer nutrientes às plantas.
Diversificação de sistemas de produção – Segundo Sá, a diversificação é positiva do ponto de vista ambiental, por evitar o monocultivo. “Mas pior que a monocultura de plantas é a monocultura de ideias. Ao diversificar, rotacionando culturas, o produtor passa a ter a chance de obter mais ganhos e a não depender de uma única espécie”, afirma.
Ele explica que a soja pode ser altamente rentável, mas quando inserida em rotação com o milho, a safra seguinte da leguminosa é favorecida, pois há quebra de ciclo de pragas, doenças e nematoides. Já o capim braquiária aumenta a sustentabilidade do sistema por melhorar a qualidade do solo, e a pecuária é outra fonte de renda. “Enquanto na agricultura o ganho é a curto prazo, na pecuária é a médio prazo. Boi é uma poupança. E quando entra o componente florestal no sistema, o produtor está diversificando mais ainda, ou seja, não está colocando todo o capital em uma única aplicação, minimizando riscos”, analisa.
Adição de material orgânico ao solo – O solo tem uma capacidade de decompor matéria orgânica por meio da atividade microbiana. Os solos tropicais, por estarem sob temperaturas e umidade mais elevadas, têm um potencial elevado de decomposição de matéria orgânica, principalmente na estação chuvosa. “Com calor e umidade, os microrganismos decompositores ‘fazem a festa’. É preciso haver um aporte de material orgânico (palha, restos culturais) constante e suficiente para manter os teores de matéria orgânica do solo em níveis adequados”, aponta o pesquisador.
Se o produtor queima os resíduos da lavoura após a colheita, haverá menor aporte de matéria orgânica e uma redução da MOS ao longo do tempo. No caso da monocultura de soja, leguminosa que produz pouca palha e que se decompõe rapidamente, ocorre a incorporação de pouco carbono ao solo. Já o milho incorpora grande quantidade de palha, que se decompõe mais lentamente. Assim, para que haja a constante adição de material orgânico compatível com a demanda biológica do solo, a recomendação é realizar a rotação de culturas.
“Se o produtor tem uma cultura que incorpora poucos resíduos, precisa depois entrar com outra que incorpora bastante. Por outro lado, usar apenas duas espécies também não é o ideal. Quando ele utiliza outras espécies, está diversificando e atendendo à demanda biológica do solo, não somente quebrando ciclos de pragas e doenças, como também fornecendo ao solo e ao sistema de produção material orgânico de qualidade”, explica Sá.
Ele acrescenta que grupos de microrganismos são selecionados de acordo com o tipo de planta incorporada ao sistema. “Quando se tem uma monocultura, a tendência é favorecer alguns grupos de microrganismos. Na diversificação de culturas, esses microrganismos também são diversificados, havendo espécies antagonistas de pragas, doenças e nematoides, decompositoras, que atuam na estruturação do solo, entre outras”, observa.
Redução ou supressão do intervalo de tempo entre colheita e semeadura (processo colher-semear) – Preconizado fortemente para o sul do Brasil, o processo de colher uma cultura e imediatamente semear outra tem o intuito de deixar o solo o menor tempo possível descoberto. Se o produtor demorar a plantar outra cultura, a palha residual da cultura anterior poderá se decompor nesse período, descobrindo o solo. Por isso, quanto antes plantar a cultura seguinte, melhor.
O pesquisador explica que no sul do país, as chuvas se distribuem de forma uniforme ao longo do ano, facilitando o processo colher-semear, com culturas de verão e de inverno podendo ser plantadas praticamente o ano todo. No Cerrado, devido à sazonalidade das chuvas, o que favoreceu a adoção do processo colher-semear foi o advento da soja de ciclo precoce e superprecoce, que permite a segunda safra de milho, sorgo ou milheto, dependendo da região, ainda durante a estação chuvosa.
“Nesse caso, deve-se tentar, durante a estação chuvosa, otimizar esse processo, plantando logo em seguida à colheita. Pode-se colher a soja precoce e plantar milho consorciado com a braquiária, por exemplo. Mesmo que não se consiga uma grande massa de braquiária para pastagem após a colheita do milho, o produtor terá uma planta viva na área, mantendo o solo coberto e permeado por raízes ao longo da estação seca”, recomenda.
Eliminação da soqueira do algodão – Nas regiões onde se cultiva o algodão, o que inclui também as regiões produtoras do Cerrado, não é recomendado o plantio da fibra todos os anos numa mesma área por questões fitossanitárias, necessitando-se de um intervalo de pelo menos dois anos. Além disso, é preciso eliminar as soqueiras (restos culturais), que podem ser removidas ou incorporadas ao solo para evitar a proliferação de um besouro, o bicudo-do-algodoeiro, principal praga da cultura.
A destruição da soqueira pode ser feita com o uso de herbicida, mas para que o produto seja efetivo, deve ser aplicado no algodão colhido mais próximo do início da safra, quando ainda há alguma umidade no solo. Se for colhido no meio da safra, já em plena estação seca, o herbicida não fará muito efeito, pois a soqueira da planta não vai absorver o produto, havendo rebrota, ou “escape”. Nesse caso, recomenda-se a destruição mecânica. Existem destruidores de soqueira que atuam na linha do algodão, fazendo o revolvimento localizado do solo.
“Mas na maioria dos casos, os produtores utilizam a velha grade pesada e fazem revolvimento em área total, e assim quebram o Sistema Plantio Direto. Para compensar, o ideal é entrar com culturas que farão grande aporte de matéria orgânica, como milho consorciado com braquiária”, indica Sá. No oeste da Bahia, onde a restrição de chuvas é maior, sendo mais comum plantio de safra seguido de pousio, recomenda-se na safra seguinte após algodão o plantio de milho consorciado com braquiária, o que vai proporcionar uma boa cobertura do solo durante o período seco, plantando-se, na estação chuvosa seguinte, a soja, que pode ser de ciclo mais longo. Dessa forma, o algodão retorna somente após dois anos, semeado sobre a palhada da soja.
Implantação de práticas mecânicas e/ou hidráulicas – O pesquisador salienta que em um sistema conservacionista, não basta fazer apenas Plantio Direto, sendo necessário adotar um conjunto de ações integradas, para que o sistema seja caracterizado como Sistema Plantio Direto. O terraceamento e o cultivo em contorno ou curvas de nível são práticas que minimizam o escoamento da enxurrada e melhoram a infiltração de água no solo.
Pesquisadores que estudam a conservação do solo têm observado problemas de erosão laminar ou em sulcos em áreas de plantio direto onde houve remoção dos antigos terraços, projetados ainda na época do plantio convencional. Os terraços e curvas de nível diminuem a energia cinética da água da enxurrada. O plantio em curvas de nível faz com que os sulcos de plantio e as plantas atuem como microterraços e forneçam pontos de infiltração para a enxurrada. Assim, o papel dessas práticas mecânicas é disciplinar e reduzir a velocidade de escorrimento da enxurrada.
O plantio em linha reta morro abaixo não é recomendado para o Cerrado. “Na Europa e Estados Unidos, ele é muito comum, mas normalmente é realizado onde as rampas são mais curtas, de 10 a 15 metros, quase o espaçamento dos terraços do antigo sistema de plantio convencional. Já no Cerrado, as rampas podem ter mais de 1 km de comprimento. No final da rampa, a velocidade e a energia cinética da enxurrada são maiores, e assim o potencial erosivo é maior”, argumenta Sá, acrescentando que a enxurrada também carrega nutrientes como fósforo e nitrogênio, dissolvidos na água, além de pesticidas, o que aumenta o potencial de poluição dos cursos d’água e mananciais.
Recomenda-se que os terraços sejam o mais paralelos possível, e a largura deve medir o múltiplo da largura do maquinário. Onde o relevo da área for irregular e dificultar a construção de terraços, deve-se realizar o cultivo em contorno ou nível.
Cordões vegetados – São uma alternativa ao terraceamento, com cordões de vegetação permanente de espécies como capim elefante, cana de açúcar ou feijão guandu, que podem quebrar a velocidade de escorrimento da enxurrada e tendem a favorecer a infiltração de água. “Solos muito arenosos, por serem muito soltos, dificultam a construção de terraços, que demandam certo teor de argila para se manterem estáveis. Nesse sentido, o cordão de vegetação permanente pode ser vantajoso, sobretudo em pequenas áreas. Além disso, essas espécies podem servir como forrageiras (capim elefante, cana de açúcar) ou banco de proteína (feijão guandu), de acordo com o sistema de produção”, aponta o pesquisador.
Mulching vertical – Mais usado em pequenas áreas no sul do Brasil, é construído por uma máquina apropriada que abre valetas pequenas e estreitas, onde caem ou são dispostos os resíduos culturais, favorecendo a infiltração de água. É uma prática que pode substituir o terraço, de modo a permitir que as máquinas possam realizar o plantio em toda a área.
Alocação adequada de carreadores e estradas rurais – São práticas auxiliares à conservação do solo. Uma estrada mal dimensionada pode causar erosão em área agrícola, dando origem a voçorocas. As estradas rurais devem ser construídas em áreas mais altas, de forma que o escorrimento possa ser disciplinado e captado em bacias de retenção.
“O ideal é que tenham leito abaulado, para que a água escorra para as laterais. Se a estrada tiver que ser alocada em um declive, é preciso dimensionar as saídas de água com bacias para reter a água, evitando que ela escorra para as áreas de cultivo”, explica o pesquisador.
O mesmo vale para os carreadores nas lavouras e as cercas, que devem estar o máximo possível em nível. Caso estejam em desnível, evitar ao máximo a locação em sentido morro abaixo para evitar a erosão, principalmente em terrenos muito declivosos.
Quebra-ventos – São barreiras formadas por árvores que cortam a velocidade principal dos ventos. Em períodos de baixa umidade relativa do ar, o vento remove a umidade de lavouras e pastagens do Cerrado, que tem grandes áreas planas e descampadas. O vento também carrega poeira e pode dispersar pragas e doenças.
Os quebra-ventos podem minimizar esses problemas, mas devem ser plantados de forma perpendicular ao sentido dos ventos predominantes. As árvores devem ser de diferentes tamanhos, de modo a desviar o vento para cima. “Outra vantagem é que determinadas espécies de árvores, como o eucalipto, podem ser usadas como fonte de madeira na propriedade ou para finalidades econômicas”, lembra Sá.
Áreas de culturas perenes – Em culturas como o café e as frutíferas, os princípios e práticas conservacionistas são os mesmos: manter o solo coberto e permeado por raízes na maior parte do ano; minimizar o revolvimento do solo; e fazer o cultivo em nível, pois as linhas de plantio passam a funcionar como pequenos terraços, interceptando a velocidade de escorrimento da enxurrada.
As plantas invasoras são controladas com roçadeira nas entrelinhas e com herbicida ou mesmo capina manual na projeção da copa ou coroamento (“pé”) das plantas. Nos sistemas orgânicos, elas podem ser controladas com roçadeira e, no coroamento, exclusivamente com capina. Com o crescimento das plantas, a sombra da copa inibe o desenvolvimento de invasoras e facilita o coroamento. Outra opção é o consórcio com braquiária, que se torna uma planta de cobertura permanente, mas requer roçagens constantes.
Pecuária – Nos sistemas pecuários, o conservacionismo envolve o planejamento do local das cercas e estradas, a distribuição de cochos e bebedouros nas pastagens, de modo a evitar a erosão, entre outras medidas. “Se o gado costuma andar no mesmo sentido, formam-se trilhas no solo. Se esse sentido for morro abaixo, normalmente para chegar à aguada, pode ocorrer erosão. Muitos casos de voçoroca se iniciam em antigos trilheiros de gado. O recomendado é planejar a divisão dos piquetes e a distribuição de cochos e bebedouros de modo que o gado não ande nesse sentido e percorra a área o mais uniformemente possível”, afirma o pesquisador.
Sá lembra que a pastagem pode proporcionar cobertura de solo adequada, mas o terraceamento pode ser uma prática complementar, principalmente para a conservação da água. “Há relatos de pecuaristas que terracearam as pastagens e observaram aumento no volume de água das nascentes. Assim, é uma forma de perenizá-las, pois a prática aumenta a infiltração de água na área, abastecendo o lençol freático”, explica.
O manejo adequado da pastagem também é importante, pois em pastos degradados o solo tende a ficar exposto. Dessa forma, a adubação, a correção do solo e o controle do pisoteio e das taxas de lotação, ajustando a quantidade de animais de acordo com a capacidade de suporte, também são práticas conservacionistas. “Ao manter a pastagem produtiva, cobrindo bem o solo, o pecuarista está conservando o solo”, garante o pesquisador.
Para ele, o grande trunfo da ILP é que quando a pastagem começa a se degradar por remoção ou pisoteio, a lavoura é introduzida, trazendo fertilizantes para a correção do solo e assim renovando o sistema. “A ILP é uma forma de manter as pastagens produtivas por mais tempo, pois o sistema é mais sustentável, e portanto mais conservacionista”, justifica. Mesmo que o pecuarista não tenha maquinários e o domínio das técnicas de produção de grãos, ele pode se associar a agricultores, em sistema de arrendamento, por exemplo.
Não usar fogo em pastagens – Ainda comum em áreas de pastagens contínuas no Cerrado, o fogo pode ter efeitos drásticos em áreas mais acidentadas. Após as primeiras chuvas, boa parte das cinzas escorre para as baixadas, causando eutrofização (acúmulo de nutrientes e matéria orgânica) dos cursos d’água.
Segundo Sá, normalmente os produtores que queimam pastagens não costumam adubá-las. No Cerrado, onde os solos já são naturalmente mais pobres em nutrientes, a queima pode acelerar o processo de degradação. Nutrientes como nitrogênio e enxofre são perdidos por volatilização (via fumaça), enquanto o potássio e alguns macro e micronutrientes permanecem nas cinzas. Se as cinzas forem removidas com as chuvas, eles também serão perdidos. “Apesar de o efeito não ser imediato, o fogo remove a cobertura do solo, empobrecendo-o em nutrientes ao longo dos anos”, comenta.
Aos seguir esses preceitos e medidas preconizados pela agricultura conservacionista, o produtor rural contribui para a estabilidade da atividade, para a economia do país e o bem-estar das gerações futuras, pois esses princípios visam à sustentabilidade da atividade agrícola, conservando o solo, a água, o ar e a biota dos agroecossistemas, além de prevenir a poluição, a contaminação e a degradação dos ecossistemas e demais sistemas do entorno, reduzir o uso de combustíveis fósseis e contribuir para amenizar a emissão de gases de efeito estufa.
Por: Breno Lobato (Embrapa).
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