Estudo indica seis passos importantes que poderiam resolver a situação.
Um novo estudo realizado por 11.258 cientistas das mais variadas disciplinas, em 153 países, alerta que o planeta "enfrenta uma emergência climática clara e inequívoca", e delineia seis objetivos amplos de política pública que precisam ser atingidos para enfrentá-la.
O relatório se afasta consideravelmente das avaliações científicas mais recentes sobre o aquecimento global, como a do Painel Intergovernamental sobre a Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), por expressar suas conclusões como certezas e por recomendar políticas.
O estudo "Alerta dos Cientistas Mundiais sobre a Emergência Climática" representa a primeira ocasião em que um grande grupo de cientistas apoiou formalmente a classificação como “emergência” da mudança no clima, que o estudo aponta ser causada por muitas tendências humanas que, somadas, elevam as emissões dos gases causadores do efeito estufa.
Publicado no dia 05/11/2019 pela revista acadêmica Bioscience, o estudo foi liderado pelos ecologistas Bill Ripple e Christopher Wolf, da Universidade Estadual do Oregon, e por William Moomaw, cientista do clima na Universidade Tufts, bem como por pesquisadores da Austrália e África do Sul.
O estudo expõe com clareza o grande desafio de reduzir as emissões dos gases causadores do efeito estufa.
"A despeito de 40 anos de negociações sobre o clima, nós, com poucas exceções, estamos nos comportando como se nada tivesse mudado, e fracassamos, de modo geral, em enfrentar esse problema", diz o estudo.
As conclusões são embasadas por um conjunto de indicadores fáceis de compreender que mostram a influência humana sobre o clima, como 40 anos de dados sobre emissões de gases causadores do efeito estufa, estatísticas de crescimento populacional, produção per capita de carne, perda mundial de cobertura por árvores, bem como as consequências disso tudo, como as tendências mundiais de temperatura e o teor de calor no oceano.
Os resultados são gráficos que, ao menos comparados aos apresentados pelo IPCC, surpreendem pela simplicidade, e ajudam a revelar a direção perturbadora em que o planeta está avançando.
O estudo também se afasta de outras avaliações importantes sobre o clima ao tratar diretamente do assunto do crescimento populacional, que é politicamente controverso. O estudo aponta que o declínio nos índices de natalidade "se desacelerou substancialmente" nos últimos 20 anos e pede por "mudanças ousadas e drásticas" nas políticas populacionais e de crescimento econômico a fim de reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa.
Essas medidas podem incluir políticas que reforcem os direitos humanos, especialmente os das mulheres e meninas, e que tornem serviços de planejamento familiar "disponíveis para todos".
Quanto à energia, o estudo apela pela "implementação de grandes programas de eficiência energética e práticas de conservação", e pela eliminação do consumo de combustíveis fósseis em favor de fontes renováveis de energia, uma tendência que segundo o relatório não está avançando tão rápido quanto deveria.
Além disso, a pesquisa também pede que os recursos restantes de combustível fóssil, como carvão e petróleo, não sejam extraídos ou queimados para gerar energia, o que representa um dos objetivos essenciais de muitos ativistas do clima.
Maria Abate, signatária do alerta dos cientistas e professora de biologia no Simmons College, de Boston, diz que espera que o trabalho conscientize o planeta.
"Como outros organismos, não estamos adaptados a reconhecer ameaças ambientais muito amplas e que se estendem para além do espaço imediato ao nosso redor", ela disse via e-mail. "Os sinais vitais reportados sobre nossa atividade mundial e a resposta climática nos oferecem um relatório tangível, baseado em provas, que, espero, ajude nossa cultura a se conscientizar de maneira mais ampla e mais rápida sobre a necessidade de desacelerar a crise do clima".
Outros itens na lista de prioridades políticas oferecida pelo estudo incluem um corte rápido nas emissões de poluentes de baixa duração que afetam o clima, como fuligem e metano, o que pode desacelerar o aquecimento em curto prazo. O estudo também sugere a mudança para uma dieta baseada principalmente em vegetais, e pela instituição de práticas agrícolas que elevem a quantidade de carbono absorvido pelo solo.
Quanto à economia, segundo os autores, melhorar a sustentabilidade em longo prazo e reduzir a desigualdade deveriam ser prioridades, em lugar da ampliação da riqueza, tal como medida pelo PIB (Produto Interno Bruto). Os autores também advogam políticas que reduziriam a perda de biodiversidade e a destruição de florestas, e recomendam priorizar a preservação das florestas intactas, que armazenam carbono, em companhia de outras terras capazes de absorvê-lo rapidamente, assim reduzindo o aquecimento global.
"Trata-se de um documento que estabelece um registro claro do amplo consenso que existe entre os cientistas ativos neste momento da história, de que a crise do clima é real e é uma grande ameaça, talvez à própria existência das sociedades humanas, ao bem-estar humano e à biodiversidade", disse Jesse Bellemare, professor associado de biologia no Smith College e um dos signatários da declaração de emergência.
Ele disse, via e-mail, que a presença de tantos biólogos e ecologistas na lista de signatários pode refletir o fato de eles estarem observando grande número de mudanças com base em uma alteração no clima de dimensões muito inferiores à que é projetada para o futuro.
Ripple, da Universidade Estadual do Oregon, tem experiência na organização de apelos científicos à ação, tendo fundado a Aliança Mundial de Cientistas e organizado o "Alerta à Humanidade: Segunda Notificação", divulgado pela organização em 2017 e também publicado pela Bioscience, que tinha por foco a necessidade urgente de resolver uma ampla gama de problemas ambientais, entre os quais a mudança no clima e a perda de biodiversidade.
"Estamos pedindo por uma mudança transformadora para a humanidade", disse Ripple em entrevista. Muitos dos signatários do alerta não se descrevem como cientistas do clima, mas sim como biólogos, ecologistas e cientistas de outras especialidades. Ripple disse que isso é intencional, já que os autores buscaram obter o mais amplo apoio possível.
"A situação que enfrentamos hoje com a mudança do clima", ele diz, "demonstra que essa é uma questão que precisa se expandir para além dos cientistas do clima apenas".
Moomaw disse que o estudo vinha de pesquisadores que estão vendo as consequências de um planeta que tem mudado rapidamente, e que ele representa em parte "uma declaração de frustração por parte de muita gente na comunidade científica".
"Os cientistas, e especialmente aqueles que estão estudando o que vem acontecendo com um clima mudado, se alarmaram muito com a rapidez dessas mudanças e com a urgência de tomar medidas muito mais drásticas", disse Moomaw.
O termo "emergência climática" vem sendo defendido pelos ativistas do clima e pelos políticos que defendem ação quanto à mudança climática como forma de acrescentar urgência à maneira pela qual respondemos a um problema de longo prazo.
O grupo ativista Climate Mobilization quer mobilizar governos nos Estados Unidos e em outros países e conseguir que declarem uma emergência climática, decretando medidas de resposta comensuráveis com esse tipo de declaração.
O legislativo municipal de Nova York declarou uma emergência climática, assim como o de São Francisco. Cidades europeias fizeram o mesmo. Projetos de lei que definem o aquecimento global como emergência estão tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado americanos, patronados por liberais conhecidos como o senador Bernie Sanders (independente de Vermont) e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez (democrata de Nova York).
O movimento juvenil de combate à mudança no clima, que inclui a ativista sueca Greta Thunberg, vem liderando a campanha pela adoção de linguagem mais urgente para descrever o aquecimento global.
Até o momento, os cientistas vinham relutando em usar esse tipo de linguagem. Mas o novo estudo pode mudar essa postura.
Phil Duffy, pesquisador do clima e presidente do Woods Hole Research Center, que assinou o relatório em 04/11/2019, disse considerar o termo apropriado, considerada a escala do problema e a falta de ação até o momento.
"O termo ‘emergência climática’... devo dizer que o considero refrescante, na verdade, porque eu fico muito impaciente com os cientistas que vivem vacilando e resmungando sobre incerteza, aquele papo furado, e essa nova postura com certeza é muito mais ousada do que isso", ele disse. "Creio que seja a coisa certa a se fazer".
Por: Andrew Freedman (The Washington Post). Tradução: Paulo Migliacci (Folha de S. Paulo).
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